O
Pachón Navarro, também conhecido por Old Spanish Pointer, Perdiguero Navarro,
Navarro Pointer, Pachón de Victoria, Nafarroako eper txakur ou simplesmente por
“ perdigueiro de dois narizes”, depois de quase extinto por ocasião da Guerra
Civil Espanhola (1936-1939), está de volta aos campos de caça onde se
notabilizou como cão de aponte, desde França até aqui, retornando às nossas
charnecas, lezírias e montados, ainda que timidamente, onde foi rei e senhor, privilégio
dos mais poderosos e marca do seu status, um aristocrata canino por detrás da
formação da maioria dos pointers continentais, inclusive do Perdigueiro
Português, com o qual se confundia na 1ª metade do Século XX, mercê da coabitação,
parceria na caça e pela inevitável hibridação que procurava de melhores cães
caçadores, podendo ainda hoje ser um melhorador dos diversos cães de aponte, a
quem por norma faltam valentia, apetrecho e rusticidade diante da
biodiversidade dos ecossistemas cinegéticos, menos valias ligadas a selecções
que elevaram a estética em detrimento do uso (sendo por isso mesmo desastrosas)
e à excessiva endogamia e consanguinidade que resultaram num sem número de
perdigueiros frágeis e medrosos, que evitam alguns terrenos, saem dali
lesionados e que tremem por ocasião dos disparos, como é o caso da maior parte
dos Pointers Ingleses, que se borram debaixo de fogo e que aqui evitam a
vegetação espinhosa. Podemos afirmar sem medo de errar, que a excelência dos
Bracos Húngaros e Germânicos, quando comparados com os restantes, mais se deve
ao desaparecimento e desprezo pelo Pachón Navarro do que aos seus próprios
méritos, apesar dos cães da Europa Central terem respeitado outros critérios de
selecção, por força do pragmatismo sempre evidenciado pelos seus criadores e
que alguns agora desprezam.
O “Dois Narizes” é um caçador anfíbio extraordinariamente resistente,
que suporta sem grande dificuldade as amplitudes térmicas e que leva de vencida
qualquer tipo de terreno, que sinaliza superiormente a presa, que espera
calmamente pela hora de avançar e que nunca dá caça por perdida, tendo maior
autonomia que a esperada nos seus iguais, o que lhe garante trabalhar por mais
tempo e em situações adversas, mais-valias advindas da sua rusticidade, morfologia,
resistência à dor, extraordinária parceria, entrega ao serviço e gosto de
agradar (raros são os exemplares que rasgam ou comem as peças). Tem igual comportamento
em terra firme e nos arroios, associa o disparo à acção e a espingarda à
alegria de caçar. Cão alegre e denominado pelo instinto de caça, sociabiliza-se
facilmente entre iguais ou com outros de raça diferente, constituindo rapidamente
matilha com eles, o que nem sempre acontece com outros pointers, setters e
perdigueiros. Presta-se muito bem como cão familiar, porque é fácil de ensinar,
saudável, participativo, fiel e paciente com as crianças, muito embora exija
exercício diário regular. Tem todas as condições para se tornar num bom cão de rastreio e salvamento, podendo o
seu futuro passar por essas áreas do adestramento.
Os seus detractores acusam-no de ser difícil de
trabalhar e de evoluir a rumo próprio, o que entra em contradição com o seu
comportamento social. Desde muito novo evidencia a sua vocação caçadora e nisso
deve ser aproveitado, para que futuramente renda aquilo que dele se espera e
não venha a ser surpreendido por uma actividade até ali desleixada e que exige
a divisão de tarefas com o dono. Se o cão pastor pastor cresce do bardo, o cão
caçador deverá desde novo exercitar-se no ofício cinegético. E se a caça com
cães é uma actividade dividida, a maior ou menor prestação de um cão resultará
também da qualidade dos seus mestres. A prová-lo está o facto de alguns cães
caçarem muito bem na mão de determinados indivíduos e com outros não. Como é
sabido, a comunicação interespécies não dispensa a observação e o estudo prévio
fornecidos pela coabitação para a mútua compreensão, induzindo a comunhão de
vida naturalmente à divisão das tarefas.
Mais
robusto e ligeiramente maior que o Perdigueiro Português, o Pachón Navarro
apresenta-se unicolor, bicolor e tricolor, numa variedade de cores que vão
desde o branco ao negro, passando pelo laranja, castanho e cobre, com ou sem
manchas, património genético que lhe possibilita a camuflagem nas diferentes policromias
estivais e outonais, apesar de qualquer variedade cromática suportar qualquer
ecossistema sem grandes dificuldades. Este cão, originário de ambos os lados
dos Pirenéus, desde os séculos XII e XIII (aqui as opiniões dividem-se),
aguarda o reconhecimento oficial da FCI, não obstante ser já reconhecido em
Espanha e de ter um estalão pormenorizado. A raça ainda apresenta alguns nado-mortos
nas suas ninhadas e nem todos os Pachón apresentam o nariz rachado.
Considerado como um caçador inveterado e
inteligente, pela riqueza da sua mímica, este perdigueiro único, que também foi
vítima da mixomatose (que quase o extinguiu), traz a Idade Média até aos nossos
dias, unindo o passado ao presente e carregando em si as expectativas e gostos
milenares dos povos peninsulares, enquanto marco vivo da história comum que
queremos perpetuar. Cabe-nos a nós, canicultores espanhóis e portugueses, não o
deixar perecer, usá-lo no muito que tem para dar como companheiro e melhorador
das raças caninas de aponte actuais, notoriamente mais frágeis pelo distanciamento
da qualidade original que o “Dois Narizes” transporta.
Apesar
de exímio trotador em qualquer tipo de terreno, consegue acompanhar, quando
necessário, o galope de outros em passo de andadura, capturando silenciosamente
a presa que sinalizou. A somar a isto é
um cão que apanha os “ventos altos” (círculos odoríferos no ar) com uma
facilidade incrível, o que o torna próprio também para o resgate de sinistrados
e desaparecidos. E para não ficarmos por aqui, estamos na presença de um
excelente cão de terapia. Não podemos retornar ao passado mas podemos revivê-lo
através deste perdigueiro, corrigir erros ancestrais e devolver aos cães
actuais a robustez atemporal que nos últimos séculos lhes roubámos. Arriba
Perdiguero de Navarra, para a frente “Dois Narizes”. Oxalá não te estraguem!
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