quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

ROTTWEILER E SERRA DA ESTRELA (AQUILO QUE OS UNE E SEPARA)

As nossas considerações baseiam-se na selecção, criação, observação e treino destas duas raças, ao longo de duas décadas e visando a rentabilidade binomial, pelo empenho dos nossos associados e esforço dos nossos alunos. O nosso empenho nas disciplinas cinotécnicas clássicas e a prática da endurance garantem a justeza das nossas opiniões, tiradas a partir da prestação de mais de 50 indivíduos de cada uma das raças no convite para o mesmo desempenho. A singeleza deste trabalho comparativo não deve constituir-se em verdade absoluta ou cânone, mas entendida como rescaldo da nossa experiência, como um subsídio mais tangível da prestação encontrada nestes indivíduos na divisão de tarefas. Nas duas raças encontrámos indivíduos excepcionais, muito embora o seu maior número habitasse entre os molossos alemães, mais homogéneos e em tudo mais idênticos. No caso específico dos Serras, trabalhámos as suas duas variedades (pêlo curto e comprido), alcançando a primeira maior notoriedade quando comparada com a segunda. Os Rottweiler’s testados foram de origem nacional e estrangeira, provenientes de diferentes linhas e pressupostos selectivos.
Comecemos pela história para entendermos o porquê de alguns fenómenos, intimamente ligados à marcha dos povos e à desigualdade do seu progresso. Já o Rottweiler tinha 27 anos de existência quanto o Serra da Estrela mereceu o seu primeiro estalão (1934). Três anos depois do seu 1º clube de raça, o Rottweiler foi reconhecido como cão policial (1910) e uma década depois assistiu-se à fusão dos seus dois clubes, a bem da raça e pelo rigor selectivo. A publicação do estalão do Serra e o seu reconhecimento pela FCI só acontece em 1966. Apesar do estalão inicial, o elaborado em 1937, reconhecer a existência de duas variedades, desaconselhava o beneficiamento entre ambas, o que levou à proliferação do Serra de pêlo comprido e quase levou à extinção o de pêlo curto, contra o atavismo da raça presente nos cães originais, pastores por excelência e típicos daquele ecossistema. Por decreto foi eliminada a cor negra no Serra e ela tornou-se predominante no Rottweiler. Os criadores alemães desprezaram no Rottweiler os originais cães de pêlo comprido e os portugueses optaram por eles no caso do Serra, sujeito a profunda endogamia e distante da eugenia realizada pelos teutónicos, caracterizada pela procura da funcionalidade para a novidade de serviço. Ambos os molossos foram alvo de eugenia, o alemão da positiva e o português da negativa, considerando a função ou o seu desprezo. Só trinta e dois anos depois do término da II Guerra Mundial (o Rottweiler já havia participado na 1ª), o Serra foi convidado para cão de guerra, mercê da aquisição de seis exemplares pela Escola de Fuzileiros, que regista o afixo Vale do Zebro no Clube Português de Canicultura em 1977, desconhecendo-se hoje a sua continuidade, grau de operacionalidade e serviço.
A apreensão cognitiva do Rottweiler é substancialmente superior à do Serra (+ 40%), o que demonstra uma maior capacidade de aprendizagem e diminui a sobrecarga dos procedimentos na instalação dos comandos. Ambos resistem naturalmente à prática desportiva, não vendo com bons olhos a transição de andamentos, evoluindo automaticamente do passo para o galope. O passo de andadura, típico dos bracóides, tende a substituir a salutar marcha (trote), obrigando os condutores ao reparo e ao avivamento. O galope dos Serras é progressivo, continuado e cobre mais terreno, enquanto o do Rottweiler tende à baixa cadência e obriga ao disparo dos seus ritmos vitais. No entanto, o arranque do cão alemão é mais pronto e decidido. O Serra suporta melhor o calor do que o Rottweiler e ambos toleram sem maior dificuldade a invernia. Apesar dos comandos de travamento serem em ambos fáceis de instalar, tanto a imobilização como a cessação das acções é mais segura entre os Rottweilers. Ambos podem transitar da fixação para o ataque, sem advertência e tirando partido da surpresa, muito embora o alemão ataque preferencial à linha da cintura e português ao pescoço. O primeiro é um cão típico de ataque frontal e o segundo ataca preferencialmente pela retaguarda, empoleirado. O ataque do Rottweiler é à bruta e opera por esmagamento, o do Serra é letal e cirúrgico. Ambos estudam a presa, um procura a sua captura e o outro o seu aniquilamento, o Rott tende a transportá-la e o Serra a deixá-la por lá inerte, o primeiro ostenta-a como troféu e o segundo despreza-a. Estas respostas foram obtidas mediante provocação e isentas de qualquer condicionamento prévio ou específico.
Tanto os Serras como os Rottweilers tendem ao selamento do dorso, apesar do Serra ter uma curva de crescimento mais longa. Um Rott com divergência de mãos vê o seu desempenho atlético e funcional comprometido, porque é essencialmente frente e o eixo traseiro trabalha entre o dianteiro, contudo a sua força motriz reside atrás. Com o Serra não se passa o mesmo, porque é mais largo de trás e o eixo traseiro abraça o dianteiro. As diferenças entre eixos dos dois não são muito significativas, muito embora estabeleçam a diferença e produzam equilíbrios locomotores antagónicos. Maus exemplares de uma ou de outra raça podem transitar de equilíbrios, adoptando os típicos da outra e quando isso acontece as suas diferenças deixam de existir. Os Rotts na meia-idade, e ela acontece ao mesmo tempo neles (6 anos), perdem fulgor e resistem ao exercício físico, denotando cansaço e desprezando novos desafios. Geralmente valem-se da manha e apelam sem escrúpulos ao sentimento dos seus condutores. Já os Serras agem de maneira diferente, adoptando uma postura assaz mórbida que passa a agressiva quando são contrariados. A coabitação de ambos não é igual com o passar dos anos, porque o Serra busca autonomia e o Rott reforça os laços de dependência. Comparativamente, mesmo entre exemplares de igual impulso, os Rottweilers são mais comilões e por isso mesmo mais fáceis de eliminar.

