domingo, 17 de janeiro de 2010

O CÃO DE GUARDA

São muitos os que procuram cães de guarda, apesar da maioria desnecessitar deles e pouco ou nada ter para guardar, a não ser os seus medos e o incómodo da sua própria pessoa. Pensa-se erroneamente que um cão de guarda é aquele que morde a torto e a direito, que a ataca a própria sombra e que nem as estrelas lhe escapam. Os mais sensatos não encontram razão para a morte dos seus cães e os mais imaturos, quer sejam novos ou velhos, servem-se deles para se afirmar. Os menos doutos confundem as atribuições ou especificidades dos cães de protecção civil, não sabendo diferenciar entre aquilo que é um cão de guarda, um cão de alarme (vigia) e um cão de defesa pessoal, misturando competências e confundindo tarefas ou reacções, o que leva à escolha do cão errado para a tarefa pretendida. A maioria dos cães encontra-se licenciada como cão de guarda, porque tem sido mais barato e as autoridades competentes não têm procurado a relação cão-propriedade. Neste texto deixaremos algumas dicas sobre o cão guardião, um indivíduo excepcional e por isso mesmo menos visível, que carece de forte autoridade e de treino aturado, que nasce para o ofício e que sempre necessitará de aprimoramento, considerando os diferentes locais de vigia e o particular de cada um dos seus ecossistemas.

A compra do cão deverá considerar o particular do local onde irá ser instalado, porque as adaptações sempre induzem ao menor rendimento ou ao desaproveitamento do potencial individual canino. E porque não existe nenhum cão de guarda “todo o terreno” sem o complemento humano, importa ter em conta as seguintes condições: o ecossistema da propriedade, o número de metros quadrados a guardar, o tipo de solo, os horários de vigilância e a delimitação do perímetro a guardar. É importante atentar para o ecossistema da propriedade, nomeadamente para as temperaturas mensuráveis no local e para a sua policromia, porque a média das temperaturas encontradas indicar-nos-á qual o tipo de pelagem necessário ao cão (pêlo duplo para o frio; pêlo curto para o calor). Como a policromia das cores locais deve garantir a camuflagem do animal, o cão deverá ter uma cor de acordo com ela, possibilitando a abordagem de surpresa e dificultando a sua detecção à distância. Existe uma relação entre o peso do cão e o número de metros quadrados a guardar. Nos perímetros superiores a 140 metros exige-se um cão rápido e nos iguais ou inferiores um menos veloz. Se a área for diminuta, a nossa opção deverá recair sobre um animal mais pesado e de forte presença física. Se o perímetro obrigar a um cão veloz é conveniente que este tenha uma estrutura ligeira e pés de lebre. O tipo de solo indicar-nos-á, consoante seja arenoso ou duro, solto ou macio, que tipo de pés deverá ter o cão, porque os deverá ter de acordo com o terreno que pisa. Para os pisos mais soltos aconselham-se cães com pés redondos e grandes, para os mais duros pés mais finos e ovalados. Esta adequação possibilita ainda a deslocação silenciosa. Os horários da vigilância indicar-nos-ão qual a cor exigível ao guardião e o modo de abordagem ou reconhecimento requerido (se ao ouvido ou ao olfacto). É de todo desejável que o cão execute a detecção pelo olfacto, mas que ao mesmo tempo tenha uma visão e audição superiores. Se o serviço de vigilância for exclusivamente nocturno, importa optar por um cão o mais escuro possível. As propriedades apresentam diferentes delimitações e isso deve implicar na escolha acertada do cão. Se a propriedade for rodeada por muros, convém instalar nela um cão que se desloque de cabeça levantada e que seja um “amarinhador” nato, para desencorajar de imediato qualquer tentativa de transposição, quer intruso desça ou tente escapar-se. Atenção: nenhum muro deverá ter menos de 2 metros de altura, considerando a permanência do animal e a intrusão de cães alheios. Caso a propriedade seja delimitada por cercas de rede ou arame, o cão deverá ser grande e de tonalidade escura, para que a sua súbita apresentação iniba ou invalide qualquer tentativa de transposição ou abordagem. Antes de comprar o cão há que considerar a propriedade, porque a morfologia do animal deverá harmonizar-se com ela. A isto se chama um casamento perfeito!

