quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

MORTE POR ENVENENAMENTO: PROCEDIMENTOS PREVENTIVOS

Diariamente, ano após ano, alguns cães são envenenados e poucos sobrevivem a esse flagelo. Por todos os Concelhos, nuns mais do que noutros, há notícia de cães envenenados e raramente os criminosos são identificados e condenados pela prática desse hediondo crime. A ingenuidade, a ignorância e o despreparo dos proprietários caninos trabalha em seu auxílio, facilitando-lhes o êxito das suas acções e o contribuindo para a morte dos seus companheiros, ainda que involuntariamente e para seu grande pesar. Considerando o risco de envenenamento e as suas consequências, para além do que já foi dito no texto “O Cão de Guarda”, no seu 7º parágrafo: “As medidas contra o suborno e o envenenamento”, importa adiantar outros subsídios para melhor salvaguardar os nossos cães. Escrever sobre este assunto é sempre um risco, porque conhecendo-se a defesa melhor se prepara o ataque, porque a vantagem de uma arma cessa quando surge a sua contra-arma. De qualquer modo, importa dificultar ao máximo as acções dos envenenadores, fazer lograr os seus intentos e operar a defesa segura dos nossos cães, que tanto podem ser vítimas em casa como na rua.

O particular do canil: Muitos cães são envenenados dentro do seu canil, porque ele se encontra mal colocado, distante ou mal apetrechado. Um canil nunca deve ser instalado junto aos muros que delimitam a propriedade da rua, próximo de serventias e descampados ou sujeito à observação externa, que é o que normalmente acontece, face aos pruridos de um ou mais membros do agregado familiar, alvitrando-se vãs razões estéticas e higiénicas, como se o canil fosse uma barraca e os cães tratassem da sua própria higiene. Canis assim localizados, porque basta jogar comida lá para dentro, possibilitam o ataque externo e os criminosos tiram vantagem da topografia do terreno, trabalhando encobertos e de surpresa, a qualquer hora do dia e quando lhes aprouver, podendo repetir e melhorar as acções perante o fracasso das tentativas anteriores. Considerando a segurança dos cães confinados, entendemos que os canis devem ser acoplados às habitações e nos alçados que lhe garantam melhor protecção. Nenhum canil deve distar da habitação mais de 20 metros, porque naturalmente acabará desprezado e menos inspeccionado, sujeito apenas às rotinas dos pensos e das limpezas. A prestação de socorro diminui à medida que a distância do canil aumenta (muitos cães só são encontrados mortos algumas horas depois do seu falecimento, o socorro atempado poderia evitar a sua morte). Deixar os canis destapados é o pior dos disparates, porque se constituem em pista de aterragem para engodos de toda a espécie. As áreas descobertas dos canis devem ser cobertas por uma tela de rede fina que impossibilite a entrada de qualquer manjar envenenado, mantendo em simultâneo a entrada da luz solar. A inexistência desta condição indicia um canil mal apetrechado e um dono lírico ou descuidado.

Os passeios: Envenenar gatos é tarefa fácil, basta descobrir o seu local social; envenenar cães não é difícil, basta conhecer as suas rotinas. Binómio que sai às mesmas horas, conserva o mesmo percurso, tem local certo para a evasão e mantém os mesmos procedimentos, coloca a sua integridade em risco e pode contribuir para a eliminação do cão, porque o conhecimento dos seus passos antevê o estudo para a melhor ocasião (local e momento certos para a colocação do “farnel”). A variação dos percursos dificulta a acção dos envenenadores, obrigando-os a maior cuidado e dispêndio, porque podem ser surpreendidos, vêem-se obrigados a montar mais armadilhas e podem ver logrados os seus intentos (a incerteza do sucesso leva ao abandono das suas acções). O modo da condução é um factor que não pode ser ignorado quando se sai com o cão à rua, já que ele facilitará ou dificultará a ingestão de algo nocivo pelo animal, porque existem venenos que depois de engolidos são fatais. Para que isso não aconteça, recomendamos a condução à trela, no “junto” ordinário e debaixo da cadência de marcha, porque se cão evoluir em liberdade ou sujeito a outro automatismo direccional (“à frente” ou “atrás”) pode engolir algo e isso ser-lhe fatal. O sentido e a direcção do trajecto devem ser estipulados pelo dono e não segundo o parecer do cão, porque muitos já morreram acidentalmente, por seguirem as pisadas de outros e terem ingerido o veneno que não lhes era destinado. Evite transitar com o seu cão nos trajectos de outros cães, isso pode salvar-lhe a vida. Despreze os percursos comuns e opte por novos, distantes da marcação de território, arredados das habitações, isentos de convívio e livres de conflitos, porque o envenenamento pode provir da vingança (proprietários de cães envenenam os alheios). O cão deve sair debaixo dos comandos de “atenção” e “alerta”, nunca a farejar ou entregue aos seus instintos. O local de evasão, aquele onde soltamos o animal, deve previamente ser batido à minúcia (certificação da inexistência de engodos), estudados os seus riscos e conhecidos os seus limites. Enquanto isto, o cão deve permanecer imobilizado num local que não comporte qualquer risco. Alvitrando-se a hipótese do animal não responder prontamente aos automatismos de imobilização, a opção razoável é prendê-lo. Nenhum cão deverá ser solto sem a certeza do comando de “aqui”. Facilmente se compreende porquê.

Terrenos a evitar: Os terrenos de densa vegetação devem ser evitados porque dificultam a detecção, os pedregosos porque facilitam a ocultação e os acidentados porque retardam a acção da inibição. Os locais destinados à reserva de caça (caça associativa) são lugares a evitar, normalmente encontram-se plenos de armadilhas e os engodos não são excepção, porque a caça não é carnívora e pretendem preservá-la. Muitas vezes as armadilhas não se destinam aos cães, mas aos predadores naturais das espécies a caçar. Alguns caçadores são envenenadores natos e chegam a eliminar os cães domésticos mais próximos dos terrenos destinados à actividade cinegética. As áreas residenciais isoladas, com ou sem cães, devem também ser evitadas, porque os seus moradores preservam o sossego e tudo farão para o manter, não vendo com bom olhos a intrusão. Os parques e jardins públicos não devem ser usados sistematicamente, em particular os disputados por crianças e idosos. É um erro usá-los nas suas partes mais recônditas ou isoladas, porque é exactamente aí que os iscos irão ser colocados, longe dos demais e à espera dos cães. O cão sempre estará mais seguro no meio da multidão, usufruindo da sua protecção e alcançando ali um lugar próprio (integração). Os terrenos lavrados e as vinhas tratadas são presentes envenenados, tanto por pesticidas como por engodos. Estabelecimentos como matadouros, talhos, restaurantes e cafés são locais muito perigosos e sobejamente procurados por cães vadios. Alguns dos seus proprietários não se agradam das visitas e cedo apostam no seu sumiço. Se tiver que se deslocar com o seu cão a um destes estabelecimentos, deixe-o imobilizado à porta (sentado) e debaixo de olho. Evite nos trajectos os caixotes do lixo, os locais de pernoita dos cães vadios e as lixeiras porque induzem e estimulam o seu cão ao “petisco”. Todos os locais proibidos e perigosos são em simultâneo lugares de treino, porque o cão tem de aprender a lutar pela sua sobrevivência e estar avisado acerca dos perigos que o cercam. Este trabalho dá pouco nas vistas, mas é essencial para o animal.

As garrafas de água e os brinquedos biológicos: Apesar de irreflectida, não deixa de ser uma prática bastante comum: entregar ao cão uma garrafa de água vazia para brincar. Esta inocente brincadeira pode revelar-se fatal para o bicho, porque a avidez por garrafas pode levá-lo ao transporte doutras mais nocivas e fatais, as que servem de recipiente para os mais variados produtos químicos. Consentir ou persistir nisto é dar azo ao disparate, relegar para a fortuna aquilo que desprezámos e subsidiar a morte do nosso cão. Existem brinquedos pedagógicos para cães quase ao preço das garrafas, não induzem à fatalidade e são próprios para a divisão de tarefas. A inocência dos cães obriga-nos ao cuidado e ao fornecimento de brinquedos recomendáveis, específicos para eles e pouco ou nada lesivos. Sempre que possível substitua os artefactos do dia-a-dia por brinquedos análogos, porque mais vale ir à loja de animais do que se despedir precocemente do seu. Ossos frescos, desidratados, de couro ou de búfalo devem ser evitados, assim como outros que possibilitem a sua ingestão, porque aguçam o apetite dos cães e propiciam a procura dos engodos. Pergunta-se: de que vale pôr o cão a comer num comedouro regulável, se a seguir lhe jogamos ossos no chão?

Desencorajar os criminosos: Todo o envenenador observa e procura não ser observado, olha de relance e afasta o olhar quando se fixam nele, não quer ser reconhecido e tudo fará para que não lhe adivinhem as intenções. O ocasional é mais tímido e arredio, o sistemático chega a fazer-se interessado e amigo dos cães porque procura informações suplementares. Quando reparar que alguém observa o seu cão, fixe o seu olhar nele, dê a ideia que o quer identificar, mostre que o observa e demonstre desconfiança. Se algum desconhecido se dirigir ao seu cão e lhe perguntar maiores detalhes, vire o feitiço contra o feiticeiro e leve-o à identificação, pergunte-lhe o que faz ali e aquilo que pretende. Se as suas intenções forem más, breve se porá a caminho e o seu cão poderá estar a salvo. Lamentavelmente o assunto não se esgota aqui, lamentavelmente somos obrigados a encerrá-lo. De bom grado daremos maiores explicações a quem as solicitar.

ALERTA VÍBORA: PROCEDIMENTOS ESCOLARES E DOMÉSTICOS

Entre 1998 e 2000, dois jovens foram mordidos por víboras em locais diferentes, na Serra de Sintra e na Serra da Arrábida, pertencendo um deles ao grupo de escuteiros da região. Oficialmente as víboras encontram-se extintas no litoral oeste, mas tal não corresponde à verdade, basta ver o caso da Tapada de Mafra, que dista do nosso centro 800 metros, onde a víbora cornuda (vípera latastei) é muito abundante e ao que dizem (www.tapadademafra.pt/fauna-repteis.html) pode ser mortal. Para além dela, outras víboras, cobras e serpentes estão a invadir os nossos parques e serras, as provenientes de cativeiro e que acabam indevidamente por ser abandonadas, constituindo um sério perigo e uma ameaça para a sobrevivência dos binómios.

