Sempre que falo de gatos
vem-me à memória a história dos “Músicos de Bremen” (Die Bremer
Stadtmusikanten), da autoria dos irmãos Grimm, escrita e publicada no Séc. XIX,
em pleno apogeu do romantismo europeu, que narras as peripécias de 4 animais
maltratados pelos donos e condenados à morte (um burro, um cão, um gato e um galo)
que se fazem a estrada, decidem conjugar esforços e lutar pela sua
sobrevivência, no que virão a ser bem-sucedidos. A história provém dum conto
tradicional alemão recolhido pelos irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm), que lhe
deram o estilo e os contornos literários da época, sendo uma sátira ao
feudalismo e um apelo à liberdade individual. O conto acabou por transformar-se
num dos símbolos da Cidade de Bremen, imortalizado numa estátua com 2 metros de
altura, erigida em 1951, ao lado da Câmara Municipal (Thesaurus). Mas teriam os
irmãos Grimm razão? Poderão os gatos valer aos cães e vice-versa ou estarão
condenados à milenar inimizade? É deste assunto que trataremos agora, não sem
antes aconselhar, a miúdos e graúdos, a leitura deste agradável conto
tradicional germânico.
Importa salientar primeiro
a obrigatoriedade da sociabilização canina, porque a lei assim o exige e
exige-o relativamente a pessoas, a outros cães e demais animais, o que
transforma qualquer cão que agrida um gato num animal perigoso, sujeitando-se
às suas medidas pedagógico-preventivas, coercivas ou punitivas consoante a reincidência
e gravidade dos casos. Por outro lado, a menos que a caça ao gato seja aceite e
se generalize, o que dificilmente acontecerá, nenhuma das actuais disciplinas
cinotécnicas se coaduna com actos destes, porque constituem entraves sérios ao
bom desempenho canino, seja ele qual for. Não é por acaso que se aconselha, a
quem adquire um cachorro para guarda, a aquisição em simultâneo de um gatinho,
para que a sociabilização entre eles aconteça e impeça a troca de alvos,
ficando o cão mais atento para o comportamento das pessoas do que distraído
pela estranhez do gato. Se cães e gatos conviverem desde tenra idade, o carácter
social de ambos, apesar de diferente, levá-los-á ao perfeito entendimento e até
à parceria (com facilidade algumas cadelas adoptam gatinhos, tratando-os como
se os houvessem gerado).
Alguns caçadores
deslocados no tempo têm como hábito envenenar ou dar caça aos gatos alheios,
usando invariavelmente os seus cães para isso, treinando-os dessa forma para o
ofício cinegético e preservando, no seu entender, as espécies a caçar, porque
sabem que os gatos são hábeis caçadores e importa-lhes eliminar a concorrência,
acções dum chauvinismo extremo, próprias de tempos mais miseráveis e produto de
uma cultura há muito abandonada que ainda os escraviza.
Infelizmente esta gente,
apesar de ter decorado a tabuada, tem alguma dificuldade em estabelecer
raciocínios, porque se pensasse mais um pouco, veria que os gatos poderiam vir
em seu auxílio, ensinando os cães a caçar convenientemente, porque uns e outros
são predadores e os gatos são, sem grande esforço selectivo, instintivamente
caçadores de nomeada. Ensinar um cão a caçar em paralelo com um gato, é
capacitar o último pelo concurso do mais excelente dos mestres, porque o felino
doméstico sabe esconder-se e dissimular-se como ninguém, evolui inaudível, pára
a caça e raramente falha uma captura, quer se trate de aves ou coelhos. Agora
que o treino dos cães de caça é levado mais a sério e são treinados amiúde nos
espaços domésticos através de simulacros e cobaias, porque não fazê-lo em
parceria com um gato? O aforismo que diz: “quem não tem cão, caça com gato”
parece ganhar crédito, porque quem melhor que um gato ensinará um cão a caçar?
É conhecida a
extraordinária parceria entre os gatos Burma e cães em matéria de segurança e
protecção, porque se completam na defesa dos seus lares adoptivos, escorraçando
em conjunto qualquer intruso que deles de acerque, parceria tornada possível
pelo comportamento destes gatos, que ao ser análogo aos dos cães, leva-os a
estabelecer fortes laços afectivos com os seus proprietários e a deslocarem-se
invariavelmente ao seu redor, quer acompanhando-os quer dividindo tarefas com
eles, contrariamente á maioria dos gatos que se fixa na casa e não nos donos.
Os gatos siameses e outras raças do sudoeste asiático são capazes de idêntica
proeza. Na década de 90 e até princípios deste milénio tivemos dois gatos
destes: o Eusébio (que era negro) e o PM, que acompanhavam o adestrador nas
suas actividades para todo o lado, inclusive para a pista táctica, onde era
possível vê-los entre os cães ou a descansar sobre os obstáculos. O PM foi
objecto de um texto que publicámos em 01/06/2009 com o título: “ PM: O GATO QUE FOI MESTRE DOS CÃES”,
onde contámos sucintamente a sua história, préstimo e importância para o
adestramento.
Sim, o conto dos Irmãos Grimm tem o seu fundo de verdade, cães e gatos podem
coabitar lado a lado e ser parceiros, dividir brincadeiras, ajudar-se
mutuamente e complementar-se, verdade que se deseja e que é tarefa obrigatória
do adestramento, tão obrigatória como ensinar um cão-pastor a não morder no
gado ou um cão de caça a não comê-la. Quantos cães treinados já atacaram
ovelhas, quantos ainda perseguem gatos, quantos se jogam contra as capoeiras?
Estarão devidamente treinados? Creio que não!
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