Na selecção, o cão de guarda deverá obedecer aos seguintes marcadores psicofisiológicos: perfil psicológico ente o muito dominante e o dominante, fortes impulsos ao poder, à luta e ao movimento, ser convexo e evidenciar bons aprumos, ter uma altura entre os 60 e os 68 cm, ter um CAP (relação da envergadura) entre 1.7 e 1.8, apresentar média angulação e um peso entre os 33.3 e os 45 kg. Dever ter uma velocidade mínima instantânea de 36 km/h e uma força mandibular acima dos 30 kg. Os seus ritmos vitais devem ser baixos e ser portador de uma excelente máquina sensorial. Excepcionalmente pode ser uma cadela. E tudo isto porquê? Porque o cão irá trabalhar isolado e entregue a si próprio, distante do seu líder e para além da acção do seu estímulo. Os cães côncavos devem ser dispensados deste serviço, quer a anomalia se reporte ao dorso, ao particular dos seus aprumos ou dedos, porque o seu tempo de reacção é impróprio, trabalham debaixo de esforço, incorrem em lesões, necessitam de mais tempo para a recuperação e com o tempo tornam-se menos activos. É evidente que há excepções, contudo a longevidade do serviço fica comprometida. O desprezo pelos cães pequenos, normalmente bem usados como animais de alarme, fica a dever-se ao desrespeito geral, porque intimidam pouco e podem ser projectados para parte incerta. À parte disto, vêem dificultada a sua acção de vigilância pela precariedade do seu tamanho. Os cães acima dos 68 cm são geralmente pernaltos e quando o não são, o peso causa-lhes graves entraves operacionais. O CAP (coeficiente altura-peso) que nos é dado pelo estalão de cada raça (existem alguns incompletos ou inconclusivos) encontra-se pela divisão da altura média pelo peso médio, adiantando a relação saudável ou natural da envergadura. Os cães mais leves são de mais fáceis de eliminar e suportam com dificuldade o contra-ataque. Mesmo que sejam uns autênticos “pega-pega” e por demais activos. É importante relembrar que não estamos a falar de guarda desportiva, aqui o espectáculo é outro, porque o intruso encurralado tudo fará para eliminar o cão, na perspectiva emergente do “entre a espada e a parede”. Importa não esquecer que o cão de patrulha, porque parte acompanhado ou vai uns metros adiante do seu condutor, é um rondante e o cão de guarda é um sentinela. Fictício por fictício: o wrestling é melhor e raramente causa vítimas! Os cães muito angulados e os de recta angulação são indesejáveis para o ofício guardião, porque os primeiros demoram na transição da marcha para o galope e os segundos estoiram-se mais depressa, havendo alguns de baixa cadência nesse andamento. Necessita-se um arranque pronto e imediato. A procura da velocidade instantânea canina igual ou superior aos 36/km/h prende-se com a perseguição e captura dos intrusos, que geralmente partem adiantados e ganham asas, transcendendo-se por força das circunstâncias, independentemente de se apresentarem drogados ou não. Os assaltantes isolados de residências são geralmente gente jovem que confia na agilidade e celeridade dos seus movimentos. Os ritmos cardíaco e respiratório do cão de guarda devem ser de baixa frequência, para lhe possibilitar o maior número de acções durante o alongado período de vigilância e não denunciarem a sua presença, porque à noite tudo é mais audível. É imprescindível para o cão de guarda uma excelente máquina sensorial, porque sem esse apetrecho é surpreendido, vira um saco de pancada ou ignora tudo à sua volta. No nosso entender o cão guardião não deve ladrar em demasia, porque se torna vulnerável ao denunciar a sua presença. Os cães de caça devem ser dispensados deste serviço, porque o instinto de caçar pode contribuir para a sua distracção e posterior captura. Algumas cadelas podem constituir-se em cães de guarda, quando a trabalhar isoladas e libertas do cio. A junção de cão e cadela no mesmo trabalho poderá ou não colocar em fuga uma cadela intrusa, das comummente usadas para a distracção dos guardiães. Mesmo assim, convém minimizar os efeitos da matilha, mais apostados na hierarquia e menos indutores ao serviço. Pelo que nos foi dado a observar, a hierarquia canina e lupina é patriarcal, somente o lobo da Etiópia assenta sobre uma estrutura matriarcal, constituindo por isso uma excepção. Gente conceituada no mundo da cinotecnia defende a castração dos cães para guarda, tal parecer não é o nosso, porque a perca duma função leva ao envelhecimento precoce de outras. Quando se compra um cachorro para guarda há que considerar os seus progenitores e demais ascendentes, atentar para as tabelas de crescimento da raça e proceder à instalação doméstica exigível. Propositadamente, atendendo à delicadeza do assunto e aos destinatários deste Blog, omitimos outras considerações.

