Criei, treinei e convivi com dezenas de milhares de cães, de todas as
idades, de ambos os sexos, de todos os tamanhos e das raças mais variadas, mas
nunca conheci nenhum que cometesse suicídio e não creio que o venha a ver. Ao invés,
vi alguns a lutarem desesperadamente pela vida e em todos um forte instinto de
sobrevivência, mesmo quando doentes, lesionados, feridos, incapacitados,
convalescentes ou agastados pelos anos – os cães não desistem, morrem a lutar
pela vida! Por isso não creio que o suicídio seja uma prerrogativa canina,
apesar de ter presenciado a letargia duns poucos que os levou à morte, por se
isolarem e deixarem de comer.
Mesmo que o stress induza
à ansiedade e esta gere a depressão capaz de promover o suicídio, este será
sempre um acto reflexo e não um acto deliberado dos cães, surgindo como efeito
do stress, tanto daquele que geneticamente não suportam como doutro de que
eventualmente venham a ser alvo. Em ambos os casos deve-se ao homem este tipo
de comportamento, quer pela manipulação das raças quer pela alteração das
rotinas dos animais (mudanças de hábitos capazes de causar-lhes transtornos
traumático-sociais). A depressão canina é uma das áreas mais complexas da
medicina comportamental e abrange fenómenos relacionados com medos e fobias,
ansiedade e desordens obsessivo-compulsivas que normalmente afectam os cães.
Ainda que estes distúrbios possam estar associados entre si, diferem em termos
neuro-fisiológicos, o que não raramente dificulta o seu diagnóstico clínico. A
depressão ou estado depressivo canino poderá estar relacionada com a ansiedade
e por norma acontece quando os cães se encontram expostos a situações de
stress, quer ele seja crónico, sistemático ou traumático, levando-os à alteração
ou desuso das suas funções biológicas, assim como à apatia, inapetência,
tristeza, menor interacção, indiferença aos estímulos e isolamento social (há
cães que debaixo de stress e ansiedade comem desalmadamente).
A causa maior do suicídio induzido aos cães, a que constatámos e temos
notícia, reporta-se à morte dos seus donos, particularmente daqueles com quem
mantinham um relacionamento social quase exclusivo, deveras próximo e
extraordinariamente cúmplice, ao ponto de não superarem a sua ausência e de não
aceitarem a sua substituição, felizmente casos raríssimos e merecedores da
nossa atenção para que não se repitam, mais comuns entre os cães dos idosos
ostracizados e aqueles que vivem a totalidade dos seus dias ao lado dos seus
proprietários e treinadores, dividindo com eles todos os momentos e sendo a sua
sombra. Para que isto não suceda, torna-se imperativo que o grupo social dum
cão não se restrinja a uma só pessoa mas a várias, porque todos somos
perecíveis e não partiremos melhor se os cães forem para a cova connosco, o que
a ser verdade, seria a pior das recompensas para quem tanto nos ajudou.
Pelo que se depreende,
considerando o bem-estar canino e a relação ansiedade-depressão, há que
combater todos os tipos de ansiedade que afectam os cães. Ainda que nem todas
as depressões induzam automaticamente à sua morte, todas elas contribuem para a
sua menor qualidade de vida e para o encurtamento dos seus dias (matam aos
poucos, lentamente). A ansiedade mais visível nos cães é aquela que catalogamos
como “ansiedade da separação”, causada pela ausência dos donos e visível quando
os cães aumentam a sua actividade perante a saída dos seus proprietários,
podendo gemer, ganir, exigir atenção, pular e segui-los para onde quer que vão,
tremendo ou demonstrando alguma agressividade perante a sua partida,
manifestações intimamente ligadas aos diferentes perfis psicológicos
encontrados nos cães (se inibidos, submissos ou dominantes). Depois dos donos
virarem as costas, esta ansiedade resultante da insatisfação levará alguns cães
a arranharem as portas, a mordê-las e a esburacá-las, podendo proceder do mesmo
modo sobre utensílios domésticos e pertences dos seus donos (armários, fios
eléctricos, livros, móveis, plantas, paredes, roupas, rodapés e vassouras).
Outros, dominados pela mesma ansiedade, irão urinar e defecar em locais
inaceitáveis (atrás da porta de casa, no sofá da sala ou até mesmo na cama dos
donos), desencanto que poderá ser acompanhado e não raramente é por uivos,
latidos e/ou gemidos, vocalizações geralmente comprovadas pelas queixas dos
vizinhos. Diante deste cenário, alguns ficarão deprimidos e não comerão nem
beberão na ausência dos donos, podendo ainda evidenciar sialorreia (babar-se),
tremores, dispneia, taquicardia, diarreias, vómitos, lamber afincadamente o seu
corpo ou automutilar-se, como é o caso dos cães que mordem a cauda.
