segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

THE ONE EYE MAN AND HIS RABBIT

O Jardim de Belém, o contíguo ao do Mosteiro dos Jerónimos (1) e frontal à fábrica dos celebérrimos pastéis com o mesmo nome, é um local de romaria aos fins-de-semana. As gentes lisboetas deslocam-se ali para passeio e lazer, na procura dos escassos raios de sol que o Inverno possibilita. As crianças desfilam e chilreiam pelos seus acessos, debaixo do reparo dos pais e montando todo o tipo de veículos. Contrariando os jovens, que se espraiam descontraídos, os anciãos tecem duras críticas à sua indumentária e não poupam a má qualidade dos pastéis, ainda que o façam debaixo de surdina e de contida exclamação. Condenam os mais novos pela falta de gosto, pelos trapos que trazem vestidos e que na sua opinião se deve à nefasta influência dos brasileiros (os das telenovelas e os do quotidiano). Não poupam críticas aos pastéis e comparam-nos a um mau pastel de nata: “coisas da CEE, agora já não são feitos com ovos frescos, mas com uma massa própria” - dizem. E como espaço é coisa que não falta e há lugar para todos, circulam por ali muitos cães domésticos, uns atrelados e outros ao “Deus dará”. A Lisboa actual não difere de outras capitais europeias como Paris ou Londres, onde a variedade de raças e etnias adorna a paisagem. Surpreendentemente, o número de crianças louras de olhos claros está a aumentar entre os portugueses continentais, talvez por causa da migração Norte-Sul, do interior para o litoral, da debandada serrana rumo às grandes cidades pelo contributo do Portugal profundo.

O jardim tem uma nova atracção: um coelho tigrado. O bicho circula atrelado e de boné posto, à distância parece um cão miniatura e mostra-se bastante integrado. O seu proprietário é um homem alto e ossudo, de mão larga e um só olho (o outro encontra-se encoberto pela pálpebra colada à cara). O seu semblante e postura não escondem um passado árduo e difícil, reforçado pela inibição e pela parcimónia verbal. E porque estamos perto das docas, atendendo à semelhança, lembra-nos de outras: as londrinas da época vitoriana. O homem parece tirado de um episódio da série televisiva “Sherlock Holmes” e o coelho da “Alice in the Wonderland”. O bizarro binómio dá nas vistas, as câmaras disparam e os turistas não lhe dão descanso: “look at that rabbit!” Depois de interpelado e a muito custo, o cunicultor faz saber que já teve 6 coelhos e que agora só possui aquele, que não é um coelho qualquer, mas sim um holandês de raça pura que se assusta com os cães que andam à solta. Com os nossos atrelados (Pastores e Boxers), prestámos-lhe guarda de honra, a uma fileira e na segunda posição de imobilização. O homem (a quem não perguntámos o nome) involuntariamente vai transformar um provérbio antigo: “ quem não tem cão, caça com coelho”.

(1)O Mosteiro ganhou esse nome por causa de D. Manuel I que ali mandou instalar os monges da Ordem de S. Jerónimo, tradutor da Bíblia e autor da Vulgata. Estes clérigos procuravam o retiro e eram normalmente intercessores do rei e dos mareantes. Em 1503, por ordem da Rainha D. Leonor, foram instalados nas Ilhas Berlengas (Berlenga Grande), saindo de lá por falta de alimentos, pelo assédio de várias doenças e por causa dos constantes assaltos de piratas e corsários (marroquinos, argelinos, franceses e ingleses) que impediam o seu refrigério. Desde 1953, exactamente no mesmo local, foi ali instalado um restaurante.

Sem comentários:

Enviar um comentário