Importa destacar que só existem antídotos para o veneno em Lamego, no Quartel dos Rangers e na Base Aérea da Ilha Terceira, nos Açores. Já aconteceu Lamego não ter o antídoto e ele só chegar 5 horas depois, com os riscos daí decorrentes para a saúde dos lesados. Assim, a disciplina de pistagem só deverá ser desenvolvida entre os meses de Novembro e Março, altura do ano em que as víboras se encontram em fase de hibernação. Nos restantes meses, havendo excursões escolares ao campo, devem observar-se as seguintes regras:

1.Todos os comandantes de esquadra devem ter consigo o número de telefone do CIAV (Centro de Intoxicação Anti-veneno) que funciona 24 horas por dia e é o 808250143.
2. Os percursos a bater devem evitar o habitat natural destes répteis (zonas abertas nos limites dos bosques e matos ou em bosques relativamente abertos com montados ou pinhais). Apesar dos substratos rochosos serem da preferência das víboras, eles não limitam a sua presença, habitando também a Oeste e a Sul, as dunas costeiras e areais. Estes trilhos devem ser evitados ou previamente batidos e reconhecidos.
3. Os percursos em encosta devem ser desenvolvidos pelos lados Este e Norte, quando não estiverem expostos à incidência da luz solar.
4. Na Primavera o horário aconselhável para as excursões é entre as 8 e as 10 horas e no Verão entre as 7 e as 9 horas. Em ambas as Estações os percursos nocturnos não acarretam qualquer risco.
5. Nos trilhos a classe escolar evolui “em frente por 2”, progredindo nos seus limites e dando aos cães o seu interior, desfilando a coluna do lado esquerdo com os cães à direita e a coluna do lado direito com os cães à esquerda.

6. Anulando a surpresa e perante ecossistemas duvidosos, cabe aos condutores da 3ª fila/1ª esquadra, fazer de batedores, indo adiante 25 metros e entregando os seus cães aos homens da 2ª fila da sua esquadra, que os conduzirão “à arreata”. Esta batida é feita de ambos os lados do trilho e segundo a progressão da classe que atrás segue.
7. Estes condutores deverão munir-se de varas com 2 metros de comprido e terminadas em fisga. A víípera lastatei só ataca o homem debaixo de provocação e o simples arrastar das varas é suficiente para a pôr em fuga.
8. Nos momentos de supercompensação e descanso devem evitar-se os penhascos, muros de pedra e superfícies rochosas, nichos de ocultação natural para as víboras.
9. Na recapitulação doméstica a caça às cobras está proibida, porque o cão não distinguir uma víbora de uma cobra e isso pode ser-lhe fatal.
10. Apesar do 1º socorro passar pela aspiração do veneno, pelo corte transversal dos 3 orifícios triangulares, tal não se recomenda a ninguém, muito menos a quem tem dentes cariados, gengivas sensíveis ou aftas.

11. Pese embora o incómodo daí resultante, recomenda-se aos condutores o uso de botas altas ou polainas na Primavera e no Verão, sempre que os passeios domésticos recaiam sobre outeiros, cabeços e ermos ou a excursão escolar evolua por matagais ou zonas florestais.
12. Nas áreas circundantes aos canis devem evitar-se os amontoados de pedras e proceder-se à plantação do Manjericão (Ocimum Basilicus), que é uma planta extremamente aromática e do desagrado das víboras, produzindo o seu afastamento. Esta planta tem sido amplamente testada e aprovada no Brasil. Deve ser semeada em viveiro entre Janeiro e Março e no lugar definitivo na Primavera (ver cuidados com o manjerico: luz média e terreno húmido. A planta é muito sensível à geada).
13. Tanto as evoluções escolares quanto as excursões domésticas, nas épocas primaveris e estivais, os percursos não devem distar mais de 50 metros das vias principais de acesso, para não dificultarem a evacuação das vítimas e o seu socorro mais pronto.
14. Nas estações do ano de risco (Primavera e Verão), a condução em liberdade deve ser evitada e substituída pela condução linear atrelada.

IDENTIFICAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DA VÍBORA CORNUDA (VÍPERA LASTATEI)

1.Comprimento: até 70 cm.
2. Cabeça: bem definida, de contorno triangular
3. Dentes: os dentes inoculadores do veneno estão situados na parte anterior da boca, sendo móveis e caniculares.
4. Focinho: muito proeminente, com 3 a 7 escamas apicais que formam um apêndice típico da espécie (daí o nome cornuda).
5. Pupila: vertical com íris amarelada e com pigmentos escuros.
6. Corpo: grosso e dorsalmente coberto por escamas fortemente carenadas (com uma saliência longitudinal).
7. Cauda: curta e muito mais fina em relação ao corpo, com manchas amareladas, alaranjadas ou vermelhas.
8. Particularidades: na região vertebral aparece um ziguezague mais escuro com o bordo mais contrastante. Na parte posterior da cabeça existem duas manchas que formam uma espécie de “V” invertido.

DIFERENÇAS ENTRE A VÍBORA CORNUDA E A VÍBORA DE SEOANE (VÍPERA SEOANEI)

1. É menor que a anterior (de 50 a 60 cm de comprimento).
2. É nocturna nos meses mais quentes.
3. Não tem focinho.
4. Quase não tem cauda.
5. Está sempre enrolada de cabeça para cima, pronta a defender-se.
5. Pode ter uma coloração uniforme e sem ziguezagues, ser inclusive preta.
6. Vive em climas húmidos e frios.
7. Pode ser encontrada a 2.000 m de altitude.
8. É também conhecida por cobra negra, víbora ou víbora negra. Geralmente habita no norte da Península.
Estas são as víboras da fauna portuguesa, mas existem por aí outras mais e um sem número de cobras e serpentes descartadas. O comércio global também tem facilitado a proliferação de espécies exóticas e invasoras. Por serem tantas é impossível descrevê-las na sua totalidade. O que importa é o alerta e a prevenção, o respeito pelas normas que podem reduzir o número das vítimas. As víboras peninsulares apenas atacam 1% da população adjacente aos seus habitats naturais. Felizmente a maioria das pessoas viverá sem encontrar alguma delas. Ao mesmo tempo, importa proteger os cães e evitar a morte das víboras que são espécies protegidas.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

THE ONE EYE MAN AND HIS RABBIT

O Jardim de Belém, o contíguo ao do Mosteiro dos Jerónimos (1) e frontal à fábrica dos celebérrimos pastéis com o mesmo nome, é um local de romaria aos fins-de-semana. As gentes lisboetas deslocam-se ali para passeio e lazer, na procura dos escassos raios de sol que o Inverno possibilita. As crianças desfilam e chilreiam pelos seus acessos, debaixo do reparo dos pais e montando todo o tipo de veículos. Contrariando os jovens, que se espraiam descontraídos, os anciãos tecem duras críticas à sua indumentária e não poupam a má qualidade dos pastéis, ainda que o façam debaixo de surdina e de contida exclamação. Condenam os mais novos pela falta de gosto, pelos trapos que trazem vestidos e que na sua opinião se deve à nefasta influência dos brasileiros (os das telenovelas e os do quotidiano). Não poupam críticas aos pastéis e comparam-nos a um mau pastel de nata: “coisas da CEE, agora já não são feitos com ovos frescos, mas com uma massa própria” - dizem. E como espaço é coisa que não falta e há lugar para todos, circulam por ali muitos cães domésticos, uns atrelados e outros ao “Deus dará”. A Lisboa actual não difere de outras capitais europeias como Paris ou Londres, onde a variedade de raças e etnias adorna a paisagem. Surpreendentemente, o número de crianças louras de olhos claros está a aumentar entre os portugueses continentais, talvez por causa da migração Norte-Sul, do interior para o litoral, da debandada serrana rumo às grandes cidades pelo contributo do Portugal profundo.

O jardim tem uma nova atracção: um coelho tigrado. O bicho circula atrelado e de boné posto, à distância parece um cão miniatura e mostra-se bastante integrado. O seu proprietário é um homem alto e ossudo, de mão larga e um só olho (o outro encontra-se encoberto pela pálpebra colada à cara). O seu semblante e postura não escondem um passado árduo e difícil, reforçado pela inibição e pela parcimónia verbal. E porque estamos perto das docas, atendendo à semelhança, lembra-nos de outras: as londrinas da época vitoriana. O homem parece tirado de um episódio da série televisiva “Sherlock Holmes” e o coelho da “Alice in the Wonderland”. O bizarro binómio dá nas vistas, as câmaras disparam e os turistas não lhe dão descanso: “look at that rabbit!” Depois de interpelado e a muito custo, o cunicultor faz saber que já teve 6 coelhos e que agora só possui aquele, que não é um coelho qualquer, mas sim um holandês de raça pura que se assusta com os cães que andam à solta. Com os nossos atrelados (Pastores e Boxers), prestámos-lhe guarda de honra, a uma fileira e na segunda posição de imobilização. O homem (a quem não perguntámos o nome) involuntariamente vai transformar um provérbio antigo: “ quem não tem cão, caça com coelho”.

(1)O Mosteiro ganhou esse nome por causa de D. Manuel I que ali mandou instalar os monges da Ordem de S. Jerónimo, tradutor da Bíblia e autor da Vulgata. Estes clérigos procuravam o retiro e eram normalmente intercessores do rei e dos mareantes. Em 1503, por ordem da Rainha D. Leonor, foram instalados nas Ilhas Berlengas (Berlenga Grande), saindo de lá por falta de alimentos, pelo assédio de várias doenças e por causa dos constantes assaltos de piratas e corsários (marroquinos, argelinos, franceses e ingleses) que impediam o seu refrigério. Desde 1953, exactamente no mesmo local, foi ali instalado um restaurante.

SALVAR VIDAS

Três adestradores, por sinal pouco chegados como é hábito na sua arte, encontram-se num café ao final do dia e falam sobre as suas expectativas. Diz o primeiro:
- Meus amigos, eu estou nisto para fazer os donos felizes, não são eles que pagam as mensalidades?
O segundo contrapõe:
- Está certo. Mas se eu me valer disso para chegar mais longe, melhor. A ocasião é que faz o ladrão!
O terceiro demorou a responder e acanhado lá soltou:
- Acho que os cães merecem, eu estou cá para lhes dar vida.

CONTRA OS CANHÕES MARCHAR, MARCHAR

O nosso objectivo não é o de ensinar a letra de “A Portuguesa”, o nosso Hino Nacional, apesar de haver por aí muita gente que a desconheça ou que a tenha aprendido via futebol, o que não deixa de ser estranho, ingrato e pouco patriótico. Dirão alguns: do mal, o menos! E por mais irrisório que pareça, o patriota do futebol tende a pendurar a bandeira de pernas para o ar (muitas vezes no cordão da roupa) e a substituir os castelos por pagodes chineses, porque o “made in China” é mais barato e o que importa é a folia. Servimo-nos desta estrofe do Hino Pátrio para denunciar um dos nossos maiores propósitos: a aceitação dos cães pela sociedade, porque tal não é fácil e são muitas as armas apontadas contra eles. Sair com a Escola à rua é uma meta que possibilita dois objectivos: a sociabilização e a interacção caninas. Quando aprovadas e somadas uma à outra, elas garantem a procurada coabitação harmoniosa. Agora que os lobos se encontram em vias de extinção por toda a parte, o “canis lupus familiaris” tomou o seu lugar e um cão mau pode espreitar em cada esquina.