Se considerarmos a experiência de vida como treino propriamente dito, reconhecendo em simultâneo a importância ambiental no adestramento, então a correcta instalação doméstica reveste-se de particular importância, porque aproveita, desenvolve e capacita o património genético do cachorro, constituindo-se em experiência directa e meta indutora ao futuro objectivo. Ainda que muita gente se esqueça disso e persista no erro, o cão é uma opção familiar, mais um membro do seu agregado e que obriga ao empenho colectivo mercê da novidade. A instalação doméstica engloba tarefas sociais e pedagógicas que não podem ser ignoradas, tais como: o estabelecimento de vínculos afectivos, o concurso à recompensa, o desenvolvimento do impulso ao conhecimento canino, a sociabilização e as regras de convivência com as pessoas, a relação tratamento-treino, a constituição de elementos neutros, o uso de brincadeiras e brinquedos pedagógicos, a atribuição do espólio, o reforço da liderança, o cuidado no contacto com os outros cães e as medidas preventivas contra o suborno e o envenenamento, e a lista não se esgota aqui. Como ser social que é, o cão funciona a exemplo e sempre dependerá da qualidade dos seus mestres, da sua atenção e reparo. Entendemos nós e nisto temos sido aprovados, que a instalação doméstica deve acontecer de dentro para fora, da habitação para o jardim e dele para a restante propriedade, de acordo com o desejo do cachorro e segundo o seu crescimento, no período decorrente entre os 2 e 4 meses de idade. Com isto estabelecem-se os necessários vínculos afectivos, adquire-se um conhecimento mais tangível do cachorro, opera-se o reforço da liderança e estabelece-se a necessária relação entre o tratamento e o treino, para além de se diminuir a resistência causada pela adaptação que tende à constituição de carências, traumas, vícios ou menos valias. Contrariamente ao que muitos proclamam e fazem, nós defendemos o desenvolvimento do impulso ao conhecimento canino para além dos subsídios comummente usados (tenacidade no morder) e fazemo-lo pela experiência variada e rica, como medida acessória ao rendimento procurado, diminuindo assim a incidência de acidentes e disparates, porque uma capacidade leva a outra e isso só possível pelo aumento da experiência, que aposta na versatilidade do cão, prepara-o para a novidade das situações e torna-o particularmente observador. É aqui que entra o nosso Quadro de Crescimento Funcional, um conjunto de metas a atingir de acordo com a idade do cachorro, que para além da submissão às disciplinas clássicas cinotécnicas procura outras aptidões desprezadas ou omitidas no treino do cão de guarda. E nisto a recompensa tem um importante papel a desempenhar, porque o bicho visa a aprovação e tudo faz para nos agradar.

