quarta-feira, 1 de julho de 2015

PACHÓN NAVARRO: UNIR EL PASADO AL PRESENTE

O Pachón Navarro, também conhecido por Old Spanish Pointer, Perdiguero Navarro, Navarro Pointer, Pachón de Victoria, Nafarroako eper txakur ou simplesmente por “ perdigueiro de dois narizes”, depois de quase extinto por ocasião da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), está de volta aos campos de caça onde se notabilizou como cão de aponte, desde França até aqui, retornando às nossas charnecas, lezírias e montados, ainda que timidamente, onde foi rei e senhor, privilégio dos mais poderosos e marca do seu status, um aristocrata canino por detrás da formação da maioria dos pointers continentais, inclusive do Perdigueiro Português, com o qual se confundia na 1ª metade do Século XX, mercê da coabitação, parceria na caça e pela inevitável hibridação que procurava de melhores cães caçadores, podendo ainda hoje ser um melhorador dos diversos cães de aponte, a quem por norma faltam valentia, apetrecho e rusticidade diante da biodiversidade dos ecossistemas cinegéticos, menos valias ligadas a selecções que elevaram a estética em detrimento do uso (sendo por isso mesmo desastrosas) e à excessiva endogamia e consanguinidade que resultaram num sem número de perdigueiros frágeis e medrosos, que evitam alguns terrenos, saem dali lesionados e que tremem por ocasião dos disparos, como é o caso da maior parte dos Pointers Ingleses, que se borram debaixo de fogo e que aqui evitam a vegetação espinhosa. Podemos afirmar sem medo de errar, que a excelência dos Bracos Húngaros e Germânicos, quando comparados com os restantes, mais se deve ao desaparecimento e desprezo pelo Pachón Navarro do que aos seus próprios méritos, apesar dos cães da Europa Central terem respeitado outros critérios de selecção, por força do pragmatismo sempre evidenciado pelos seus criadores e que alguns agora desprezam.
 Sem queremos ser chauvinistas e olhando para o rumo da História, à “Queda das Nações Peninsulares” sucedeu o abandono e a menor procura pelos seus cães, que na sua maioria subsidiaram outros noutras latitudes e estiveram na origem de novas raças, obra também britânica para afirmar o seu poderio. E para quem se interessa pelo assunto, vale a pena ler o Discurso de Antero de Quental, proferido em Lisboa no Casino Lisbonense, a 27 de Maio de 1871, por ocasião da 1ª Sessão das Conferências Democráticas, sob o título “ CAUSAS DA DECADÊNCIA DOS POVOS PENINSULARES NOS ÚLTIMOS TRÊS SÉCULOS”, porque assim como não se podem desligar as guerras das razões económicas, do mesmo modo será ingénuo separar as opções da política. A nossa opção e encanto pelo Pachón Navarro deve-se ao facto de o havermos observado a caçar em tempos idos, recordação que não se apaga e que gostaríamos que nos fosse devolvida, sonho que vem sendo possível pelo esforço dos criadores espanhóis empenhados na sua criação, divulgação e reconhecimento, que desejaríamos ver premiado pela sua maior procura.
O “Dois Narizes” é um caçador anfíbio extraordinariamente resistente, que suporta sem grande dificuldade as amplitudes térmicas e que leva de vencida qualquer tipo de terreno, que sinaliza superiormente a presa, que espera calmamente pela hora de avançar e que nunca dá caça por perdida, tendo maior autonomia que a esperada nos seus iguais, o que lhe garante trabalhar por mais tempo e em situações adversas, mais-valias advindas da sua rusticidade, morfologia, resistência à dor, extraordinária parceria, entrega ao serviço e gosto de agradar (raros são os exemplares que rasgam ou comem as peças). Tem igual comportamento em terra firme e nos arroios, associa o disparo à acção e a espingarda à alegria de caçar. Cão alegre e denominado pelo instinto de caça, sociabiliza-se facilmente entre iguais ou com outros de raça diferente, constituindo rapidamente matilha com eles, o que nem sempre acontece com outros pointers, setters e perdigueiros. Presta-se muito bem como cão familiar, porque é fácil de ensinar, saudável, participativo, fiel e paciente com as crianças, muito embora exija exercício diário regular. Tem todas as condições para se tornar num  bom cão de rastreio e salvamento, podendo o seu futuro passar por essas áreas do adestramento.
 Os seus detractores acusam-no de ser difícil de trabalhar e de evoluir a rumo próprio, o que entra em contradição com o seu comportamento social. Desde muito novo evidencia a sua vocação caçadora e nisso deve ser aproveitado, para que futuramente renda aquilo que dele se espera e não venha a ser surpreendido por uma actividade até ali desleixada e que exige a divisão de tarefas com o dono. Se o cão pastor pastor cresce do bardo, o cão caçador deverá desde novo exercitar-se no ofício cinegético. E se a caça com cães é uma actividade dividida, a maior ou menor prestação de um cão resultará também da qualidade dos seus mestres. A prová-lo está o facto de alguns cães caçarem muito bem na mão de determinados indivíduos e com outros não. Como é sabido, a comunicação interespécies não dispensa a observação e o estudo prévio fornecidos pela coabitação para a mútua compreensão, induzindo a comunhão de vida naturalmente à divisão das tarefas.
Mais robusto e ligeiramente maior que o Perdigueiro Português, o Pachón Navarro apresenta-se unicolor, bicolor e tricolor, numa variedade de cores que vão desde o branco ao negro, passando pelo laranja, castanho e cobre, com ou sem manchas, património genético que lhe possibilita a camuflagem nas diferentes policromias estivais e outonais, apesar de qualquer variedade cromática suportar qualquer ecossistema sem grandes dificuldades. Este cão, originário de ambos os lados dos Pirenéus, desde os séculos XII e XIII (aqui as opiniões dividem-se), aguarda o reconhecimento oficial da FCI, não obstante ser já reconhecido em Espanha e de ter um estalão pormenorizado. A raça ainda apresenta alguns nado-mortos nas suas ninhadas e nem todos os Pachón apresentam o nariz rachado.
Considerado como um caçador inveterado e inteligente, pela riqueza da sua mímica, este perdigueiro único, que também foi vítima da mixomatose (que quase o extinguiu), traz a Idade Média até aos nossos dias, unindo o passado ao presente e carregando em si as expectativas e gostos milenares dos povos peninsulares, enquanto marco vivo da história comum que queremos perpetuar. Cabe-nos a nós, canicultores espanhóis e portugueses, não o deixar perecer, usá-lo no muito que tem para dar como companheiro e melhorador das raças caninas de aponte actuais, notoriamente mais frágeis pelo distanciamento da qualidade original que o “Dois Narizes” transporta.
 Apesar de exímio trotador em qualquer tipo de terreno, consegue acompanhar, quando necessário, o galope de outros em passo de andadura, capturando silenciosamente a presa que sinalizou.  A somar a isto é um cão que apanha os “ventos altos” (círculos odoríferos no ar) com uma facilidade incrível, o que o torna próprio também para o resgate de sinistrados e desaparecidos. E para não ficarmos por aqui, estamos na presença de um excelente cão de terapia. Não podemos retornar ao passado mas podemos revivê-lo através deste perdigueiro, corrigir erros ancestrais e devolver aos cães actuais a robustez atemporal que nos últimos séculos lhes roubámos. Arriba Perdiguero de Navarra, para a frente “Dois Narizes”. Oxalá não te estraguem!

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