A cinofobia (horror a cães) tende à expansão e são cada vez menos as crianças que têm um cão por companhia, as notícias macabras sucedem-se e ainda há gente que alimenta o mito. Quando saímos à rua recorremos a uma estratégia já gasta: exercitamos a obediência em classe e atraímos os viandantes ou o público. Geralmente somos bem sucedidos e os cães tornam-se objecto de admiração. Num ápice, os espectadores transformam-se em participantes, interagindo connosco na defesa do bom-nome dos cães. Mais uma vez isso aconteceu neste último Sábado, quando dois ciclistas, inesperadamente para eles, se constituíram em obstáculo e se viram rodeados de cães. Quando o não é garantido, há que partir na procura do sim, se as pessoas não se chegam aos cães, há que os levar até elas: “contra os canhões marchar, marchar!”

PROCRASTINAÇÃO E TREINO CANINO

O uso terapêutico dos cães é infindável, diariamente descobrem-se novos fins e no futuro outros se encontrarão. O dinamismo interactivo do treino canino pode ajudar no equilíbrio psicológico e fisiológico dos convidados para a sua prática, porque obriga à sincronia, é objecto de correcção, baseia-se em metas e procura objectivos. A procrastinação é um flagelo que se abate sobre o homem contemporâneo, mercê duma sociedade sempre em mudança que o satura e torna ansioso, baixa-lhe a auto-estima e pode induzi-lo a uma mentalidade auto-destruitiva. O termo significa diferimento ou adiamento de uma acção, “deixar para amanhã aquilo que pode fazer hoje”, enveredar por tarefas menos importantes face à urgência das prioritárias. Esta desordem tanto pode super-estimar ou subestimar o tamanho de uma tarefa para aquém ou além do seu valor real e pode atacar ou incidir sobre qualquer franja etária. O problema tanto pode ter origem psicológica quanto psicológica, provir da sua combinação, estar associado à depressão ou ser crónico. Todos nós, uns mais do que outros, podemos enveredar ocasionalmente por este tipo de comportamento.

No mundo da cinotecnia, por permitir o escape e o ser uma tarefa acessória, enquanto actividade lúdica e meio de evasão, superabundam procrastinadores, gente que foge dos problemas a resolver e se esconde nas rotinas do adestramento, ainda que o faça por “corpo presente” e o empastele de modo sistemático. Estes indivíduos são “milho para pombos”, porque a ausência de objectivos faz deles clientes de lugar cativo, porque se entretêm e não se importam de permanecer no mesmo sítio, não buscam o progresso e não requerem muita atenção, sendo para muitos os clientes ideais e gente a conservar (enquanto dão biscoitos ao cão não me chateiam). Com isto, compreensivelmente, os cães não evoluem, apesar dos seus condutores serem invadidos por um falso espírito de dever cumprido. Face ao insucesso e às inevitáveis comparações, malandro que se preza ainda atribui as culpas ao cão, a bem do cliente e por apelo à conta bancária.

Combatemos entre nós este tipo de comportamento, porque a isso nos obriga a ética e o respeito pela condição humana, também porque o melhor dos nossos out-doors é a prestação dos nossos cães e eles não devem ser vítimas do comportamento dos seus donos ou condutores. Sobre nós recai também essa responsabilidade. É evidente que todos sentimos alguma dificuldade no adestramento, quer pela novidade quer pelo dualismo das vontades, porque nem sempre o cão está pelos ajustes e por vezes tenta levar a sua avante. A arte de adestrar, porque de uma arte se trata, ainda que se encontre associada a um conjunto de ciências, inválidas sem a componente emocional que nos leva a gostar de cães, não acontece de modo isolado e reflecte a capacidade individual de resolução, anterior ou paralela ao treino canino, porque cada um, para além da componente ambiental, carrega a sua própria personalidade.

O adestramento tem valido a muitos pelo estímulo da liderança e contribuição dos cães, levando-os a uma melhor resolução em áreas alheias à cinecultura, despertando-os para a realidade e preparando-os para os seus desafios. É verdade: sempre teremos que lidar com a procrastinação académica, porque os condutores são também alunos e sempre necessitarão da nossa ajuda. Por causa disso, defendemos a política de integração das classes, a evolução em esquadras, a instrução circular, as aulas teóricas e a sólida formação de grupo. Esta é a nossa aposta: não deixar ninguém para trás, ainda que lhe causemos algum incómodo. Somos formadores.

SÁBADO VERDE, DOMINGO CINZENTO

As actividades neste fim-de-semana foram variadas e serviram diferentes propósitos. Sábado viemos para a cidade, batemos calçada, navegámos, pisámos relva e convivemos com quem nos cruzámos. Começámos no Jardim do Campo Grande, onde treinámos obediência e endurance. Depois levámos a cachorrada a andar de barco e acabámos por almoçar na Buraca por indicação do Eduardo Santos. Da parte da tarde fomos para o Jardim de Belém e usufruímos da companhia dos seus visitantes, onde evoluímos em esquadras, procedemos a diferentes figuras de imobilização e apostámos na sociabilização dos nossos cães. O dia esteve de feição.

Domingo permanecemos na Escola, debaixo dum dia cinzento e entregues à ventania, à humidade e ao desconforto. Desenvolvemos diferentes evoluções e acompanhámos os cachorros de perto. Chamámos à atenção para a necessidade da excursão diária do Shadow, demos os parabéns à Teresa pela empatia que tem com o Buster, sentimos a falta do Dr. Zé Gabriel, que para além de condutor de créditos firmados, é agora um fadista de eleição e muito solicitado. Foi para Vila Flor e parece que foi muito bem tratado e ovacionado. Almoçámos no Retiro do Volante, na Carapinheira.

A classe foi muito concorrida e maioritariamente de Pastores, trabalhámos os quatro turnos e o Gonçalo Albuquerque, mais uma vez e apesar das promessas, baldou-se. Continuamos sem notícias do Dr. João Franco e o João Domingues não merece maior preocupação (é costume). A Ana Pinto e o Rui Ribeiro estiveram ausentes, a Isabel Silva e o Roberto Mariano não compareceram aos trabalhos e a Lila foi um ar que se lhe deu. Sentimos a falta do Pedro Costa e há muito que não vemos o Xico. A Becky é a Xita II e começa a evidenciar potencial. A Bonnie não nega a sua ascendência no Schwartz e o Juvat ofendeu-se com uns podengos enjaulados. No final ainda fomos comprar um trem de limpeza para a Becky e deliciámo-nos com a companhia da mães da Teresa e do Eduardo. A Pastora do Tiago tem uma ninhada com 2 cadelas e o Buster está a melhorar das mãos. A Xita não trabalhou e a Joana não pôde ser marinheira.

Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: Alexandra/Abu, Américo/Becky, António Cunha/Zorro, Bruno/Pepe, Carla Abreu/Nina, Carla Ferreira/Shadow, Clara/Shara, Eduardo/Micks, Elisabete/Lua, Francisco/Luna, Joana/Flikke, João Moura/Bonnie, Jorge/Juvat, Luís Leal/Teka I, Manel/Mini, Octávio/Greg, Princesa/Ricky, Rodrigo/Tarkan, Teresa/Buster e Vítor Hugo/Yoshi.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

DESCRIÇÃO SUMÁRIA DO CÃO DE ALARME

I. CARACTERÍSTICAS GERAIS:

a) Perfil psicológico: Todos à excepção do inibido. Indivíduo hiperactivo e super atento, de pouca autonomia e muito dependente, frágil mas resoluto, rezingão e ladrador, desconfiado, guloso e caçador.

b) Tamanho e envergadura: A sua altura deverá oscilar entre os 25 e 40 cm. O seu peso não deverá ultrapassar os 11 kg. Ligeiro de envergadura e entesado de músculos.

c) Tipo de trabalho: Alarme.

d) Instalação doméstica: Dentro e fora de casa.

e) Modo de trabalho: Acorrentado, acoitado, confinado ou em liberdade. Pode e deve ser usado para trabalhar em conjunto com um guardião tipo para reforço das suas acções de vigilância.

f) Treino específico: Devido à extraordinária dependência não necessita de maior condicionamento, porque as acções de estímulo decorrem do tratamento dispensado e dos vínculos afectivos.

g) Particularidades: É desejável que tenha o focinho longo e orelhas erectas ou semi-erectas, uma máquina sensorial excelente, que acuse e não tema os fenómenos naturais.

h) Adequação operacional: Os melhores cães para este serviço são os descendentes de cães caçadores, independentemente do seu grau de hibridação ou mestiçagem, porque impedidos de caçar depressa fazem a transição do olfacto para o ouvido, memorizando que a caça a sinalizar é a humana. O recurso à corrente acelera este processo, assim como a coabitação e os espaços exíguos. A tarefa encontra-se facilitada junto dos podengos cuja maioria caça à vista.

DESCRIÇÃO SUMÁRIA DO CÃO DE COMPANHIA

I. CARACTERÍSTICAS GERAIS:


a) Perfil psicológico: Todos menos o inibido. Animal dócil, curioso, interactivo e sociável, de média autonomia e de regrado impulso ao alimento. Pouco instintivo, medianamente territorial e de baixos impulsos ao poder e à luta, de actividade moderada, pouco ladrador, fraco desejo excursionista e de pouca ou nenhuma propensão cinegética.


b) Tamanho e envergadura: De acordo com o particular geográfico e familiar do lar adoptivo. De qualquer maneira, os exemplares maiores e mais pesados devem ser evitados, atendendo à necessidade de exercício e à decorrente qualidade de vida, para que o cão dos nossos sonhos não se transforme no pior dos pesadelos.

c) Tipo de trabalho: Fim terapêutico (terapia familiar).


d) Instalação doméstica: Em casa, no jardim ou em ambos.


e) Modo de trabalho (modus vivendi): Solto em casa e atrelado na rua.


f) Treino específico: Currículo básico de obediência.


g) Funções: coabitação, parceria e complementaridade.


h) Particularidades: Há que considerar o particular do pêlo do animal, deseja-se que o tenha curto e ausente de subpêlo. Os animais de pêlo cerdoso podem ser uma segunda opção, assim como aqueles que apenas possuem franjas. Existem raças de pêlo comprido que raramente largam pêlo, tal é o caso do caniche e do cão de água português.


i) Aviso: Os bracóides devem ser excluídos desta função, porque a precariedade do exercício induze-los à obesidade, porque comem muito e necessitam em simultâneo de bater território. A supressão territorial leva-os muitas vezes à aquisição de taras ou à destruição do património doméstico. O fenómeno é visível noutros grupos somáticos próprios para a caça exceptuando os podengos. À parte disto, alguns deles apresentam a tendência de se esfregarem nos excrementos de outros animais. Algumas raças de focinho achatado chegam a encher os tectos de baba, pelo que devem ser menosprezadas. Os animais ladradores devem de todo ser evitados, considerando o sossego e o viver social da família adoptiva. Os cães com demasiadas pregas tendem a cheirar mal e os de pêlo duplo quando molhados reforçam o seu odor. Os rafeiros têm sido uma escolha feliz para esta função, não evidenciando os disparates provocados pela excessiva territorialidade, desejo de caçar e forte sentido de presa presentes nalgumas raças. Contudo, se por desejo ou inclinação, a escolha se reduzir entre um guardião e um caçador, mais vale optar pelo primeiro, porque sendo mais rico de carácter vê-se liberto da carga instintiva que sempre transtornará o segundo.