Podemos juntar a sociabilização e as regras de convivência com as pessoas à constituição de elementos neutros, porque são metas que apontam para o mesmo objectivo: a formação do guarda. Esta formação tem regras elementares que contribuem para a elevação do estatuto do cão e definirão o seu viver social. A primeira coisa a alcançar é a tríplice sociabilização (com as pessoas, entre iguais e com os restantes animais). Como a familiarização antecede a sociabilização propriamente dita, importa que o cachorro circule indiferente no meio das pessoas, ignore os outros cães e despreze os animais domésticos e silvestres, evoluindo fixado no dono e estritamente sujeito à sua liderança. A sociabilização com as pessoas só deve acontecer dos portões para fora, nos passeios diários, evitando-se os atropelos e exageros dos bajuladores, nunca no futuro perímetro a guardar, para que não se transforme num lugar social e de amena cavaqueira, num local onde o cão recebe as visitas e espera ser apaparicado. Como o território pertence apenas à família adoptiva e ao bicho, sempre que houver visitas ocasionais, o animal deve ser fechado no canil para que não se acostume a dividir o território e venha a desprezar o seu policiamento. Esta regra tem um duplo objectivo: a salvaguarda das pessoas e a eliminação de futuros entraves operacionais. Ainda que não seja o dono a confeccionar o penso do cão, só a ele cabe a sua distribuição e a mais ninguém, mais vale comprar um doseador de ração do que operar a submissão do cão, porque o dono da comida é o seu patrão. A exclusividade desta relação de dependência propicia a atempada constituição binomial, que deve acontecer antes da inscrição escolar. À excepção do dono, ninguém deve dar guloseimas ao animal, nem mesmo água, porque o desejamos impoluto e incorruptível, liberto de armadilhas e sempre atento. A constituição de elementos neutros tenta reproduzir os benefícios oferecidos pela matilha, colocando o cão no seu topo e fortalecendo o seu apego ao poder. Como dissemos atrás, a opção pelo cão guardião é familiar e cabe aos seus membros um papel importantíssimo: o de serem elementos neutros, membros da matinha de substituição, gente que se coloca em pé de igualdade com o animal, que o ajuda a crescer, brinca com ele e que não lhe dá ordens. Caso contrário, se todos mandarem no cão, duas coisas podem acontecer: ou o bicho desprezará toda e qualquer autoridade ou ver-se-á relegado para um lugar social impróprio para as suas funções. Cabe aos elementos neutros fundamentar e fomentar a dominância do animal, dando-lhe sempre a vitória nos jogos e brincadeiras, porque não se pretende atrapalhar o potencial genético, mas sim aproveitá-lo e desenvolvê-lo. Mais tarde, assim tem sido a nossa experiência, porque os considera membros do seu bando, não hesitará em defendê-los, tomando muitas vezes o seu partido. Retomando a temática da sociabilização com os outros animais, temos aconselhado a aquisição em simultâneo do cachorro guardião e dum gatinho. A estratégia tem-se revelado válida e a prestação canina mais eficaz. Atendendo à extensão do tema e do parágrafo, evitámos maiores detalhes e outras considerações.

Espólio, brincadeiras e brinquedos pedagógicos. Todos os cachorros fazem o seu espólio e não raramente são entendidos como delinquentes ou marginais. Eles roubam e transportam meias, chinelos, ferramentas e outros acessórios ou pertences dos seus donos, mormente aqueles que têm em maior estima. Geralmente transportam a essa carga para o seu local de descanso ou pernoita e dormem com ela a seu lado, desprezando muitas vezes os brinquedos comprados para esse fim. Essas cangalhadas são troféus para o cachorro e ele não hesitará em ostentá-las nas suas incursões como prémio do seu labor. Uma coisa é certa: quanto maior for o espólio, melhor será o guardião. O fenómeno tem breve duração e deverá ser aceite, porque espelha o esforço de integração do animal, a sua aceitação do lar adoptivo e o desejo de ter o dono por perto, já que furta tudo aquilo que tem o seu cheiro. À parte disto, o cachorro revela o seu instinto de caça e presa, evidencia o seu impulso ao poder e desnuda o seu quadro de aptidões. Ele precisa do espólio para se sentir bem. Mais tarde, quando chegar a hora da excursão, procurará outros troféus, tal qual rei a exibir as suas conquistas. Estranhamente, temos visto por aí boa gente, a receitar umas valentes cacetadas com um jornal para a irradiação do fenómeno. O cachorro deve ser ensinado a partir do seu espólio e os brinquedos destinados aos cães são versões optimizadas (industriais) tiradas a partir dele. A meia que o cachorro puxa não terá o mesmo propósito do nó de corda? Ainda que a maioria dos retalhistas desconheça qual o uso a dar-lhes e os tenha porque se vendem, todos os brinquedos destinados aos cães têm um propósito pedagógico específico, não raramente para além do uso que justifica a procura. Reconhecendo a importância do espólio e a sua transferência para os brinquedos, o número destes carece de ser aumentado e actualizado, porque a sua novidade aponta para a melhor solução canina. E neste sentido, não podemos cingir-nos ao simples nó de corda, ao usual churro ou ao corriqueiro haltere, desprezando outros que contribuem para a eficácia das acções policiais. Como nas lojas da especialidade os brinquedos sucedâneos raramente existem, face à sua necessidade, ao desenvolvimento laboral e à sua especificidade, não nos sobra outro remédio senão fabricá-los. Aconselham-se todos os brinquedos que possibilitem diversos modos de transporte e convidem a diferentes equilíbrios, dando-se preferência aos interactivos porque todos oferecem a sua procura, captura e transporte. Tanto a procura do dono como a do brinquedo devem ser incentivadas e instaladas, porque antevêem a detecção e possibilitam o modo de abordagem correcto. Como o assunto é vasto, não tratámos aqui um sem número de pormenores, remetendo-nos apenas à transmissão do essencial segundo o nosso parecer.

