sábado, 11 de julho de 2015

OS CÃES SUICIDAM-SE?

Criei, treinei e convivi com dezenas de milhares de cães, de todas as idades, de ambos os sexos, de todos os tamanhos e das raças mais variadas, mas nunca conheci nenhum que cometesse suicídio e não creio que o venha a ver. Ao invés, vi alguns a lutarem desesperadamente pela vida e em todos um forte instinto de sobrevivência, mesmo quando doentes, lesionados, feridos, incapacitados, convalescentes ou agastados pelos anos – os cães não desistem, morrem a lutar pela vida! Por isso não creio que o suicídio seja uma prerrogativa canina, apesar de ter presenciado a letargia duns poucos que os levou à morte, por se isolarem e deixarem de comer.
Mesmo que o stress induza à ansiedade e esta gere a depressão capaz de promover o suicídio, este será sempre um acto reflexo e não um acto deliberado dos cães, surgindo como efeito do stress, tanto daquele que geneticamente não suportam como doutro de que eventualmente venham a ser alvo. Em ambos os casos deve-se ao homem este tipo de comportamento, quer pela manipulação das raças quer pela alteração das rotinas dos animais (mudanças de hábitos capazes de causar-lhes transtornos traumático-sociais). A depressão canina é uma das áreas mais complexas da medicina comportamental e abrange fenómenos relacionados com medos e fobias, ansiedade e desordens obsessivo-compulsivas que normalmente afectam os cães. Ainda que estes distúrbios possam estar associados entre si, diferem em termos neuro-fisiológicos, o que não raramente dificulta o seu diagnóstico clínico. A depressão ou estado depressivo canino poderá estar relacionada com a ansiedade e por norma acontece quando os cães se encontram expostos a situações de stress, quer ele seja crónico, sistemático ou traumático, levando-os à alteração ou desuso das suas funções biológicas, assim como à apatia, inapetência, tristeza, menor interacção, indiferença aos estímulos e isolamento social (há cães que debaixo de stress e ansiedade comem desalmadamente).
A causa maior do suicídio induzido aos cães, a que constatámos e temos notícia, reporta-se à morte dos seus donos, particularmente daqueles com quem mantinham um relacionamento social quase exclusivo, deveras próximo e extraordinariamente cúmplice, ao ponto de não superarem a sua ausência e de não aceitarem a sua substituição, felizmente casos raríssimos e merecedores da nossa atenção para que não se repitam, mais comuns entre os cães dos idosos ostracizados e aqueles que vivem a totalidade dos seus dias ao lado dos seus proprietários e treinadores, dividindo com eles todos os momentos e sendo a sua sombra. Para que isto não suceda, torna-se imperativo que o grupo social dum cão não se restrinja a uma só pessoa mas a várias, porque todos somos perecíveis e não partiremos melhor se os cães forem para a cova connosco, o que a ser verdade, seria a pior das recompensas para quem tanto nos ajudou.
Pelo que se depreende, considerando o bem-estar canino e a relação ansiedade-depressão, há que combater todos os tipos de ansiedade que afectam os cães. Ainda que nem todas as depressões induzam automaticamente à sua morte, todas elas contribuem para a sua menor qualidade de vida e para o encurtamento dos seus dias (matam aos poucos, lentamente). A ansiedade mais visível nos cães é aquela que catalogamos como “ansiedade da separação”, causada pela ausência dos donos e visível quando os cães aumentam a sua actividade perante a saída dos seus proprietários, podendo gemer, ganir, exigir atenção, pular e segui-los para onde quer que vão, tremendo ou demonstrando alguma agressividade perante a sua partida, manifestações intimamente ligadas aos diferentes perfis psicológicos encontrados nos cães (se inibidos, submissos ou dominantes). Depois dos donos virarem as costas, esta ansiedade resultante da insatisfação levará alguns cães a arranharem as portas, a mordê-las e a esburacá-las, podendo proceder do mesmo modo sobre utensílios domésticos e pertences dos seus donos (armários, fios eléctricos, livros, móveis, plantas, paredes, roupas, rodapés e vassouras). Outros, dominados pela mesma ansiedade, irão urinar e defecar em locais inaceitáveis (atrás da porta de casa, no sofá da sala ou até mesmo na cama dos donos), desencanto que poderá ser acompanhado e não raramente é por uivos, latidos e/ou gemidos, vocalizações geralmente comprovadas pelas queixas dos vizinhos. Diante deste cenário, alguns ficarão deprimidos e não comerão nem beberão na ausência dos donos, podendo ainda evidenciar sialorreia (babar-se), tremores, dispneia, taquicardia, diarreias, vómitos, lamber afincadamente o seu corpo ou automutilar-se, como é o caso dos cães que mordem a cauda.
