Um adestrador que se forme
numa Escola de Pastores Alemães não pode e não deve ensinar as demais raças
caninas na perspectiva do Cão de Stephanitz, porque se o fizer não obterá os
mesmos resultados e subaproveitará os cães ao seu encargo, o mesmo é válido
para os oriundos de um grupo de Border Collies que desejem ensinar cães com
outras características de igual modo. O Pastor Alemão exige muito pouco dos
seus condutores em matéria de entrega emocional, porque mais depende da memória
mecânica do que da afectiva para chegar à associativa, é naturalmente
concentrado e disciplinado, o que lhe facilita a aquisição das posturas e das
manobras requeridas sem grandes repetições. Como é muito disponível, a menos
que seja por demais submisso, o grosso dos seus machos necessitará mais de
travamento do que de estímulo, porque é naturalmente competitivo, audaz,
protector e reage prontamente às provocações, o que não implica que dispense
uma profunda relação de cumplicidade com o seu dono ou condutor, cuja
existência garantirá novas e menos visíveis formas de entendimento binomial.
Sendo precoce, dinâmico e de alguma forma persistente, busca o progresso e não dispensa
a novidade de desafios, o que a ninguém espanta porque foi criado para o trabalho,
dispensando a excessiva recompensa por viver em função do serviço, ser
naturalmente sério e pouco propenso a subornos. E se o pudermos acusar de algo,
certamente será de excesso de zelo, porque não lhe sendo distribuído trabalho,
não hesitará em inventá-lo.
Como a maior parte dos
cães não é assim, quer pecando por menor disponibilidade quer exigindo maior
estímulo, factores ligados ao pormenor da sua carga instintiva, biomecânica e
morfologia, ao particular da sua envergadura e à procura doutros serviços por
diverso equilíbrio dos principais impulsos herdados, ver-nos-emos obrigados a
trabalhá-los doutro modo, pacientemente e com maior tolerância, a felicitá-los
amiúde e efusivamente para que a experiência feliz, que não dispensa a
recompensa, accione a memória afectiva que os induzirá ao cumprimento das
tarefas. Neles a ênfase recairá sobre a acção e o travamento deverá acontecer
gradual e suavemente para que não percam o gosto por aprender, ao temerem a liderança.
Como se depreende, o rigor que caracteriza o treino dos pastores alemães só os
afogaria e os pastores alemães treinados deste modo tendem à desobediência e
nalguns casos a perverterem a liderança, podendo os machos menos dominantes e
as fêmeas tornar-se quezilentos ou piegas. Um grande número de molossos,
debaixo de pressão, tende à imobilidade ou à revolta, muitos bracóides (se não
todos) irão exigir estratégias lúdicas para o alcance das metas propostas, os
vulpinos acusam em demasia as correcções e os toys carecem de muito agrado e
protecção. A somar a isto, em todas as raças subsistem indivíduos diferentes
que irão exigir abordagens e acompanhamentos díspares.
Cada cão deverá ser
tratado e ensinado de acordo com a sua sensibilidade e vocação, entendido tal
qual é para que a liderança não atrapalhe o seu desenvolvimento cognitivo, que
poderá exigir mais disciplina ou afecto de acordo com o seu perfil psicológico.
Será este discernimento que tornará maior e mais adequado qualquer adestrador,
que para todos os efeitos é como um actor, desdobrando-se em múltiplas
personagens para poder valer a todos os cães. Jamais alcançaremos o cão ideal
mas podemos abstrair de todos o melhor que têm para dar. Para isso cá estamos e
nisto se baseiam ou deveriam basear as nossas credenciais.
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