PODENGO: DESPREZAR O QUE NOS FAZ FALTA!

DEDICATÓRIA - Dedicamos este texto particularmente a dois cães: ao “Rodas” (um mestiço de podengo) e ao “Inferno da Urca” (um podengo gigante que nos foi oferecido e hoje já falecido). Para além deles, este trabalho pretende homenagear os milhares de podengos e seus descendentes abatidos, trucidados, mal compreendidos, abandonados, descartados e castrados ao longo da sua existência, vítimas do especicismo que encobre toda a conveniência.

O aforismo “ dá Deus nozes a quem não tem dentes” bem que podia ser aqui aplicado, se considerarmos a existência do podengo e o seu desprezo generalizado. A canicultura actual vê-se a braços com vários problemas, que não sendo de hoje, carecem de solução imediata, porque são mediatizados e objecto de condenação, destacando-se entre eles o surto dos cães perigosos e o flagelo das doenças raciais. Ainda que ninguém o queira admitir e a coisa venha a acontecer dentro do maior secretismo, mais cedo ou mais tarde, considerando a sobrevivência das várias raças, a hibridação terá de acontecer, porque importa irradiar a agressividade desmedida e a disgenia, já que a primeira atenta contra os direitos humanos e a segunda torna cínica a carta dos direitos do animal. Esta alteração, caracterizada pelo abandono dos actuais pressupostos selectivos, obrigará a um retorno até hoje desprezado, distante do especicismo originário que tanto lucro deu e a tantos valeu, na procura do atavismo e de uma nova eugenia: o cão irá ser reinventado.

Lembramo-nos dele pela ocasião da abertura da caça, quando nas auto-estradas o seu número aumenta, quer nas bermas quer dentro de exíguos reboques, quando vemos caçadores camuflados em brejos e charnecas. Geralmente preso por uma corda à cinta, o podengo acompanha o homem de arma à tiracolo, perto da caça que afugentou ou ajudou a capturar. A história repete-se há milhares de anos. Ainda que as armas tenham sido outras, o podendo continua o mesmo. Ao que consta, a sua origem é antiquíssima (3400 anos) e remonta pelo menos à época dos faraós. “Anubis”, o cão de guarda dos mortos, representado numa estátua encontrada no túmulo de Tutankhamon em 1922, em pouco ou nada difere do podengo ibicenco, familiar do português e de igual origem. Crê-se que foram os mercadores fenícios que o espalharam pelo mediterrâneo e que a horda muçulmana (mouros e sarracenos) que invadiu a Península e o sul de França contribui para a sua proliferação. Entre os gauleses ganhou as designações de “Le charnaigre”, “charnègre” e “charnique”, restringindo a sua presença na Provença, em Languedoc e em Roussillon. Foi usado para levantar de coelhos e lebres, acabando extinto por aquelas paragens, pela interdição da caça à lebre decidida pelo tribunal d’Aix-en-Provence e confirmada pelo parecer do tribunal de Cassation (1844). Na Península, nas Ilhas Baleares e na Sícilia teve uma sorte bem diferente, popularizando-se e proliferando até aos nossos dias, ainda que em pequeno número. Entre nós, no princípio do Sec. XX e nalguns casos para além da 2ª Guerra Mundial, quando o povo ainda caçava a pau, o podengo foi o seu melhor auxiliar. Justamente, o símbolo do Clube Português de Canicultura é um podengo.

Da mesma origem e colateral do podengo ibicenco e do cirneco dell etna, o Podengo Português, ao contrário da maioria das raças actuais, causadoras e vítimas de tantos problemas por via da endogamia sistemática, perpetuou-se pela selecção natural e não foi alvo de acérrima manipulação genética, o que o popularizou e em simultâneo tende a condená-lo, enquanto cão do tipo primitivo. Animal extremamente rústico e resistente, tem uma longevidade acima da média, dispensa a excelência das dietas e não requer maiores cuidados. O nome podengo deriva do substantivo latino “potencus” (cão para caçar coelhos), mas o substantivo português está mais próximo do castelhano “podenco” de igual significado. Apesar de em Portugal a primeira referência escrita sobre o Podendo remontar ao reinado de D.Sancho I (1185-1211), onde se faz saber do seu uso entre nobres e populares, o estalão da raça só foi reconhecido pela FCI em 1967, quinhentos anos depois de ter sido aproveitado como cão rateiro nas caravelas, donde chegou ao Novo Mundo e deu origem as outras raças. Este cão originário do Norte de África, tornado português, apresenta-se em 3 tamanhos tal qual o Teckel: pequeno, médio e grande, encontrando-se o último em vias de extinção e sendo empregue nas matilhas de caça grossa (veado e javali). Esta raça pode caçar isolada ou em matilha quer ela seja espontânea, homogénea ou heterogénea. Colocando de lado a história do cão que é apaixonante e muito anterior à nacionalidade, deixamos uma curiosidade: “luso” é a palavra fenícia que para “coelho”.

Indo adiante da sua morfologia (que é de todos conhecida e de fácil consulta) e não parando na apreciação do seu trabalho cinegético, este cão de charneca (terreno de baixa vegetação) tem particularidades que o tornam único e que importa realçar, já que a sua utilidade e mais-valia transcendem o uso que normalmente lhe é atribuído. Para além da pouca ou quase nula incidência de doenças comuns à espécie, o que lhe garante uma maior longevidade, o Podengo apresenta outras vantagens advindas do seu temperamento, não menos importantes e que o tornam apto para outros serviços ou prestações, nomeadamente como cão de vigia (alarme) e como cão de companhia, por força da sua máquina sensorial e distinto viver social. Como o seu desempenho enquanto cão de vigia é próprio e inato, dispensando por isso mesmo de maior delonga, analisaremos seguidamente a sua prestação enquanto cão de companhia, realçando os aspectos positivos e negativos dessa adopção, não ignorando o particular caçador que sempre o acompanhará pela vida fora, mesmo quando arredado ou distante desse ofício. A sociabilização com outros cães é quase automática e raramente provoca confrontos ou alimenta ódios, optando pelo afastamento em prejuízo da confrontação. A sua docilidade torna-o próprio para o convívio com as crianças. Depois de assimilado, o Podengo adora participar em brincadeiras e a sua alegria é contagiante. Estabelece fortes laços afectivos com os donos e é tremendamente asseado. Se desde tenra idade coabitar com outros animais domésticos, irá para além da tolerância e considerá-los-á membros dos seu grupo. A maior vantagem do Podendo enquanto cão de companhia reside nisto: sendo desprovido de agressividade, dificilmente atacará alguma pessoa, por mais que ladre ou avance e o povo sabe disso. Quantos cães ditos de companhia darão a mesma garantia?

Geralmente entre os “podengófilos” confunde-se a capacidade de aprendizagem com a obediência coerciva, porque o cão é naturalmente desconfiado e borra-se perante tons de voz mais severos, porque não é agressivo e tem uma audição assaz sensível, acabando por fazer aquilo que dele se espera. Atribuir-lhe adjectivos como “inteligente” não deixa de ser um exagero, porque estamos a tratar de um cão caçador de coelhos e sujeito maioritariamente à sua carga instintiva, entrave cognitivo que não pode ser ignorado e que amiúde deve ser contrariado. Por causa disso torna-se reservado, arisco e esquivo, mostrando alguma timidez diante de estranhos, independentemente da sua postura ou modo de apresentação, porque a mímica do Podengo não engana. Se o confinarmos isolado num canil por tempo indeterminado ou a título definitivo, ele torna-se tão silvestre quanto o coelho bravo e se ficar amatilhado dificilmente aceitará outro tipo de liderança. Esta dificuldade presente no cão, há muito que é do conhecimento dos caçadores, que o tratam por “áspero” e não hesitam em preferir e procurar os mestiços dele resultantes, menos silvestres e mais interactivos. A necessidade de integração do Podendo obriga a uma cuidada e excelente instalação doméstica, pois não basta tê-lo no quintal e esperar que se transforme num cão de companhia. Outros cães mais afamados apresentam o mesmo problema e a solução aponta para o amor que tudo suporta, se quisermos levar de vencida as barreiras que obstam à profícua comunicação interespécies. A adequação do Podengo é possível e o nosso trabalho tem dado mostras disso. Quem não tem tempo para cães porque o perde a procurá-los?

Entendemos nós e julgamos não estar enganados, que o Podengo pode ser um melhorador de raças, porque transmite a rusticidade ausente em muitas delas. O “cão de ventre arregaçado” oferece também longevidade e o equilíbrio dos impulsos herdados, doando à sua descendência a parceria que sustenta a constituição binomial e se adequa às regras vigentes na actual sociedade. Por razões ligadas à proliferação dos cães de caça e à bestialidade presente nalguns caçadores, a maioria dos cães abandonados ou é, ou teve alguma ascendência em Podengo. O seu maior número acabará votado à chacina, entregue à injecção letal nos canis terminais municipais, arredado da adopção e condenado ao esquecimento. O Podendo continua em risco de extinção, tanto nos campos como nos concursos, talvez por ser português e pelo mérito da galinha alheia. Daqui apelamos aos jovens canicultores para que preservem e melhorem este cão milenar, também ele símbolo da nossa identidade e votado a igual sorte, que atravessou o mediterrâneo, conheceu muitos povos, viu nascer Portugal e continua entre nós. Começámos com um aforismo e terminamos com outro: “cão que ladra, não morde”, tal é a natureza do Podengo, um excelente cão de companhia.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

DESCRIÇÃO SUMÁRIA DO CÃO DE DEFESA PESSOAL

I. CARACTERÍSTICAS GERAIS:

a) Perfil psicológico: Entre o dominante e o submisso (a), calmo, com mecanismos de atenção e alerta bastante desenvolvidos, recorrente ao rosnar e ladrar.

b) Tamanho e envergadura: Quanto maior melhor, pois joga-se aqui a presença ostensiva, o desencorajar de estranhos com propósitos duvidosos – o cão deve ser visto.

c) Sexo: A tarefa pode ser abraçada por ambos os sexos.

d) Tipo de trabalho: Bodyguard (guarda-costas; serviço de escolta).

e) Instalação doméstica: Dentro de casa e junto dos valores do dono.

f) Modo de trabalho: Sempre atrelado.

g) Treino específico: Obediência incondicional e controlo absoluto por parte do dono. Restrição de relacionamento e indiferença ao suborno. Treino aturado de “atenção” e “alerta”. Treino em diferentes percursos, aglomerados populacionais e ecossistemas, tanto de dia como de noite, porque o cão precisa de se acostumar ao frenesim e vencer o stress.

h) Funções: A protecção do dono e seus pertences (carro inclusive).

i) Particularidades: Para além das acções automáticas, justificadas pelas intenções duvidosas de outrem, debaixo de ordem, não deve consentir que ninguém se aproxime do seu dono ou valores num raio de 3 metros.

j) Advertência: Por força do ciúme (particularmente entre os donos que vivem sós), alguns cães tornam-se demasiado zelosos neste serviço, actuando de modo automático e incontrolável. Mesmo que tal não se verifique, todo o cão de defesa pessoal necessita de reavivamento operacional e superior travamento.