As medidas contra o suborno e o envenenamento. Para além da proibição aos estranhos e aos elementos neutros de alimentar e refrescar o cão, outras medidas preventivas devem ser aplicadas para se evitar a sua eliminação, porque “pela boca morre peixe” e não queremos que isso suceda. A primeira coisa a fazer é comprar um comedouro e bebedouro regulável. O bordo superior de ambos deve encontrar-se a 5 cm abaixo da altura do animal, para que se desacostume a comer do chão, não venha a selar-se, não prejudique os seus metacarpos e mantenha os necessários índices de alerta e prontidão. A maioria destes acessórios à venda no mercado é própria para cães de apenas 55 cm de altura. Não havendo outros, há que aumentar a sua haste central por substituição ou complemento. Esta medida preventiva visa minorar os riscos de envenenamento e o cachorro deve comer sempre no mesmo lugar. Até a distribuição de guloseimas no lar deve obedecer a este princípio e acontecer no mesmo sítio. Quando a churrasqueira doméstica estivar em funcionamento, o cachorro deverá ser afastado dele ou encerrado no canil, sendo solto após a limpeza geral e depois de minuciosa revista, quando nada restar do petisco havido. Cuidado com os vizinhos e com as visitas de casa, em especial os idosos e as crianças, porque os primeiros adoram dar de comer aos cães e os segundos deixam as suas guloseimas por toda a parte. Solicita-se o mesmo cuidado com os empregados domésticos (eventuais ou permanentes). Mesmo no agregado familiar, apesar dos sérios avisos, os mais irreverentes e sensíveis tendem a dar comida à socapa, a coberto da toalha e por debaixo da mesa. Quando isso suceder, devem ser confrontados com o risco da sua leviandade, sendo-lhes relembrado que a morte do animal espreita. O procedimento fará com que o cão aguarde pela comida no local certo, deixe de ser pedinchão, se dedique somente à vigilância e afaste os intrusos da área do seu repasto. Nos passeios diários e na evasão, os caixotes do lixo devem ser evitados e o giro deve afastar-se de talhos e restaurantes. O caixote do lixo doméstico deve encontrar-se sempre fechado e fora do alcance do animal, ninguém deve deixar comida sobre a mesa, o frigorífico aberto e o lanche sobre as cadeiras. Relembramos: o cão é uma opção familiar e uma responsabilidade de todos.

