Pouco a pouco a procura dos cães-lobos vai diminuindo, o que não esconde
o desencanto de alguns pelo despreparo para a tarefa, pois julgavam ter em mão
um cão como tantos outros, o que bem depressa se revelou falso pelo particular
destes animais, que apesar de meigos, carecem de forte integração social, são
notoriamente mais silvestres, carregam uma forte carga instintiva, resistem à
cumplicidade, apresentam uma autonomia dúbia e parecem ignorar o mundo ao seu
redor, características que os tornam confusos e indiferentes, parecendo
ausentes quando presentes, como se houvessem caído de pára-quedas entre nós ou
vindos de um mundo distante que não encontram. Recentemente deparámo-nos com 7
Lobos Checos num certame canino que se diferenciavam e esgueiravam dos outros
cães, com as orelhas abatidas, cauda retraída e a olhar ao flanco, como que
acossados e temendo o perigo pelas costas, pouco confiados nos donos e à
procura sabe-se lá de quê. Um dos seus proprietários meteu conversa connosco e
queixou-se da falta de ligação do seu cão-lobo, sendo-lhe adiantadas algumas
dicas que divulgamos agora prós nossos leitores interessados, visando nos
híbridos a satisfação da sua herança lupina para não se perderem estes cães, o
que facilitará o seu uso e porá em evidência as mais-valias presentes na
variedade silvestre, causa primeira na sua demanda e nem sempre alcançada.
O regresso ao atavismo que
caracteriza os cães-lobos, para além da potenciação da sua máquina sensorial,
superior dissimulação, maior rusticidade, aumento da resistência e maior
esperança de vida, traz consigo alterações de comportamento social há muito
vencidas nos cães pela sua caminhada milenar entre nós, por força das
sucessivas selecções que fomos empreendendo, que os levaram a desprezar a
floresta e a viver connosco, a trocar a autonomia pela dependência e a adaptarem-se,
gradualmente e por substituição, a um número cada vez menor de indivíduos no
seu agrupamento social, o que teve como consequência a alteração de hábitos e
possibilitou o seu uso, vantagens menos visíveis e pouco potenciadas nos
híbridos de lobo, biologicamente mais autónomos e menos adaptados à nossa
convivência, factores que nos obrigarão a maiores cuidados na sua integração, o
que nos remete de imediato para o seu imprinting e para a figura dos seus
criadores, enquanto personagens de suma importância para a melhor ou pior
futura integração social das raças híbridas. Nesta tarefa de reinserção, porque
é disso que se trata, devido à presença do cão na sua construção, o lobo
familiar virá em nosso auxílio e prevalecerá sobre o lobo indómito que o
constitui, também ele extraordinariamente afectivo e cujo processo de maturação
é mais tardio. Escusado será dizer que quanto maior for o percentual de cão num
híbrido mais facilmente se alcançará a sua convivência e parceria.
Nada nos cães-lobos está
previamente ganho ou é gratuito e tratá-los ou entendê-los como cães comuns é
um erro tremendo, porque exigem condições excepcionais, instaladoras e
pedagógicas, para renderem o esperado e se equiparem convenientemente para as
tarefas, transitando assim dos seus próprios interesses, por vezes indecifráveis,
para o proveito colectivo. E porque o segredo do sucesso irá residir nos
vínculos afectivos que estabelecerão com os seus donos, adiantaremos
seguidamente algumas regras que convém respeitar. REGRA Nº 1. Certifique-se que o criador é uma
pessoa cuidadosa, carinhosa, tolerante e próxima da ninhada, porque dele
dependerá em grande parte o futuro comportamento social dos cachorros. REGRA Nº 2. Apresente-se
ao cachorro antes de o levar para casa, preferencialmente antes de abrir os
olhos, para que guarde o seu odor e ao abri-los já esteja familiarizado
consigo. REGRA
Nº 3. Leve-o para casa logo que tal seja possível, para que mais
rápido se familiarize consigo, com os seus e com o seu novo lar, o que ajudará
na mudança e facilitará a mútua adopção. REGRA Nº 4. Caso não esteja habitualmente em
casa, aproveite o seu mês de férias para passar mais tempo com o animal, porque
o isolamento é nele inato e só dificultará o seu futuro relacionamento consigo.