Para melhor compreendermos estas raças, cruzámo-las com outros molossos de pastoreio e os resultados foram antagónicos: os mestiços de Rott mostraram-se bonacheirões e com tendência para a obesidade, os de Serra evidenciaram desconfiança e não raramente apresentavam-se pernaltos. Depois disso cruzámo-los com Pastores Alemães e o resultado também foi diferente. Os descendentes de Rott pouco evidenciaram essa paternidade, tanto do ponto de vista psicológico como cognitivo, adoptando uma morfologia mais próxima do Pastor Alemão, sendo mais obedientes e menos atléticos. O produto dos Serras com os CPA’S mostrou-se uma combinação explosiva, devido à hiperactividade, ao aumento da carga instintiva e ao alto índice de insegurança, colocando a mais-valia atlética ao serviço da sua autonomia, tornando-se fugitivos e portadores de diferentes tipos de ataque. Nos cruzamentos com cães de fila, operados com os de variedade tigrada, as diferenças foram mínimas e reportaram-se quase em exclusivo à altura. A maioria dos mestiços de Rott foi adestrada para socorro de deficientes, papel que representaram de modo insofismável. Os mestiços de Serra foram, depois de aturado trabalho de travamento, entregues para a guarda de quintas e unidades fabris.

Tal qual os Serras, os actuais Rottweilers sofreram profunda alteração quando comparados com os de há duas décadas atrás, porque a consanguinidade amansou os uns e a alteração dos critérios selectivos beneficiou os outros. De qualquer modo, o estigma da fera rottweiler ficou a dever-se, na nossa opinião e de acordo com a nossa experiência, ao uso indevido ou propositado destes cães que tudo fazem para agradar aos seus donos. Ainda que os Serras estejam mais macios, falta resolver o seu desejo incontido de autonomia, quiçá advindo das variedades admitidas ou desprezadas na sua construção, causador de graves entraves à constituição binomial e que leva à menor procura destes cães. Tentámos minorar essa tendência pela vertente ambiental, mercê do acompanhamento sistemático dos seus ciclos infantis, servindo-nos de outras raças como seus líderes, sujeitámo-los à coabitação precoce, aumentámos e diversificámos o seu quadro experimental e mesmo assim nem sempre fomos bem sucedidos, porque em apenas metade deles o esforço surtiu efeito. Apesar de tudo, com um bom Rottweiler sinto-me seguro; com um bom Serra não temo nada nem ninguém! O Serra carece de ser testado e de ser seleccionado de acordo com as actuais aptidões, porque os rebanhos na Estrela tendem a acabar e os Serras há muito desceram ao povoado.

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