A coabitação com outros cães e a rendição do cão de guarda. Há que estabelecer uma clara distinção entre matilha animal e matilha funcional, porque são coisas distintas e não concorrem para o mesmo fim, podendo obstar uma à outra e comprometer o policiamento desejável. O escalonamento social canino encontra-se ligado a vários factores: ao sexo, à idade e à robustez física pelo contributo dos impulsos inatos que os sustentam. Havendo já um cão residente, cujo demérito é por demais evidente, não convém juntar-lhe o cachorro recém-chegado, porque o mais novo submeter-se-á e copiará em tudo o seu mestre e líder, evidenciando os mesmos deméritos ou temores, impropriedades ou incapacidades, porque o melhor exemplo para um cão é outro cão e neste caso tal é indesejável por ser impróprio (matilha animal). Perante esta situação e antes que se percam os dois, importa separar o cachorro do outro, atribuir-lhe um novo canil e um espaço próprio. Eles podem e devem conviver um com outro mas sempre debaixo da fiscalização do líder, que impedirá a supremacia do cão mais velho. A instrução em separado, uma vez operada a capacitação do mais novo e isto acontece tantas vezes, possibilitará a recuperação do mais velho pela inversão do exemplo, tornando-o mais apto e pronto para o trabalho de equipa (matilha funcional). Se porventura se verificar o contrário, ser o cão mais velho habilitado para o serviço, há que considerar o seu ciúme e evitar as escaramuças possíveis entre eles, particularmente depois dos 10 meses do cão mais novo, altura em que o adulto já o considera um mancebo concorrente e um jovem a meter na ordem. Mais vale escalar o serviço (atribuir horários de policiamento distintos) do que desancar o cão mais velho e desautorizá-lo, porque essa despromoção social poderá implicar na utilidade do seu serviço. O treino conjunto contra cobaia tende a resolver o problema e assiste-se ao reforço das acções individuais; a sua ausência provoca a luta pela atenção do dono, porque todo o cão de guarda que se preza é territorial por excelência. Um pouco antes dos 6 anos de idade do guardião deve pensar-se na sua rendição, na aquisição de um novo cachorro para garantir a continuidade do serviço, porque a partir dos 8 anos, mesmo que o cão não dê mostras disso, a guarda passa a ser-lhe penosa e mais difícil de abraçar. O cão na meia-idade torna-se mais tolerante e isso é uma mais-valia para o cachorro a instruir. A coabitação operacional de vários cães de guarda é trabalho para especialistas e ultrapassa o objectivo central deste artigo.

Um cão de guarda médio apresenta os seguintes índices atlético-operacionais (entre outros): apneia 6 segundos, aptidão de trabalho entre os - 4 e os 28 graus centígrados, com percentual mínimo de humidade de 15% e até 800 metros de altitude, autonomia (privação de alimento) 72 horas, cadência de marcha 7.8 km/h, capacidade eficaz de trabalho 4 horas, capacidade de trabalho possível 8 horas, força de impacto 130 kg, força de mordedura 90 kg/cm3, força de tracção 40 kg, força de transporte 4 kg, salto de paliçada 1.8 m, salto de vala 2.2 m, salto em extensão 3.25 m, salto vertical 1.2 m, ritmo cardíaco entre as 60 e as 85 pulsações por minuto (em descanso), tempo de recuperação 5 minutos, velocidade instantânea 36/km/h e velocidade natatória 2 m/s. Estes indíces atléticos são comummente desprezados no treino do cão de guarda, o que limita a sua acção, autonomia, resistência e qualidade de serviço. Alguns deles fazem-se presentes nalguns métodos de ensino e outros, injustificadamente, só serão alcançados e mensuráveis noutras disciplinas cinotécnicas. Pegou a ideia do treino elementar do cão guarda, vocacionado para a brevidade, condenado à ficção e entregue à fortuna. Não é de estranhar que muitos cães sejam eliminados, alguns mesmo antes de entrarem em acção. Os criminosos de Leste que aqui chegaram encapotados de emigrantes, alguns ex-membros de tropas de elite nos seus países, são especialistas em eliminar cães e a alguns “chamam-lhes um figo”. Cada um destes índices possibilita o aparecimento ou o desenvolvimento de outro, contribuindo todos para um melhor desempenho e para a longevidade do ofício. Arredar o cão de guarda da ginástica é o maior dos disparates, porque os dentes não trabalham sozinhos e não vão adiante sem o contributo dos pés, o corpo só suporta aquilo que o coração aguenta e o ânimo só se mantém pelas vitórias alcançadas. Infelizmente os cães não têm perspectiva de futuro. A falta de disponibilidade dos donos quando somada à arte de amestrar cães pariu e pare o fenómeno. A maioria dos cães que nos caiu em mãos ultrapassou em muito esses valores, justificando o nosso trabalho e sustentando o nosso bom-nome. Poucos deles poderão ser alcançados sem qualquer tipo de treino, muito embora a propensão natural de alguns possa surpreender muitos. O alcance destes valores reporta-se a um tempo mínimo de treino de 14 meses, sendo iniciado entre os cachorros com 4 meses de idade, com uma frequência de 4 sessões de treino semanais pelo contributo dos diferentes ecossistemas e pelo concurso de diversos agentes de ensino. Reafirmamos a ideia: a maioria das pessoas não necessita de cães de guarda!

