Tal como sucede com os
homens, também nos cães existem mais subordinados do que líderes, merecendo
respectivamente as designações de “submissos” e “dominantes”, o que possibilita
a sobrevivência das duas espécies enquanto seres sociais. Hoje, devido à ausência
de trato directo com os animais e à aquisição tardia dos cães, que levam ao
aumento do medo, criam-se por aí dominantes que nunca o foram e que lembram de
certa maneira o “Cão Cérbero”, um animal com 3 cabeças, presente na mitologia
grega e tido como guarda do mundo inferior (inferno). Como importa adequar no
adestramento os perfis psicológicos binomiais, o adestrador vê-se no papel de
árbitro nas disputas entre cães e donos que obstam ao seu rendimento colectivo.
Avaliaremos em seguida os quatro casos possíveis: condutor líder/cão dominante,
condutor líder/cão submisso, condutor subordinado/cão líder e condutor
subordinado/cão submisso, no intuito de identificar os problemas mais comuns e
adiantar as soluções mais acertadas, tendo em vista a necessária e efectiva
liderança humana.
Os condutores que são
líderes inatos carecem por norma de algum travamento, porque a sua ambição pode
impedir-lhes a necessária identificação dos cães que os acompanham, o que
normalmente obsta ao seu desenvolvimento laboral por via de uma precária
comunicação, por vezes imprópria e nalguns casos até abusiva, capaz de gerar
medo ou revolta nos animais que conduzem. Tomando como exemplo o 1º caso, o do condutor líder/cão dominante, importa dizer
que, caso alcancem a plena constituição binomial, dificilmente serão
ultrapassados e o seu rendimento será
excelente, ainda que eventualmente possam surgir algumas dificuldades no seu
processo pedagógico, mercê do dualismo das vontades, expresso na
resistência do cão, que não dispensa um condutor experimentado, para que a
harmonia das acções consiga evitar as desnecessárias confrontações. Aqui o dono
terá que ser um disciplinador não temerário e seguro, alguém capaz de
estabelecer regras e de recompensar o animal pelo acerto, assim como proceder à
reprovação e inibição dos seus exageros, já que o cão tende a capitanear as
acções ou a despoletá-las sem ordem expressa. Para que o animal aceite a
liderança sem maiores atropelos, o seu condutor deverá ser alertado e estar
preparado para aguentar seguro e impenetrável as manifestações de desagrado do
cão e ser pronto na sua cessação. A palavra de ordem aqui é disciplina e ela não deverá sucumbir diante
de qualquer provocação. Ainda que sejam objecto de grande procura, os cães
muito-dominantes não são próprios para qualquer um.
Quando um
condutor possui todas as qualidades que o identificam como líder e tem como
companheiro um cão submisso ver-se-á obrigado a trocar, sempre
que necessário, a disciplina pelo alento,
o que nem sempre acontece, para que a primeira não produza inusitado travamento
e venha a transformar um cão num autómato sem préstimo, o que o tornará excessivamente
dependente, impedirá a sua defesa, obstará ao seu bem-estar e diminuir-lhe-á a
autonomia, impossibilitando-lhe a ousadia só alcançável pela investidura que o
tornaria mais seguro. Encontrar quem dê alento e transmita ânimo nunca foi
fácil e muito menos nos dias atribulados em que vivemos, onde por norma a
esperança não abunda. Um dono decidido
com um cão submisso em mãos terá que valer-se da cumplicidade para o alcance
dos objectivos, abdicando sempre que possível da liderança pura e simples,
que intimida e não anima. Adianta-se que as fêmeas raramente são dominantes,
ficando isso a dever-se ao dimorfismo sexual presente nos cães e ao seu desempenho
na reprodução.
Quando um condutor subordinado é obrigado a educar um cão dominante estamos diante de um processo pedagógico difícil, porque naturalmente o
cão tentará dominar sobre quem o conduz, tudo fazendo para que a sua vontade
impere e a liderança do seu condutor jamais aconteça. Aqui o adestrador é obrigado a intervir, quantas vezes for necessário,
procedendo à instalação dos comandos no
cão até que eles garantam, por si, a liderança do seu condutor, já que o
condicionamento operado por ele dificilmente será objectivo e incondicional. A acção do adestrador torna-se obrigatória
diante dos previsíveis riscos pró condutor, uma vez que não inibe e o cão
tudo fará para o inibir, o que infelizmente acontece com alguma frequência. Com
o tempo, a acção do adestrador e o empenho do dono, que gradualmente vai
ganhando ânimo e força pelo exemplo, o binómio virá ser constituído. Quando a um condutor subordinado cabe um
cão submisso, há que injectar doses maciças de ânimo no líder, visando a sua investidura e o robustecimento do cão,
que jamais se sentirá seguro e protegido se for objecto de uma liderança
passiva, passividade que a acontecer, virá a comprometer por receio qualquer
serviço destinado ao animal. Resumindo, as disputas binomiais resolvem-se,
consoante os casos, com disciplina, cumplicidade, interajuda e ânimo, cabendo
ao adestrador indicar qual destes antídotos utilizar diante dos problemas
encontrados, acção que o transforma num árbitro apostado no sucesso, porque
resolve, a contento das partes e objectivando um fim útil, os possíveis
litígios entre homens e cães.
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