REGRA Nº 5. Respeitando
o mesmo princípio, não o crie afastado de si, em anexos, canis ou quintais,
deixe que ele escolha um local perto da família e assimile a coabitação. REGRA Nº 6.
Seja escrupuloso no cumprimento dos horários que facilitam a assimilação das
rotinas e aceitação do território. REGRA
Nº 7. Não force o relacionamento e deixe que ele o procure, pormenor
que não tardará pela inevitável dependência.
REGRA Nº 8. Familiarize-se com as suas
expressões mímicas e rituais, intente reproduzi-los, use-os como meio de
comunicação e exprima-se através deles. REGRA Nº 9. Seja paciente e não se esqueça que a
maior das virtudes é saber esperar. REGRA
Nº 10. Coloque-lhe a coleira aos 2 meses de idade e só depois dela
aceite é que deverá pôr-lhe a trela, ensino que deverá iniciar dentro do lar. REGRA Nº 11.
Vá com ele para todo o lado em curtos períodos de tempo e caso o veja assustado,
conforte-o. REGRA
Nº 12. Vigie esporadicamente o seu sono durante a noite, altura em que
a sua audição é mais activa, manifeste-lhe que não está só, aconchegando-o como
manifestação de carinho. REGRA
Nº 13. Seja seu colega de brincadeiras e sorrateiramente vá impondo,
sem violência e por abandono, algumas regras nos jogos. REGRA Nº 14.
Só o deixe comer debaixo de ordem expressa. REGRA Nª 15. Trate diariamente da sua
higiene para que se acostume, o que facilitará o seu manuseamento, tratamento e
idas as veterinário. REGRA
Nº 16. Quanto mais cedo o habituar às crianças melhor. REGRA Nº 17. Acostume-o
desde tenra idade aos diversos meios de transporte. REGRA Nº 18. Alterne os passeios
diurnos com os nocturnos para reforço da sua liderança. REGRA Nº 19.
Deixe-o conviver com cães bem sociabilizados e proteja-o dos agressivos até aos
2 anos de idade. REGRA
Nº 20. Reforce a linguagem verbal com a gestual para lhe captar a
atenção e facilitar a apreensão. REGRA
Nº21. Descubra a melhor forma de o recompensar. Estas regras, não as
manifestámos todas, dizem respeito à instalação doméstica dos cães-lobo e são
pré-requisitos indispensáveis para o treino que se avizinha.
Passemos ao treino
propriamente dito, enumerando os procedimentos que garantirão o superior
aproveitamento do regresso ao atavismo. PROCEDIMENTO Nº 1. Só dê entrada numa
escola canina quando o seu cão-lobo andar ao seu lado atrelado sem oferecer
resistência e esteja minimamente habituado às pessoas e aos outros cães,
mais-valias por norma alcançadas aos 6 meses de idade. PROCEDIMENTO Nº 2.
No início do treino, mesmo valendo-se da recompensa (reforço positivo), o
trabalho útil não deverá prolongar-se por mais de 15 minutos, devendo ser
complementado por momentos de supercompensação com o dobro da duração, para que
a saturação não obste à aquisição das respostas artificiais e condene o animal
a apatia. PROCEDIMENTO
Nº 3. No princípio opte por classes de ensino nocturnas, porque a
concentração dos híbridos é maior nesses horários. PROCEDIMENTO Nº 4. Evite passar o seu cão
para as mãos de outros, para que a novidade da parceria não o leve à suspeição
e venha a enfraquecer os vínculos afectivos que nutria por si até então. PROCEDIMENTO Nº 5. Escolha
para ele tarefas escolares bipartidas onde a sua participação ou
complementaridade seja notória. PROCEDIMENTO
Nº 6. Desenvolva-lhe o instinto de presa e use-o para diferentes
tarefas (procura, recolha, transporte, etc.). PROCEDIMENTO Nº 7 Como os cães-lobos tardam
na aquisição dos conteúdos de ensino, mercê de fazerem mais tarde, o alcance
das metas poderá ser objecto de subdivisão, o que facilitará a tomada dos
objectivos pela experiência feliz.