Vá-se lá saber porquê, nesta República de coca-bichinhos, talvez por andarmos todos ao mesmo, o diálogo entre veterinários e etólogos tem-se revelado pouco frutuoso, o que tem sido fatal para os últimos, porque chegaram depois e, obrigados à sobrevivência, sujeitam-se a aceitar qual tipo de trabalho, mesmo o distante das suas competências e abaixo das habilitações, ainda que formados pelas mais reputadas universidades estrangeiras (conhecemos um certificado por Cambridge a aviar sacos de compras no AKI). Raros são os veterinários que fazem uma pós graduação em Etologia e alguns etólogos obrigam-se a tirar veterinária para poderem ser melhor aceites e continuar os seus trabalhos. Não obstante e apesar do seu paupérrimo currículo em comportamento animal, raros são os veterinários que não receitam ansiolíticos aos cães, como não é de estranhar diante de donos ingénuos ou ignorantes, historicamente acostumados a desculpabilizar-se e a atribuir aos cães a culpa dos desaires que os vitimam (certa vez tive um aluno médico cuja máxima guardei: “um tipo para ir ao médico, tem que ter uma saúde ferro”). Enquanto os etólogos estiverem na prateleira (nos call centers e nas caixas dos supermercados), a castração e os ansiolíticos continuarão a “resolver” todos os problemas comportamentais caninos.
Os cães são animais sociais e não nasceram para estar sós, vêm a este mundo na crença de que permanecer em grupo aumenta-lhes as chances de sobrevivência, já que os seus antepassados quando agiam assim tinham melhores hipóteses de se alimentarem e defenderem. Esta herança permanece ainda hoje nos cães domésticos, que entendem os seus donos como líderes de matilha e por causa disso sofrem com a sua ausência, por se sentirem mais vulneráveis, desprezados ou abandonados. Antes de encharcar o seu cão em ansiolíticos de difícil desmame e de possível acção contrária, vamos indicar-lhe algumas medidas que combatem eficazmente a “ansiedade da separação”, normalmente responsável por um sem número de problemas físicos e psicológicos como já o dissemos atrás.
Em primeiro lugar importa dizer que, sempre que possível, deverá ser o cachorro a escolher o lugar em que se encontra mais cómodo e seguro dentro da nossa habitação, escolha que obedecerá ao seu grau de desenvolvimento e perfil psicológico. Nessa impossibilidade, o melhor que há a fazer, logo após o adquirir, é colocar no sítio que mais lhe convém o bebedouro, o comedouro e outros objectos do agrado do animal, com o odor donde veio e com o seu, para que não estranhe e mais depressa aceite aquele lugar. Caso o animal tenha vindo numa caixa transportadora, também ela deverá ir para aquele local, porque à falta de melhor se abrigará e escudará dentro dela. A separação do animal deverá ser gradual e associada ao comando de “fica” (gente experimentada nestas andanças espera pelas férias para poder estar mais tempo em casa e adaptar o animal ao seu novo território sem atropelos). Antes de sair entregue ao animal um brinquedo da sua preferência ou um petisco do seu agrado, para que a sua saída se transforme numa experiência feliz e o cão a associe ao prazer ou á diversão. Quando sair, faça-o sem cerimónias, porque a demora nas despedidas tornará o animal mais ansioso e propenso ao sofrimento. Dê liberdade de circulação ao cão dentro de casa para que mais depressa a considere sua, ganhe autonomia e mais tarde venha a defendê-la (convém não esquecer que o cão é um animal excursionista e detesta o enclausuramento forçado). Escusado será dizer que deverá deixar junto dele objectos com o seu odor (geralmente aqueles que ele rouba), para garantir de alguma forma a sua ausência, minimizar a separação e transmitir-lhe a calma necessária (se usar o brinquedo, retire-o na hora de retornar a casa).
Uma vez terminado o calendário de vacinação do seu cachorro leve-o diariamente a passear num período mínimo de uma hora, o que satisfará as suas necessidades excursionistas e sociais, melhorará a sua sociabilização, robustecerá o seu carácter, ajudá-lo-á a crescer, a satisfazer as suas necessidades fisiológicas fora de casa, a familiarizar-lhe com diferentes ecossistemas e diversos fenómenos naturais, pondo-o em sintonia com o relógio biológico. Para além de tudo isto, as saídas ao exterior facilitarão o seu bem-estar em casa, uma vez que parte do conhecido para o desconhecido e ali retemperará as forças. Quando se ausentar de casa evite sujeitar o animal a sons ou roídos a que não está acostumado e que poderão constituir-se para ele em traumas pela novidade ou surpresa. Como importa aproveitar e potenciar a máquina sensorial do animal, antes de sair de casa esconda pequenos petiscos do agrado do cão, mantendo-o assim ocupado e satisfeito nesses afazeres, estratégia que o libertará da ansiedade e que o fará suportar a separação. Quando voltar para casa não vá de imediato fazer-lhe festas, trate primeiro das suas prioridades, para que ele não faça da sua saída um drama e aprenda a respeitar e a assimilar as suas rotinas. Não sobrando outra hipótese, há quem alvitre como solução a aquisição de um novo cão para o acompanhar, opção nem sempre válida quando o perfil psicológico do recém-chegado é idêntico ao do residente.

Sem comentários:

Enviar um comentário