segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A CIDADE: A ÚLTIMA FRONTEIRA

Ainda que a cadela Laika já tenha andado pela órbita da Terra, a cidade constitui o maior desafio para os cães, porque não foi feita a pensar neles, obriga à adaptação constante, apresenta novos desafios e nela correm sério risco de vida. A cidade é para o cão um ecossistema indesejável, algo de difícil adopção sem o contributo humano, porque é barulhenta, tem poucos espaços verdes, condiciona demasiado a sua liberdade, obriga-o a um conjunto de regras antinaturais e a outras tantas sociais, distantes do seu sentimento gregário e inibidoras da sua livre escolha de território. Sem ser ouvido, tornou-se escravo das estruturas de betão, sujeitou-se a espaços exíguos, viu-se proibido de entrar em muitos recintos, ficou condicionado a diferentes meios de transporte, proibiram-lhe as expressões verbais, sujeitou-se ao controle das suas necessidades fisiológicas, viu alterada a sua vida em grupo e ainda por cima, a morte espreita-o a cada esquina. Não obstante, o cão continua entre nós, acompanhando o seu dono para onde quer que ele vá.

O exercício da obediência seria a prática mais hedionda e esclavagista se não tivesse em vista a sobrevivência canina. O condicionamento nesta área, enquanto artificial, não deixa de ser uma violência, porque é uma operação que se deseja eficaz para produzir reflexos ou estímulos que normalmente não são respostas naturais. Estamos na presença de um mal necessário, diante duma acção mediática para salvar o essencial. Disto nos deve vir a força e o alento, valendo-nos da razão para levar adiante a educação dos nossos cães. A omissão da opinião animal obriga-nos à paciência, à tolerância, ao encorajamento e à compensação, à necessidade de uma comunicação objectiva e a escolha de uma linguagem perceptível, para que aquele que não entende da necessidade do condicionamento, simplesmente para nos agradar, o aceite de forma proveitosa e alegre. Na senda do progresso dificilmente haverá retorno para a maioria das pessoas que gostam de cães, porque o verde virginal e os prados infindos serão sempre desejos e sonhos, sentimentos não contidos.

Perante a realidade que nos cerca, importa capacitar o nosso fiel amigo para viver ao nosso lado, oferecendo-lhe meios de sobrevivência e subsídios de longevidade. Só esta deverá ser a filosofia do treino. Passemos de imediato à obediência e aos seus comandos, mostrando a sua utilidade face as necessidades quotidianas iminentes.

O comando de “ alto “ deve ser usado nas imobilizações instantâneas e pouco duradouras, como o abrir e fechar de uma porta, ao entrar para o carro e em todas as situações em que a imobilização não carece de ser peremptória. O “ senta “ torna-se obrigatório junto às passadeiras para peões e o cão deve ficar condicionado a fazê-lo até desnecessitar de ordem. Sempre que entramos numa loja de um rua pouco movimentada, esta deve ser a figura de imobilização a utilizar, desde que a demora não seja por demais prolongada. Quando encontramos alguém na rua e paramos para conversar, quando vamos ao quiosque comprar o jornal e também quando aguardamos a nossa vez na sala de espera do veterinário, esta é a imobilização indicada. Quando alguém se dirige a nós e solicita qualquer informação ou somos nós a pedi-la, o “ senta “ nos basta. Sempre que necessitamos de uma imobilização mais segura, em demoras prolongadas ou quando estamos perante circunstâncias especiais, tais como: excesso de tráfego, barulho excessivo, alta proliferação de transeuntes, máquinas em manobras, junto a estações e aeroportos, crianças a brincar ou a jogar, o “ deita “ apresenta-se como o mais indicado dos subsídios de imobilização. O “ quieto “ que reforça a acção dos automatismos de imobilização, funciona como um trinco, servindo para travar agressões ou atitudes de sociabilidade exagerada. Perante a aproximação de outros animais, minorias raciais, deficientes, polícias, ébrios, idosos e vagabundos, este deve ser o comando a utilizar.

Quando se torna imperativo tirar o cão da berma de uma estrada, quando se pretende evitar o cruzamento frontal com outro cão ou com pessoa passível de suscitar os seus mecanismos de atenção e agressividade, o “ troca “ deve acontecer. Recomendamos o mesmo comando para quando está a chover e intentamos abrigar o animal, dando-lhe o lado do abrigo (toldos e varandas) para que não nos suje a casa e a deixe empestada. O “ roda “ é o automatismo direccional indicado para a inversão do sentido de marcha ou para as mudanças de direcção. Quando se torna necessário recolocar o animal no “junto “ ou travar o seu adiantamento relativo ao condutor, o “ roda ” deve ser o comando a usar. Quando pretendemos relaxar e recompensar o nosso cão, também nos percursos perigosos ou mal iluminados, nas passagens estreitas e sem risco de confrontação indesejável, nas subidas como subsídio de tracção, quando há necessidade de acelerar a marcha, no retorno a casa para decorar o trajecto, para abrir caminho ou intimidar (presença ostensiva), o “ à frente “ é a ordem indicada. Como medida de correcção e manobra de submissão, nos percursos sinuosos e de piso irregular, nas passagens estreitas e nas descidas, também para evitar confrontos com outros animais e para controlo da velocidade, o “ atrás “ é o comando que melhor serve os nossos intentos e que recomendamos.

Considerando a segurança do animal, não deve ser permitido ao cão levantar-se por sua auto-recreação, permanecendo na figura até que seja convidado a levantar-se. Essa solicitação deverá acontecer pelo automatismo “ de pé “. O “ junto “ é a pedra basilar da obediência, sem ele todas as restantes figuras se tornariam inválidas ou desregradas. Ele possibilita o controlo e viabiliza o uso do cão. Na via pública o comando torna-se o garante de uma progressão alinhada, obrigando os membros do binómio ao respeito pelas regras em uso na sociedade. Por razões legais e outras ligadas à segurança do próprio cão e daqueles que com ele se cruzam, face ao risco de acidente e porque o perigo tende a espreitar, aconselhamos a condução à trela nas áreas urbanas, quer o cão ande bem em liberdade ou não. Assim, a ordem de “ aqui “ deverá acontecer somente como comando de emergência, quando uma trela se parte, o dono cai ou acidentalmente solta o cão. Como comando emergente não deve ser usado de modo indiscriminado, para que não se torne obsoleto e ineficaz. Nas transposições verticais como: escadas, barreiras e valas, para subir encostas, para saltar para o carro e para a marquesa do veterinário, assim como para a mesa da sua higiene, deve dar-se ao cão o comando de “ up “. Perante a necessidade de ocultação nas evoluções, também para o colocar debaixo da mesa ou resguardar dentro da sua casota, servindo em simultâneo para a sua salvaguarda, a ordem a dar ao animal é “ abaixo “.

O “ não “ é uma medida extrema de recurso, tornando-se imperativo nas situações em que se exige um travamento pronto e imediato de toda e qualquer acção indesejável. Como comando inibitório que é, exercita-se no treino, para se necessário, se usar na rua. Ele é um inibidor de instintos e um controlador de impulsos. Contudo, não pode substituir invariavelmente os outros comandos, porque não os instala e carrega consigo o desencanto, levando o binómio ao vício e sujeitando o cão à desconfiança. Depois do que se disse, uma coisa ficou clara: o cão acaba por pagar também o preço da civilização, porque se o homem foi o animal que mais evolui, o cão foi quem melhor o acompanhou.

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