Vá-se lá saber porquê,
nesta República de coca-bichinhos, talvez por andarmos todos ao mesmo, o
diálogo entre veterinários e etólogos tem-se revelado pouco frutuoso, o que tem
sido fatal para os últimos, porque chegaram depois e, obrigados à
sobrevivência, sujeitam-se a aceitar qual tipo de trabalho, mesmo o distante
das suas competências e abaixo das habilitações, ainda que formados pelas mais
reputadas universidades estrangeiras (conhecemos um certificado por Cambridge a
aviar sacos de compras no AKI). Raros são os veterinários que fazem uma pós
graduação em Etologia e alguns etólogos obrigam-se a tirar veterinária para
poderem ser melhor aceites e continuar os seus trabalhos. Não obstante e apesar
do seu paupérrimo currículo em comportamento animal, raros são os veterinários
que não receitam ansiolíticos aos cães, como não é de estranhar diante de donos
ingénuos ou ignorantes, historicamente acostumados a desculpabilizar-se e a
atribuir aos cães a culpa dos desaires que os vitimam (certa vez tive um aluno
médico cuja máxima guardei: “um tipo para ir ao médico, tem que ter uma saúde
ferro”). Enquanto os etólogos estiverem na prateleira (nos call centers e nas
caixas dos supermercados), a castração e os ansiolíticos continuarão a
“resolver” todos os problemas comportamentais caninos.
Os cães são animais
sociais e não nasceram para estar sós, vêm a este mundo na crença de que
permanecer em grupo aumenta-lhes as chances de sobrevivência, já que os seus
antepassados quando agiam assim tinham melhores hipóteses de se alimentarem e
defenderem. Esta herança permanece ainda hoje nos cães domésticos, que entendem
os seus donos como líderes de matilha e por causa disso sofrem com a sua
ausência, por se sentirem mais vulneráveis, desprezados ou abandonados. Antes
de encharcar o seu cão em ansiolíticos de difícil desmame e de possível acção
contrária, vamos indicar-lhe algumas medidas que combatem eficazmente a
“ansiedade da separação”, normalmente responsável por um sem número de
problemas físicos e psicológicos como já o dissemos atrás.
Em primeiro lugar importa
dizer que, sempre que possível, deverá ser o cachorro a escolher o lugar em que
se encontra mais cómodo e seguro dentro da nossa habitação, escolha que
obedecerá ao seu grau de desenvolvimento e perfil psicológico. Nessa
impossibilidade, o melhor que há a fazer, logo após o adquirir, é colocar no
sítio que mais lhe convém o bebedouro, o comedouro e outros objectos do agrado
do animal, com o odor donde veio e com o seu, para que não estranhe e mais
depressa aceite aquele lugar. Caso o animal tenha vindo numa caixa
transportadora, também ela deverá ir para aquele local, porque à falta de
melhor se abrigará e escudará dentro dela. A separação do animal deverá ser
gradual e associada ao comando de “fica” (gente experimentada nestas andanças
espera pelas férias para poder estar mais tempo em casa e adaptar o animal ao
seu novo território sem atropelos). Antes de sair entregue ao animal um
brinquedo da sua preferência ou um petisco do seu agrado, para que a sua saída
se transforme numa experiência feliz e o cão a associe ao prazer ou á diversão.
Quando sair, faça-o sem cerimónias, porque a demora nas despedidas tornará o
animal mais ansioso e propenso ao sofrimento. Dê liberdade de circulação ao cão
dentro de casa para que mais depressa a considere sua, ganhe autonomia e mais
tarde venha a defendê-la (convém não esquecer que o cão é um animal
excursionista e detesta o enclausuramento forçado). Escusado será dizer que
deverá deixar junto dele objectos com o seu odor (geralmente aqueles que ele
rouba), para garantir de alguma forma a sua ausência, minimizar a separação e
transmitir-lhe a calma necessária (se usar o brinquedo, retire-o na hora de
retornar a casa).
Uma vez terminado o calendário
de vacinação do seu cachorro leve-o diariamente a passear num período mínimo de
uma hora, o que satisfará as suas necessidades excursionistas e sociais,
melhorará a sua sociabilização, robustecerá o seu carácter, ajudá-lo-á a
crescer, a satisfazer as suas necessidades fisiológicas fora de casa, a familiarizar-lhe
com diferentes ecossistemas e diversos fenómenos naturais, pondo-o em sintonia
com o relógio biológico. Para além de tudo isto, as saídas ao exterior
facilitarão o seu bem-estar em casa, uma vez que parte do conhecido para o
desconhecido e ali retemperará as forças. Quando se ausentar de casa evite
sujeitar o animal a sons ou roídos a que não está acostumado e que poderão
constituir-se para ele em traumas pela novidade ou surpresa. Como importa
aproveitar e potenciar a máquina sensorial do animal, antes de sair de casa
esconda pequenos petiscos do agrado do cão, mantendo-o assim ocupado e
satisfeito nesses afazeres, estratégia que o libertará da ansiedade e que o
fará suportar a separação. Quando voltar para casa não vá de imediato fazer-lhe
festas, trate primeiro das suas prioridades, para que ele não faça da sua saída
um drama e aprenda a respeitar e a assimilar as suas rotinas. Não sobrando
outra hipótese, há quem alvitre como solução a aquisição de um novo cão para o
acompanhar, opção nem sempre válida quando o perfil psicológico do
recém-chegado é idêntico ao do residente.
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