(a) O cão de defesa pessoal já abre o leque para várias raças. A maioria dos cães em treino virá a executar esta tarefa de forma satisfatória, porque o cão junto do dono tem o dobro da força e naturalmente, quer com ajuda deste ou não, defenderá quem dele cuidou e lhe deu um lugar ao seu lado. O cão de defesa pessoal não necessita de ser rápido, mas ser portador de uma mordedura potente ou de uma superior força de impacto.

TRELA NO CHÃO, PÉ AO TRAVÃO

No centro-oeste brasileiro e nalguns rincões gaúchos (e se calhar por outras partes do território) é visível um tipo de doma rural que diverge e atenta contra o desbaste clássico. Os equídeos sujeitos a essa pedagogia destinam-se ao controlo das manadas e são normalmente usados pelos “peões” das fazendas, gente que merecidamente ganhou a designação de “cow-boys sul-americanos”. A pedagogia empregue consiste em amarrar os cavalos durante 2 ou 3 dias (como borregos) e depois soltá-los com o peão em cima campo a fora, num bailado ébrio de congostas, quedas e pinotes: “ baita moleque, segura o pangaré!” Entre nós e no mundo da cinotecnia, um novo método é visível nas urbes: o da “trela no chão e pé ao travão”. Os cães entram em classe com um arnês (a esta hora já lhe atribuíram um nome pomposo ou algum estrangeirismo) e rebocam a trela pelo chão quando evoluem no “junto”. O processo é rudimentar: se o cão se adiantar, o condutor pisa-lhe a trela. Graças ao arnês, o fecho de prisão passou do pescoço para o dorso, o que torna o travamento menos violento. Pensando bem, o método nada tem de inovador, porque se vale do condicionamento oferecido pelo corriqueiro uso da corrente. Sempre será mais fácil conduzir à trela um cão normalmente acorrentado do que outro que sempre andou em liberdade. Contudo, o método é coercivo e de difícil execução para o condutor, porque se desloca acocorado e de biscoito na mão direita, quiçá na tentativa de suavizar as marcas da coerção. Infelizmente, o recurso à recompensa não esconde a violência do método nem tão pouco a sua rudeza. E por falar em correntes: se tiver que acorrentar o seu cão, faça-o a partir de um cabo aéreo (nunca com menos de 5 m), para salvaguardar a saúde articular do bicho e evitar que tropece nos seus dejectos. Somos contra a instalação sistemática dos cães na corrente porque os seus malefícios ultrapassam em muito as suas vantagens, já que esse confinamento para além de poder colocar em risco a saúde animal (o que o torna abusivo e impróprio), aumenta a vulnerabilidade do cão, impedindo em simultâneo a sua fuga e defesa.

EU CÁ SOU SARGENTO!

Não pondo em causa o respeito e apreço que temos pelos sargentos das nossas fileiras, gente esforçada e pronta no nosso ofício, relembramos aqui uma histórica verídica, passada há alguns anos e por alturas de uma apresentação. Um aluno recém-chegado chega à Escola e quando convidado a apresentar-se, diz convicto e altaneiro:
- Eu cá sou Sargento!
- Pois, mas aqui vai ter que ser Oficial e Cavalheiro. Esta é uma escola para oficiais! – respondeu-lhe o adestrador.

UMA MENSAGEM

Recebemos do monitor e condutor do Master e da Menina uma mensagem elogiosa que seguidamente transcrevemos. Fazemo-lo receosos, porque as honrarias costumam ser a título póstumo e quando o não são, reflectem relações de interesse ou conveniência, muitas vezes distantes dos méritos evidenciados. Mas como não duvidamos da sinceridade das palavras e não queremos incorrer em ingratidão, também porque espelham os nossos objectivos, aqui vai:
“ Numa escola em que o adestramento passa pela capacitação do condutor há que atender às vertentes teórica e prática do ensino, importando saber como, interessa igualmente saber porquê. Em tempos passados – disseram – o ensino prático imperava na Acendura Brava, o dispêndio físico chegava a indíces atléticos e a fortaleza de ânimo era própria dos estóicos. No tempo em que ali cheguei, vai para seis anos, dava-se atenção ao ensino teórico sem nunca descurar a prática e exigia-se um esforço fisco e emocional necessário ao adestramento segundo as capacidades de cada um. Assim continua a ser, mas com uma diferença que reside nas formas de comunicação. Passou a haver um “blog” e, agora, há também um “site”. Por via destes instrumentos a informação é maior, mais completa e mais actual. Na base deste impulso está o interesse e a boa vontade de alunos que colocam graciosamente ao serviço da Escola o seu tempo e conhecimentos técnicos. Bem hajam por isso. Mas está igualmente o esforço dedicado e persistente do “adestrador em exercício”, como muitas vezes o Sr. João se auto denomina. Dedicado porque o que transmite não é fruto apenas de conhecimentos de experiência, senão de estudo cuidadoso e permanente. Poderá alguém não gostar do homem, do seu modo de estar e de dizer, sem que justamente deixe de lhe reconhecer apego ao seu mester e lídimo desejo de progresso dos seus alunos, bem evidenciado, entre o mais, no trabalho de pesquisa, documentação e comunicação que desenvolve. Valerá a pena tanto trabalho?! Decerto que sim. Não tenho dúvida de que toda a informação que foi e virá a ser disponibilizada através do “blog” e do “site” aproveitará a muitos. E, quem sabe, despertará em alguém, actual aluno ou futuro discípulo, o desejo de o coadjuvar e de, mais tarde, continuar, ainda que com as características diversas próprias da sua individualidade, o trabalho do Sr. João.” (os visados agradecem: Sandra Sousa, Eduardo Santos e João Garrido)

BINÓMIO AMÉRICO/BECKY

O Américo é um jovem bem disposto, interessado pela sua cachorra e novato nestas andanças. Tem participado nas aulas com afinco, adora a indução ofensiva e interessa-se pelos conteúdos teóricos. É marido da Carla Abreu e juntos dividem os seus tempos livres connosco. A Becky é uma CPA filha do Thor e de Xita, oriunda do Canil Monte do Pastor, com pouco mais de 3 meses de idade, preta-afogueada, tesa e bem disposta. O binómio funciona às mil maravilhas e o seu futuro apresenta-se risonho. A instalação doméstica da cachorra tem sido excelente e adora vir para a Escola, desafiando para a brincadeira cachorros e cães adultos. Como a excursão é indispensável para os cães, o Américo terá que melhorar a sua prestação atlética, porque o adestramento é como diz a velha canção: “ side by side, always togheder”.

BINÓMIO CLARA/SHARA

A Clara é matriarca de uma família numerosa, uma mulher decidida e apostada no ensino da Shara. Entrosou-se rapidamente no grupo e não apresenta maiores dificuldades no trabalho. É bem disposta e denota grande disponibilidade anímica. A novidade do treino não lhe tem causado grandes embaraços, é pontual e interessada. A Shara é uma CPA de 7 meses, preta-afogueada dominante, excelente atleta e que absorverá os conteúdos de ensino naturalmente. Neste momento a cachorra apresenta algumas dificuldades na sociabilização inter pares, facto a que não é alheio o seu particular instalador. O problema é transitório e cedo se avizinha a sua solução. É para isso que vem à Escola. À parte disso, a Shara é uma cadela de sonho e temos a certeza que virá a ser vedeta. Bem vindas e parabéns às duas.

BINÓMIO TERESA/BUSTER

A Teresa é uma eleitora recente, responsável, respeitável e educada que leva o trabalho muito a sério e venera o Buster. Foi colega de liceu da Rapaqueca e demonstra raro interesse pelos conteúdos teórico-práticos. Está a tirar veterinária e apresenta-se sempre bem disposta. O Buster é irmão de ninhada da Becky, um matulão divertido e cheio de vida, um CPA preto-afogueado de máscara cerrada. Apesar da sua envergadura corre para os obstáculos com alegria e depressa aprende. Não se acobarda perante os cães mais velhos e tem um apetite voraz. Como a Teresa é zelosa e cumpridora, ao contrário de uma ex-colega de liceu que nós conhecemos, estamos convencidos que o binómio vai evoluir segundo a qualidade da líder e de acordo com a carga genética do cachorro.

SÁBADO PRÁTICO E DOMINGO TEÓRICO

Apesar de tudo o que tem sido dito, com avaliação ou não, os professores merecem-nos o mais profundo respeito, porque não é fácil, ano após ano, retornar ao princípio, manter o mesmo ânimo e acreditar que tudo ainda é possível. Bem hajam! Connosco passa-se o mesmo, mais uma vez fomos invadidos por uma nova classe de cachorros, 5 novos CPAS: 4 da prole da Xita e 1 de outra procedência. São eles: o Buster, a Bonnie, a Babel, a Becky e a Shara. Cães novos obrigam à repetição já gasta dos procedimentos e ao retomar dos textos tantas vezes ouvidos. Lá vamos nós mais uma vez! A cachorrada está firme e apresenta-se bem, todos foram convenientemente instalados e procuram agora a sua capacitação. A todos foi receitado o “pré-treino”, porque todos são urbanos e passam a maior parte do tempo sozinhos.

Sábado foi dedicado às aulas práticas e à divisão de classes, Domingo foi maioritariamente teórico. Trabalhámos os 4 turnos e dotámos os cachorros do material necessário. A ginástica remeteu-se a alguns obstáculos de endurance e aos do perímetro exterior. A obediência reportou-se aos automatismos de imobilização e direcção de uso mais frequente. Finalmente tivemos a participação da Dª Cristina Maria Moura, esposa do Sr. João Moura e proprietário do Canil Monte do Pastor. Infelizmente não pudemos usufruir muito da presença dessa senhora, porque a Joana, sua filha, só ao regressar a casa, é que reparou que não tinha levado a chave. Acto contínuo: lá vai a Família Moura de charola! Como seríamos felizes se a Joana sempre nos surpreendesse pela positiva! Será que não está na hora?

Esta semana estivemos sem notícia do Luís Leal, o Zorro permaneceu no abrigo e a Isabel Silva encolheu-se à chuva. O Sr. João Franco, importunado pela obesidade e fustigado pela falta de apetência, sempre precisa de um empurrãozinho para se fazer presente, estará doente? O Gonçalo prometeu aparecer no Domingo mas não disse em qual. Desta vez a Elisabete trouxe o material de treino e o Roberto não trouxe o Turco. O Octávio ficou em casa a instruir o Manel e o Pedro Costa a cuidar dos filhos. O Pedro Almeida Rocha teve outros afazeres e não acompanhou o pai, privando-nos da sua camaradagem e simpatia. A Clara trouxe no Domingo uma amiga sua e o Rodrigo só trabalhou no Sábado. Apesar de tudo, foi um fim-de-semana recordista: 21 binómios presentes.

Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: Alexandra/Abu, Américo/Becky, Ana/ Loki, Bruno/Pepe, Carla/Shadow, Carla Abreu/Nina, Clara/Shara, Eduardo/Micks, Elisabete/Lua, Francisco/Luna, Gonçalo/Gaspar, Joana/Flikke, João Moura/Bonnie, Jorge/Juvat, Princesa/Ricky, Roberto/Teka II, Rodrigo/Tarkan, Teresa/Buster, Vítor Hugo/Yoshi e Zé Gabriel Master e Menina.

domingo, 17 de janeiro de 2010

O CÃO DE GUARDA

São muitos os que procuram cães de guarda, apesar da maioria desnecessitar deles e pouco ou nada ter para guardar, a não ser os seus medos e o incómodo da sua própria pessoa. Pensa-se erroneamente que um cão de guarda é aquele que morde a torto e a direito, que a ataca a própria sombra e que nem as estrelas lhe escapam. Os mais sensatos não encontram razão para a morte dos seus cães e os mais imaturos, quer sejam novos ou velhos, servem-se deles para se afirmar. Os menos doutos confundem as atribuições ou especificidades dos cães de protecção civil, não sabendo diferenciar entre aquilo que é um cão de guarda, um cão de alarme (vigia) e um cão de defesa pessoal, misturando competências e confundindo tarefas ou reacções, o que leva à escolha do cão errado para a tarefa pretendida. A maioria dos cães encontra-se licenciada como cão de guarda, porque tem sido mais barato e as autoridades competentes não têm procurado a relação cão-propriedade. Neste texto deixaremos algumas dicas sobre o cão guardião, um indivíduo excepcional e por isso mesmo menos visível, que carece de forte autoridade e de treino aturado, que nasce para o ofício e que sempre necessitará de aprimoramento, considerando os diferentes locais de vigia e o particular de cada um dos seus ecossistemas.

A compra do cão deverá considerar o particular do local onde irá ser instalado, porque as adaptações sempre induzem ao menor rendimento ou ao desaproveitamento do potencial individual canino. E porque não existe nenhum cão de guarda “todo o terreno” sem o complemento humano, importa ter em conta as seguintes condições: o ecossistema da propriedade, o número de metros quadrados a guardar, o tipo de solo, os horários de vigilância e a delimitação do perímetro a guardar. É importante atentar para o ecossistema da propriedade, nomeadamente para as temperaturas mensuráveis no local e para a sua policromia, porque a média das temperaturas encontradas indicar-nos-á qual o tipo de pelagem necessário ao cão (pêlo duplo para o frio; pêlo curto para o calor). Como a policromia das cores locais deve garantir a camuflagem do animal, o cão deverá ter uma cor de acordo com ela, possibilitando a abordagem de surpresa e dificultando a sua detecção à distância. Existe uma relação entre o peso do cão e o número de metros quadrados a guardar. Nos perímetros superiores a 140 metros exige-se um cão rápido e nos iguais ou inferiores um menos veloz. Se a área for diminuta, a nossa opção deverá recair sobre um animal mais pesado e de forte presença física. Se o perímetro obrigar a um cão veloz é conveniente que este tenha uma estrutura ligeira e pés de lebre. O tipo de solo indicar-nos-á, consoante seja arenoso ou duro, solto ou macio, que tipo de pés deverá ter o cão, porque os deverá ter de acordo com o terreno que pisa. Para os pisos mais soltos aconselham-se cães com pés redondos e grandes, para os mais duros pés mais finos e ovalados. Esta adequação possibilita ainda a deslocação silenciosa. Os horários da vigilância indicar-nos-ão qual a cor exigível ao guardião e o modo de abordagem ou reconhecimento requerido (se ao ouvido ou ao olfacto). É de todo desejável que o cão execute a detecção pelo olfacto, mas que ao mesmo tempo tenha uma visão e audição superiores. Se o serviço de vigilância for exclusivamente nocturno, importa optar por um cão o mais escuro possível. As propriedades apresentam diferentes delimitações e isso deve implicar na escolha acertada do cão. Se a propriedade for rodeada por muros, convém instalar nela um cão que se desloque de cabeça levantada e que seja um “amarinhador” nato, para desencorajar de imediato qualquer tentativa de transposição, quer intruso desça ou tente escapar-se. Atenção: nenhum muro deverá ter menos de 2 metros de altura, considerando a permanência do animal e a intrusão de cães alheios. Caso a propriedade seja delimitada por cercas de rede ou arame, o cão deverá ser grande e de tonalidade escura, para que a sua súbita apresentação iniba ou invalide qualquer tentativa de transposição ou abordagem. Antes de comprar o cão há que considerar a propriedade, porque a morfologia do animal deverá harmonizar-se com ela. A isto se chama um casamento perfeito!

Na selecção, o cão de guarda deverá obedecer aos seguintes marcadores psicofisiológicos: perfil psicológico ente o muito dominante e o dominante, fortes impulsos ao poder, à luta e ao movimento, ser convexo e evidenciar bons aprumos, ter uma altura entre os 60 e os 68 cm, ter um CAP (relação da envergadura) entre 1.7 e 1.8, apresentar média angulação e um peso entre os 33.3 e os 45 kg. Dever ter uma velocidade mínima instantânea de 36 km/h e uma força mandibular acima dos 30 kg. Os seus ritmos vitais devem ser baixos e ser portador de uma excelente máquina sensorial. Excepcionalmente pode ser uma cadela. E tudo isto porquê? Porque o cão irá trabalhar isolado e entregue a si próprio, distante do seu líder e para além da acção do seu estímulo. Os cães côncavos devem ser dispensados deste serviço, quer a anomalia se reporte ao dorso, ao particular dos seus aprumos ou dedos, porque o seu tempo de reacção é impróprio, trabalham debaixo de esforço, incorrem em lesões, necessitam de mais tempo para a recuperação e com o tempo tornam-se menos activos. É evidente que há excepções, contudo a longevidade do serviço fica comprometida. O desprezo pelos cães pequenos, normalmente bem usados como animais de alarme, fica a dever-se ao desrespeito geral, porque intimidam pouco e podem ser projectados para parte incerta. À parte disto, vêem dificultada a sua acção de vigilância pela precariedade do seu tamanho. Os cães acima dos 68 cm são geralmente pernaltos e quando o não são, o peso causa-lhes graves entraves operacionais. O CAP (coeficiente altura-peso) que nos é dado pelo estalão de cada raça (existem alguns incompletos ou inconclusivos) encontra-se pela divisão da altura média pelo peso médio, adiantando a relação saudável ou natural da envergadura. Os cães mais leves são de mais fáceis de eliminar e suportam com dificuldade o contra-ataque. Mesmo que sejam uns autênticos “pega-pega” e por demais activos. É importante relembrar que não estamos a falar de guarda desportiva, aqui o espectáculo é outro, porque o intruso encurralado tudo fará para eliminar o cão, na perspectiva emergente do “entre a espada e a parede”. Importa não esquecer que o cão de patrulha, porque parte acompanhado ou vai uns metros adiante do seu condutor, é um rondante e o cão de guarda é um sentinela. Fictício por fictício: o wrestling é melhor e raramente causa vítimas! Os cães muito angulados e os de recta angulação são indesejáveis para o ofício guardião, porque os primeiros demoram na transição da marcha para o galope e os segundos estoiram-se mais depressa, havendo alguns de baixa cadência nesse andamento. Necessita-se um arranque pronto e imediato. A procura da velocidade instantânea canina igual ou superior aos 36/km/h prende-se com a perseguição e captura dos intrusos, que geralmente partem adiantados e ganham asas, transcendendo-se por força das circunstâncias, independentemente de se apresentarem drogados ou não. Os assaltantes isolados de residências são geralmente gente jovem que confia na agilidade e celeridade dos seus movimentos. Os ritmos cardíaco e respiratório do cão de guarda devem ser de baixa frequência, para lhe possibilitar o maior número de acções durante o alongado período de vigilância e não denunciarem a sua presença, porque à noite tudo é mais audível. É imprescindível para o cão de guarda uma excelente máquina sensorial, porque sem esse apetrecho é surpreendido, vira um saco de pancada ou ignora tudo à sua volta. No nosso entender o cão guardião não deve ladrar em demasia, porque se torna vulnerável ao denunciar a sua presença. Os cães de caça devem ser dispensados deste serviço, porque o instinto de caçar pode contribuir para a sua distracção e posterior captura. Algumas cadelas podem constituir-se em cães de guarda, quando a trabalhar isoladas e libertas do cio. A junção de cão e cadela no mesmo trabalho poderá ou não colocar em fuga uma cadela intrusa, das comummente usadas para a distracção dos guardiães. Mesmo assim, convém minimizar os efeitos da matilha, mais apostados na hierarquia e menos indutores ao serviço. Pelo que nos foi dado a observar, a hierarquia canina e lupina é patriarcal, somente o lobo da Etiópia assenta sobre uma estrutura matriarcal, constituindo por isso uma excepção. Gente conceituada no mundo da cinotecnia defende a castração dos cães para guarda, tal parecer não é o nosso, porque a perca duma função leva ao envelhecimento precoce de outras. Quando se compra um cachorro para guarda há que considerar os seus progenitores e demais ascendentes, atentar para as tabelas de crescimento da raça e proceder à instalação doméstica exigível. Propositadamente, atendendo à delicadeza do assunto e aos destinatários deste Blog, omitimos outras considerações.

Se considerarmos a experiência de vida como treino propriamente dito, reconhecendo em simultâneo a importância ambiental no adestramento, então a correcta instalação doméstica reveste-se de particular importância, porque aproveita, desenvolve e capacita o património genético do cachorro, constituindo-se em experiência directa e meta indutora ao futuro objectivo. Ainda que muita gente se esqueça disso e persista no erro, o cão é uma opção familiar, mais um membro do seu agregado e que obriga ao empenho colectivo mercê da novidade. A instalação doméstica engloba tarefas sociais e pedagógicas que não podem ser ignoradas, tais como: o estabelecimento de vínculos afectivos, o concurso à recompensa, o desenvolvimento do impulso ao conhecimento canino, a sociabilização e as regras de convivência com as pessoas, a relação tratamento-treino, a constituição de elementos neutros, o uso de brincadeiras e brinquedos pedagógicos, a atribuição do espólio, o reforço da liderança, o cuidado no contacto com os outros cães e as medidas preventivas contra o suborno e o envenenamento, e a lista não se esgota aqui. Como ser social que é, o cão funciona a exemplo e sempre dependerá da qualidade dos seus mestres, da sua atenção e reparo. Entendemos nós e nisto temos sido aprovados, que a instalação doméstica deve acontecer de dentro para fora, da habitação para o jardim e dele para a restante propriedade, de acordo com o desejo do cachorro e segundo o seu crescimento, no período decorrente entre os 2 e 4 meses de idade. Com isto estabelecem-se os necessários vínculos afectivos, adquire-se um conhecimento mais tangível do cachorro, opera-se o reforço da liderança e estabelece-se a necessária relação entre o tratamento e o treino, para além de se diminuir a resistência causada pela adaptação que tende à constituição de carências, traumas, vícios ou menos valias. Contrariamente ao que muitos proclamam e fazem, nós defendemos o desenvolvimento do impulso ao conhecimento canino para além dos subsídios comummente usados (tenacidade no morder) e fazemo-lo pela experiência variada e rica, como medida acessória ao rendimento procurado, diminuindo assim a incidência de acidentes e disparates, porque uma capacidade leva a outra e isso só possível pelo aumento da experiência, que aposta na versatilidade do cão, prepara-o para a novidade das situações e torna-o particularmente observador. É aqui que entra o nosso Quadro de Crescimento Funcional, um conjunto de metas a atingir de acordo com a idade do cachorro, que para além da submissão às disciplinas clássicas cinotécnicas procura outras aptidões desprezadas ou omitidas no treino do cão de guarda. E nisto a recompensa tem um importante papel a desempenhar, porque o bicho visa a aprovação e tudo faz para nos agradar.