PROCEDIMENTO Nº 8. Evite situações de
confrontação tanto na puberdade como na idade adulta com os híbridos de lobo,
porque tanto se podem acobardar como revoltar, o que a ninguém servirá. Use a
inteligência, mantenha a postura, não recue e valha-se, quando necessário, dos
contra procedimentos para restaurar a sua autoridade. PROCEDIMENTO Nº 9. Mais
do que no travamento ou na obediência estática, o treino dos híbridos deverá
ser maioritariamente dinâmico como se duma exploração de caça se tratasse,
porque manifestam alguma dificuldade em entender o travamento sem objectivo à
vista. PROCEDIMENTO Nº 10.
A postura corporal dos condutores deve ser a mais erecta possível, serena,
emanar confiança e transmitir segurança, à imitação dos cães e lobos alfas. Os
procedimentos não se esgotam aqui e poderão ser alargados a quem nos solicitar.
A maioria dos cães-lobos é
menos agressiva que algumas raças de cães domésticos, apesar de mais dada a
ataques instintivos, que aparentemente surgem sem obedecer a qualquer causa ou
razão. Sempre será mais fácil adestrar uma fêmea do que um macho híbrido,
porque a hierarquia das alcateias e matilhas é encimada por um macho-alfa,
procurando as fêmeas alguém que sobre elas domine, o que as torna mais
permissivas e aptas para aceitarem a autoridade e liderança humanas, já que o
Lobo da Etiópia é uma excepção e também por causa disso se encontra em vias de
extinção. Os cães-lobo de coloração negra apresentam substancialmente menos dificuldades
no seu adestramento, porque esse pigmento não é original nos lobos e
resultou-lhes do cruzamento com cães domésticos há alguns milhares de anos
atrás. Como este factor cromático é recessivo, só surgirão filhotes negros numa
ninhada de híbridos se tanto o lobo como o cão usados na sua construção forem
recessivos nessa variedade cromática, o que os torna menos lobos e mais cães,
logo mais fáceis de ensinar. É na Itália Central, na região da Toscana, nos
Alpes Apuanos (também conhecidos como Apeninos Ligures ou
Ligurenses), que existe maior número de lobos negros, que chegam a atingir 25%
do total dos lobos ali existentes. É difícil encontrar lobos negros no resto da
Europa e quando surgem no Centro e no Leste, ou obedeceram a alguma mutação ou pressupõem
cruzamentos relativamente recentes com cães. Na América do Norte ainda é
possível verem-se alguns lobos desta cor.
O surgimento dos cães-lobos deve-se à “Fábula do Lobo Mau”, ao desejo de
arranjar guardiões ferozes nunca vistos, como se os lobos fossem como os pintam
nas histórias, bichos malvados, sanguinários e devoradores de gente, na origem
de lobisomens e vampiros, apesar de não haver um só registo dum humano morto
por eles. Como guardiões vão do sofrível ao médio, raramente atingem a
excelência e caso a alcancem, de lobo terão no máximo 2/8. Como a hibridação é
uma das principais causas adiantadas para a extinção dos lobos, entendemos que
ela ser abandonada e reduzida ao mínimo, considerando a sobrevivência das suas
espécies e subespécies. Justificar-se-á mas não em absoluto, o uso de cães-lobo
nas diferentes disciplinas de resgate e salvamento, considerando as mais-valias
prestadas pela infusão sanguínea do canis lupus, área onde naturalmente se
sentem como peixe na água e têm vindo a ser usados com sucesso, sendo essa e
não outra a sua verdadeira vocação. E como trabalhar com híbridos de lobo não é
a mesma coisa que fazê-lo com cães, a maior parte deles virá a ser atirada para
quintas e remetida para o esquecimento até que a morte os chame, como já hoje
acontece pelos desentendimentos, desencantos e frustrações dos seus
proprietários. Antes de se decidir por um cão-lobo, certifique-se que se
encontra bem apetrechado para a tarefa, que possui o conhecimento, o carácter e
a disponibilidade necessários para esse encargo.