Treino específico, recapitulação, instalação e actualização. Os indíces indicados no parágrafo anterior são acessórios, parte antecedente e estímulo para o trabalho específico, funcionando como sustentáculo das tarefas a levar a cabo. Devido à extensão dos requisitos do treino específico não os analisaremos caso a caso, somente os essenciais e aqueles menos perceptíveis para os leitores no geral. Com isto evitamos também a maçada que os levaria ao cansaço. São objecto do treino específico os seguintes conteúdos de ensino decorrentes da observação do Quadro de Crescimento Funcional: recuperação e desenvolvimento do sentimento territorial; fixação exclusiva na pessoa do dono; uso, transporte, captura e entrega do churro; potenciação da mordedura; transporte e tracção; induções defensiva e ofensiva; acções nocturnas e diurnas; guarda do automóvel, outros bens ou pertences; habituação aos disparos, ataque lançado à manga e ao fato com arma branca ou arma de fogo; acompanhamento e perseguição; operação dos diversos tipos de abordagem; uso de diferentes linguagens; contra-ordem; ensino das diferentes imobilizações; manobras de distracção; contra-ataque armado; cessação automática das acções ofensivas; ronda e marcação do percurso; progressão desenfiada; manobras de evasão; defesa contra sprays e recusa de engodos. Desde 2004 que este currículo entrou em desuso entre nós, por nos dedicarmos em exclusivo à reeducação, à obediência, à endurance e à ginástica correctora. A cessação automática das acções ofensivas obriga ao travamento automático dos ataques caninos. O contra-ataque armado é uma manobra de capacitação que consiste no arranque em simultâneo do cão e do figurante, sofrendo o cão igual impacto àquele que provoca. O ataque com arma branca ou com arma de fogo serve para ensinar ao cão o desarme do agressor. A progressão desenfiada (que é um trabalho aturado) tem como objectivo ensinar uma progressão que dificulte a pontaria dum agressor armado e a consequente eliminação do cão. As manobras de evasão são um conjunto de exercícios que procuram a libertação do cão quando capturado. Delas faz parte o corte de corda e a libertação do dono amarrado. A recusa de engodos segue os procedimentos já instalados no lar de adopção e anteriormente explicados. O uso de diferentes linguagens possibilita a abordagem segura do cão e a salvaguarda do seu dono. A contra-ordem é uma decorrência exclusiva da fixação na pessoa do dono, o cão ensurdece-se para as ordens de outros, mesmo daqueles que conhecem os automatismos, dominam os códigos e usam dos mesmos procedimentos. Procura-se com isso o uso exclusivo do cão. As manobras de distracção reproduzem no treino as armadilhas mais conhecidas a que os cães de guarda estão sujeitos, procura-se a supressão do logro e um modo de identificação e abordagem mais seguros. O ensino das diferentes imobilizações tem dois propósitos: a esquiva do cão e a defesa do dono. A defesa contra sprays visa o afastamento do animal desses utensílios, ensinando-o a avisar numa distância média de 5 metros dos portões ou a afastar-se deles imediatamente após a sua apresentação, não abandonando contudo as acções policiais e esperando a altura certa para contra-atacar. O treino do transporte e da tracção são acções típicas de resgate e socorro. A operação dos diversos tipos de abordagem pressupõe estratégias de ocultação e surpresa, tiradas a partir de figuras excepcionais como o “rastejar e o “escavar”. Ao treino específico segue-se a recapitulação e só depois se procederá à instalação do cão de guarda. De qualquer modo, todos os conteúdos de ensino carecem de actualização, porque o engenho humano não para de os surpreender. Considerando o aumento da delinquência, o livre acesso a este Blog e a salvaguarda dos cães anteriormente instalados, omitimos conteúdos e escusámo-nos a maiores explicações. Não obstante, o treino específico deve considerar a realidade, porque os ladrões não andam fardados de “Zé Pereiras”, não trazem um chouriço à bandoleira, têm duas mãos e não carregam nenhuma manga debaixo do braço.