Podemos juntar a sociabilização e as regras de convivência com as pessoas à constituição de elementos neutros, porque são metas que apontam para o mesmo objectivo: a formação do guarda. Esta formação tem regras elementares que contribuem para a elevação do estatuto do cão e definirão o seu viver social. A primeira coisa a alcançar é a tríplice sociabilização (com as pessoas, entre iguais e com os restantes animais). Como a familiarização antecede a sociabilização propriamente dita, importa que o cachorro circule indiferente no meio das pessoas, ignore os outros cães e despreze os animais domésticos e silvestres, evoluindo fixado no dono e estritamente sujeito à sua liderança. A sociabilização com as pessoas só deve acontecer dos portões para fora, nos passeios diários, evitando-se os atropelos e exageros dos bajuladores, nunca no futuro perímetro a guardar, para que não se transforme num lugar social e de amena cavaqueira, num local onde o cão recebe as visitas e espera ser apaparicado. Como o território pertence apenas à família adoptiva e ao bicho, sempre que houver visitas ocasionais, o animal deve ser fechado no canil para que não se acostume a dividir o território e venha a desprezar o seu policiamento. Esta regra tem um duplo objectivo: a salvaguarda das pessoas e a eliminação de futuros entraves operacionais. Ainda que não seja o dono a confeccionar o penso do cão, só a ele cabe a sua distribuição e a mais ninguém, mais vale comprar um doseador de ração do que operar a submissão do cão, porque o dono da comida é o seu patrão. A exclusividade desta relação de dependência propicia a atempada constituição binomial, que deve acontecer antes da inscrição escolar. À excepção do dono, ninguém deve dar guloseimas ao animal, nem mesmo água, porque o desejamos impoluto e incorruptível, liberto de armadilhas e sempre atento. A constituição de elementos neutros tenta reproduzir os benefícios oferecidos pela matilha, colocando o cão no seu topo e fortalecendo o seu apego ao poder. Como dissemos atrás, a opção pelo cão guardião é familiar e cabe aos seus membros um papel importantíssimo: o de serem elementos neutros, membros da matinha de substituição, gente que se coloca em pé de igualdade com o animal, que o ajuda a crescer, brinca com ele e que não lhe dá ordens. Caso contrário, se todos mandarem no cão, duas coisas podem acontecer: ou o bicho desprezará toda e qualquer autoridade ou ver-se-á relegado para um lugar social impróprio para as suas funções. Cabe aos elementos neutros fundamentar e fomentar a dominância do animal, dando-lhe sempre a vitória nos jogos e brincadeiras, porque não se pretende atrapalhar o potencial genético, mas sim aproveitá-lo e desenvolvê-lo. Mais tarde, assim tem sido a nossa experiência, porque os considera membros do seu bando, não hesitará em defendê-los, tomando muitas vezes o seu partido. Retomando a temática da sociabilização com os outros animais, temos aconselhado a aquisição em simultâneo do cachorro guardião e dum gatinho. A estratégia tem-se revelado válida e a prestação canina mais eficaz. Atendendo à extensão do tema e do parágrafo, evitámos maiores detalhes e outras considerações.

Espólio, brincadeiras e brinquedos pedagógicos. Todos os cachorros fazem o seu espólio e não raramente são entendidos como delinquentes ou marginais. Eles roubam e transportam meias, chinelos, ferramentas e outros acessórios ou pertences dos seus donos, mormente aqueles que têm em maior estima. Geralmente transportam a essa carga para o seu local de descanso ou pernoita e dormem com ela a seu lado, desprezando muitas vezes os brinquedos comprados para esse fim. Essas cangalhadas são troféus para o cachorro e ele não hesitará em ostentá-las nas suas incursões como prémio do seu labor. Uma coisa é certa: quanto maior for o espólio, melhor será o guardião. O fenómeno tem breve duração e deverá ser aceite, porque espelha o esforço de integração do animal, a sua aceitação do lar adoptivo e o desejo de ter o dono por perto, já que furta tudo aquilo que tem o seu cheiro. À parte disto, o cachorro revela o seu instinto de caça e presa, evidencia o seu impulso ao poder e desnuda o seu quadro de aptidões. Ele precisa do espólio para se sentir bem. Mais tarde, quando chegar a hora da excursão, procurará outros troféus, tal qual rei a exibir as suas conquistas. Estranhamente, temos visto por aí boa gente, a receitar umas valentes cacetadas com um jornal para a irradiação do fenómeno. O cachorro deve ser ensinado a partir do seu espólio e os brinquedos destinados aos cães são versões optimizadas (industriais) tiradas a partir dele. A meia que o cachorro puxa não terá o mesmo propósito do nó de corda? Ainda que a maioria dos retalhistas desconheça qual o uso a dar-lhes e os tenha porque se vendem, todos os brinquedos destinados aos cães têm um propósito pedagógico específico, não raramente para além do uso que justifica a procura. Reconhecendo a importância do espólio e a sua transferência para os brinquedos, o número destes carece de ser aumentado e actualizado, porque a sua novidade aponta para a melhor solução canina. E neste sentido, não podemos cingir-nos ao simples nó de corda, ao usual churro ou ao corriqueiro haltere, desprezando outros que contribuem para a eficácia das acções policiais. Como nas lojas da especialidade os brinquedos sucedâneos raramente existem, face à sua necessidade, ao desenvolvimento laboral e à sua especificidade, não nos sobra outro remédio senão fabricá-los. Aconselham-se todos os brinquedos que possibilitem diversos modos de transporte e convidem a diferentes equilíbrios, dando-se preferência aos interactivos porque todos oferecem a sua procura, captura e transporte. Tanto a procura do dono como a do brinquedo devem ser incentivadas e instaladas, porque antevêem a detecção e possibilitam o modo de abordagem correcto. Como o assunto é vasto, não tratámos aqui um sem número de pormenores, remetendo-nos apenas à transmissão do essencial segundo o nosso parecer.

As medidas contra o suborno e o envenenamento. Para além da proibição aos estranhos e aos elementos neutros de alimentar e refrescar o cão, outras medidas preventivas devem ser aplicadas para se evitar a sua eliminação, porque “pela boca morre peixe” e não queremos que isso suceda. A primeira coisa a fazer é comprar um comedouro e bebedouro regulável. O bordo superior de ambos deve encontrar-se a 5 cm abaixo da altura do animal, para que se desacostume a comer do chão, não venha a selar-se, não prejudique os seus metacarpos e mantenha os necessários índices de alerta e prontidão. A maioria destes acessórios à venda no mercado é própria para cães de apenas 55 cm de altura. Não havendo outros, há que aumentar a sua haste central por substituição ou complemento. Esta medida preventiva visa minorar os riscos de envenenamento e o cachorro deve comer sempre no mesmo lugar. Até a distribuição de guloseimas no lar deve obedecer a este princípio e acontecer no mesmo sítio. Quando a churrasqueira doméstica estivar em funcionamento, o cachorro deverá ser afastado dele ou encerrado no canil, sendo solto após a limpeza geral e depois de minuciosa revista, quando nada restar do petisco havido. Cuidado com os vizinhos e com as visitas de casa, em especial os idosos e as crianças, porque os primeiros adoram dar de comer aos cães e os segundos deixam as suas guloseimas por toda a parte. Solicita-se o mesmo cuidado com os empregados domésticos (eventuais ou permanentes). Mesmo no agregado familiar, apesar dos sérios avisos, os mais irreverentes e sensíveis tendem a dar comida à socapa, a coberto da toalha e por debaixo da mesa. Quando isso suceder, devem ser confrontados com o risco da sua leviandade, sendo-lhes relembrado que a morte do animal espreita. O procedimento fará com que o cão aguarde pela comida no local certo, deixe de ser pedinchão, se dedique somente à vigilância e afaste os intrusos da área do seu repasto. Nos passeios diários e na evasão, os caixotes do lixo devem ser evitados e o giro deve afastar-se de talhos e restaurantes. O caixote do lixo doméstico deve encontrar-se sempre fechado e fora do alcance do animal, ninguém deve deixar comida sobre a mesa, o frigorífico aberto e o lanche sobre as cadeiras. Relembramos: o cão é uma opção familiar e uma responsabilidade de todos.

A coabitação com outros cães e a rendição do cão de guarda. Há que estabelecer uma clara distinção entre matilha animal e matilha funcional, porque são coisas distintas e não concorrem para o mesmo fim, podendo obstar uma à outra e comprometer o policiamento desejável. O escalonamento social canino encontra-se ligado a vários factores: ao sexo, à idade e à robustez física pelo contributo dos impulsos inatos que os sustentam. Havendo já um cão residente, cujo demérito é por demais evidente, não convém juntar-lhe o cachorro recém-chegado, porque o mais novo submeter-se-á e copiará em tudo o seu mestre e líder, evidenciando os mesmos deméritos ou temores, impropriedades ou incapacidades, porque o melhor exemplo para um cão é outro cão e neste caso tal é indesejável por ser impróprio (matilha animal). Perante esta situação e antes que se percam os dois, importa separar o cachorro do outro, atribuir-lhe um novo canil e um espaço próprio. Eles podem e devem conviver um com outro mas sempre debaixo da fiscalização do líder, que impedirá a supremacia do cão mais velho. A instrução em separado, uma vez operada a capacitação do mais novo e isto acontece tantas vezes, possibilitará a recuperação do mais velho pela inversão do exemplo, tornando-o mais apto e pronto para o trabalho de equipa (matilha funcional). Se porventura se verificar o contrário, ser o cão mais velho habilitado para o serviço, há que considerar o seu ciúme e evitar as escaramuças possíveis entre eles, particularmente depois dos 10 meses do cão mais novo, altura em que o adulto já o considera um mancebo concorrente e um jovem a meter na ordem. Mais vale escalar o serviço (atribuir horários de policiamento distintos) do que desancar o cão mais velho e desautorizá-lo, porque essa despromoção social poderá implicar na utilidade do seu serviço. O treino conjunto contra cobaia tende a resolver o problema e assiste-se ao reforço das acções individuais; a sua ausência provoca a luta pela atenção do dono, porque todo o cão de guarda que se preza é territorial por excelência. Um pouco antes dos 6 anos de idade do guardião deve pensar-se na sua rendição, na aquisição de um novo cachorro para garantir a continuidade do serviço, porque a partir dos 8 anos, mesmo que o cão não dê mostras disso, a guarda passa a ser-lhe penosa e mais difícil de abraçar. O cão na meia-idade torna-se mais tolerante e isso é uma mais-valia para o cachorro a instruir. A coabitação operacional de vários cães de guarda é trabalho para especialistas e ultrapassa o objectivo central deste artigo.