Dispensando a enumeração dos exercícios, aparelhos e obstáculos de ginástica, cujos resultados publicitámos dois parágrafos atrás, porque são trabalho de laboratório, passamos de imediato à obediência que suporta a actividade policial canina, enquanto seu esqueleto e meio de apropriação, porque a guarda sem obediência é um tiro no escuro, uma aberração fratricida e um pau de dois bicos, um ofício sem préstimo e a mais insana das loucuras. Jamais um cão pouco obediente poderá ser um bom cão de guarda e só a excelência do condicionamento conseguirá capacitá-lo de modo seguro e eficaz. E quando a obediência é curta agiganta-se a porrada e não andamos por cá a jogar ao pau com os ursos ou na cantilena do “toma lá, dá cá”. E dizemos isto porque há quem pense que a obediência seja nociva pró cão de guarda, um factor inibitório à sua boa prestação. Esta falsa premissa tende a reduzir a obediência ao elementar e a potenciar isoladamente a tenacidade da mordida, porque é mais fácil instigar do que construir, desenfrear instintos do que controlá-los. A capacitação do cão de guarda obriga à transformação dos comandos em automatismos, quer eles sejam de imobilização, direccionais ou específicos. Entre uns e outros instalamos 32 comandos na totalidade, independentemente da raça de cada cão, mercê do acompanhamento precoce e do desenvolvimento do impulso ao conhecimento canino (método da precocidade). Mais importante do que falar dessas figuras, visíveis no nosso treino do dia-a-dia, é manifestar os subsídios ou estratégias que viabilizaram e viabilizam o nosso sucesso, intimamente ligado à sua filosofia, pedagogia e prática. Na capacitação do cão de guarda abraçámos a política de integração das classes, instruindo em simultâneo todos os cães no momento do trabalho geral de cada aula, funcionando os cães adultos como agentes de ensino dos mais novos, o que facilita a sociabilização inter pares e induz às manobras de sociabilização que preconizamos, pelo benefício da instrução circular (círculo de 36 m) e pela contribuição do escalonamento escolar. Estas estratégias e manobras são indispensáveis à formação da matilha heterogénea escolar e têm um duplo objectivo: o alcance da sociabilização que possibilita a troca de alvos e o reforço da acções policiais pela prestação colectiva. O cão de guarda jamais será um cão de arena e nada tem a aprender com ele, porque se destina ao confronto interespécies e rejeita o combate entre iguais. Nisto reside a nobreza do cão guardião! Todo aquele que corre atrás de cães, gatos ou coelhos não é um verdadeiro guarda, apenas um mau empregado que teimosamente se escapa ao serviço, um individuo arredado do condicionamento e entregue aos seus instintos cuja vulnerabilidade gera insegurança e não dispensa maiores cautelas. Falar de obediência é falar de condução, porque o ensino dos cães é dinâmico e aprendem pela excursão. No nosso conceito, entendemos que a condução a instalar num guardião deve abranger 3 linguagens (verbal, gestual e corporal), 2 modos (à trela e em liberdade) e 3 tipos (linear, dinâmica e nuclear), sendo a passagem entre eles progressiva e alcançada por aprovação. A soberania das ordens deve evoluir da presença do dono para a sua ausência, do condicionamento à trela para a execução em liberdade e da parceria para a autonomia. Na transmissão da mensagem preterimos o clicker e abraçámos a linguagem gestual, porque importa salvaguardar o emitente, os pica-paus escasseiam nas cidades e raramente trabalham à noite. Eis em síntese o que é e como se constrói um cão de guarda, apto para o serviço e pronto para sobreviver.

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