Um cão de guarda médio apresenta os seguintes índices atlético-operacionais (entre outros): apneia 6 segundos, aptidão de trabalho entre os - 4 e os 28 graus centígrados, com percentual mínimo de humidade de 15% e até 800 metros de altitude, autonomia (privação de alimento) 72 horas, cadência de marcha 7.8 km/h, capacidade eficaz de trabalho 4 horas, capacidade de trabalho possível 8 horas, força de impacto 130 kg, força de mordedura 90 kg/cm3, força de tracção 40 kg, força de transporte 4 kg, salto de paliçada 1.8 m, salto de vala 2.2 m, salto em extensão 3.25 m, salto vertical 1.2 m, ritmo cardíaco entre as 60 e as 85 pulsações por minuto (em descanso), tempo de recuperação 5 minutos, velocidade instantânea 36/km/h e velocidade natatória 2 m/s. Estes indíces atléticos são comummente desprezados no treino do cão de guarda, o que limita a sua acção, autonomia, resistência e qualidade de serviço. Alguns deles fazem-se presentes nalguns métodos de ensino e outros, injustificadamente, só serão alcançados e mensuráveis noutras disciplinas cinotécnicas. Pegou a ideia do treino elementar do cão guarda, vocacionado para a brevidade, condenado à ficção e entregue à fortuna. Não é de estranhar que muitos cães sejam eliminados, alguns mesmo antes de entrarem em acção. Os criminosos de Leste que aqui chegaram encapotados de emigrantes, alguns ex-membros de tropas de elite nos seus países, são especialistas em eliminar cães e a alguns “chamam-lhes um figo”. Cada um destes índices possibilita o aparecimento ou o desenvolvimento de outro, contribuindo todos para um melhor desempenho e para a longevidade do ofício. Arredar o cão de guarda da ginástica é o maior dos disparates, porque os dentes não trabalham sozinhos e não vão adiante sem o contributo dos pés, o corpo só suporta aquilo que o coração aguenta e o ânimo só se mantém pelas vitórias alcançadas. Infelizmente os cães não têm perspectiva de futuro. A falta de disponibilidade dos donos quando somada à arte de amestrar cães pariu e pare o fenómeno. A maioria dos cães que nos caiu em mãos ultrapassou em muito esses valores, justificando o nosso trabalho e sustentando o nosso bom-nome. Poucos deles poderão ser alcançados sem qualquer tipo de treino, muito embora a propensão natural de alguns possa surpreender muitos. O alcance destes valores reporta-se a um tempo mínimo de treino de 14 meses, sendo iniciado entre os cachorros com 4 meses de idade, com uma frequência de 4 sessões de treino semanais pelo contributo dos diferentes ecossistemas e pelo concurso de diversos agentes de ensino. Reafirmamos a ideia: a maioria das pessoas não necessita de cães de guarda!

Treino específico, recapitulação, instalação e actualização. Os indíces indicados no parágrafo anterior são acessórios, parte antecedente e estímulo para o trabalho específico, funcionando como sustentáculo das tarefas a levar a cabo. Devido à extensão dos requisitos do treino específico não os analisaremos caso a caso, somente os essenciais e aqueles menos perceptíveis para os leitores no geral. Com isto evitamos também a maçada que os levaria ao cansaço. São objecto do treino específico os seguintes conteúdos de ensino decorrentes da observação do Quadro de Crescimento Funcional: recuperação e desenvolvimento do sentimento territorial; fixação exclusiva na pessoa do dono; uso, transporte, captura e entrega do churro; potenciação da mordedura; transporte e tracção; induções defensiva e ofensiva; acções nocturnas e diurnas; guarda do automóvel, outros bens ou pertences; habituação aos disparos, ataque lançado à manga e ao fato com arma branca ou arma de fogo; acompanhamento e perseguição; operação dos diversos tipos de abordagem; uso de diferentes linguagens; contra-ordem; ensino das diferentes imobilizações; manobras de distracção; contra-ataque armado; cessação automática das acções ofensivas; ronda e marcação do percurso; progressão desenfiada; manobras de evasão; defesa contra sprays e recusa de engodos. Desde 2004 que este currículo entrou em desuso entre nós, por nos dedicarmos em exclusivo à reeducação, à obediência, à endurance e à ginástica correctora. A cessação automática das acções ofensivas obriga ao travamento automático dos ataques caninos. O contra-ataque armado é uma manobra de capacitação que consiste no arranque em simultâneo do cão e do figurante, sofrendo o cão igual impacto àquele que provoca. O ataque com arma branca ou com arma de fogo serve para ensinar ao cão o desarme do agressor. A progressão desenfiada (que é um trabalho aturado) tem como objectivo ensinar uma progressão que dificulte a pontaria dum agressor armado e a consequente eliminação do cão. As manobras de evasão são um conjunto de exercícios que procuram a libertação do cão quando capturado. Delas faz parte o corte de corda e a libertação do dono amarrado. A recusa de engodos segue os procedimentos já instalados no lar de adopção e anteriormente explicados. O uso de diferentes linguagens possibilita a abordagem segura do cão e a salvaguarda do seu dono. A contra-ordem é uma decorrência exclusiva da fixação na pessoa do dono, o cão ensurdece-se para as ordens de outros, mesmo daqueles que conhecem os automatismos, dominam os códigos e usam dos mesmos procedimentos. Procura-se com isso o uso exclusivo do cão. As manobras de distracção reproduzem no treino as armadilhas mais conhecidas a que os cães de guarda estão sujeitos, procura-se a supressão do logro e um modo de identificação e abordagem mais seguros. O ensino das diferentes imobilizações tem dois propósitos: a esquiva do cão e a defesa do dono. A defesa contra sprays visa o afastamento do animal desses utensílios, ensinando-o a avisar numa distância média de 5 metros dos portões ou a afastar-se deles imediatamente após a sua apresentação, não abandonando contudo as acções policiais e esperando a altura certa para contra-atacar. O treino do transporte e da tracção são acções típicas de resgate e socorro. A operação dos diversos tipos de abordagem pressupõe estratégias de ocultação e surpresa, tiradas a partir de figuras excepcionais como o “rastejar e o “escavar”. Ao treino específico segue-se a recapitulação e só depois se procederá à instalação do cão de guarda. De qualquer modo, todos os conteúdos de ensino carecem de actualização, porque o engenho humano não para de os surpreender. Considerando o aumento da delinquência, o livre acesso a este Blog e a salvaguarda dos cães anteriormente instalados, omitimos conteúdos e escusámo-nos a maiores explicações. Não obstante, o treino específico deve considerar a realidade, porque os ladrões não andam fardados de “Zé Pereiras”, não trazem um chouriço à bandoleira, têm duas mãos e não carregam nenhuma manga debaixo do braço.

Dispensando a enumeração dos exercícios, aparelhos e obstáculos de ginástica, cujos resultados publicitámos dois parágrafos atrás, porque são trabalho de laboratório, passamos de imediato à obediência que suporta a actividade policial canina, enquanto seu esqueleto e meio de apropriação, porque a guarda sem obediência é um tiro no escuro, uma aberração fratricida e um pau de dois bicos, um ofício sem préstimo e a mais insana das loucuras. Jamais um cão pouco obediente poderá ser um bom cão de guarda e só a excelência do condicionamento conseguirá capacitá-lo de modo seguro e eficaz. E quando a obediência é curta agiganta-se a porrada e não andamos por cá a jogar ao pau com os ursos ou na cantilena do “toma lá, dá cá”. E dizemos isto porque há quem pense que a obediência seja nociva pró cão de guarda, um factor inibitório à sua boa prestação. Esta falsa premissa tende a reduzir a obediência ao elementar e a potenciar isoladamente a tenacidade da mordida, porque é mais fácil instigar do que construir, desenfrear instintos do que controlá-los. A capacitação do cão de guarda obriga à transformação dos comandos em automatismos, quer eles sejam de imobilização, direccionais ou específicos. Entre uns e outros instalamos 32 comandos na totalidade, independentemente da raça de cada cão, mercê do acompanhamento precoce e do desenvolvimento do impulso ao conhecimento canino (método da precocidade). Mais importante do que falar dessas figuras, visíveis no nosso treino do dia-a-dia, é manifestar os subsídios ou estratégias que viabilizaram e viabilizam o nosso sucesso, intimamente ligado à sua filosofia, pedagogia e prática. Na capacitação do cão de guarda abraçámos a política de integração das classes, instruindo em simultâneo todos os cães no momento do trabalho geral de cada aula, funcionando os cães adultos como agentes de ensino dos mais novos, o que facilita a sociabilização inter pares e induz às manobras de sociabilização que preconizamos, pelo benefício da instrução circular (círculo de 36 m) e pela contribuição do escalonamento escolar. Estas estratégias e manobras são indispensáveis à formação da matilha heterogénea escolar e têm um duplo objectivo: o alcance da sociabilização que possibilita a troca de alvos e o reforço da acções policiais pela prestação colectiva. O cão de guarda jamais será um cão de arena e nada tem a aprender com ele, porque se destina ao confronto interespécies e rejeita o combate entre iguais. Nisto reside a nobreza do cão guardião! Todo aquele que corre atrás de cães, gatos ou coelhos não é um verdadeiro guarda, apenas um mau empregado que teimosamente se escapa ao serviço, um individuo arredado do condicionamento e entregue aos seus instintos cuja vulnerabilidade gera insegurança e não dispensa maiores cautelas. Falar de obediência é falar de condução, porque o ensino dos cães é dinâmico e aprendem pela excursão. No nosso conceito, entendemos que a condução a instalar num guardião deve abranger 3 linguagens (verbal, gestual e corporal), 2 modos (à trela e em liberdade) e 3 tipos (linear, dinâmica e nuclear), sendo a passagem entre eles progressiva e alcançada por aprovação. A soberania das ordens deve evoluir da presença do dono para a sua ausência, do condicionamento à trela para a execução em liberdade e da parceria para a autonomia. Na transmissão da mensagem preterimos o clicker e abraçámos a linguagem gestual, porque importa salvaguardar o emitente, os pica-paus escasseiam nas cidades e raramente trabalham à noite. Eis em síntese o que é e como se constrói um cão de guarda, apto para o serviço e pronto para sobreviver.