Trata-se
um parasita intestinal presente em cães e gatos que também penetra na pele
humana “por engano”, originando uma doença considerada tropical há apenas uma
década e que é agora endémica em Espanha após um aumento do número de
diagnósticos em pacientes que contraíram a doença sem saírem do país vizinho.
Os parasitas também cometem erros, como são os casos das larvas ANCYLOSTOMA BRAZILIENSE e
ANCYLOSTOMA CANINUM,
duas espécies de nematóides que causam uma doença conhecida como LARVA MIGRANS CUTÂNEA
quando infectam uma pessoa, confundindo-a com um cão ou gato. Esta larva
precisa de chegar ao trato digestivo destes animais para completar o seu ciclo
de vida, podendo depois facilmente passar por todas as camadas da pele canina e
felina. A larva não consegue ultrapassar nos humanos a primeira camada da pele
– a epiderme – ficando presa nela. Uma vez na epiderme, à procura de acesso ao
sangue, vagueia sem rumo, deixando um rasto característico visível a olho nu,
morrendo finalmente sem atingir a fase adulta. A infecção nas pessoas é quase
sempre leve, mas sem tratamento causa uma comichão insuportável.
Como
esta larva era até há bem pouco tempo considerada como uma doença tropical,
caso um paciente não tivesse viajado para fora de Espanha, seria improvável que
o médico acertasse no seu diagnóstico. Todos os especialistas consultados
admitem que a situação mudou e António Zurita, professor do
Departamento de Microbiologia e Parasitologia da Universidade de Sevilha, adianta
possíveis causas: “Pode ser pelas mudanças climáticas, pelo maior número de
viagens, pelo facto dos médicos estarem mais familiarizados com a doença ou por
uma combinação dos três. Mas é claro que o número de casos autóctones
diagnosticados aumentou nos últimos anos.” Todos os casos de Larva Migrans têm
a sua origem no intestino delgado de cães e gatos. A Ancylostoma braziliense
afecta ambos os animais enquanto a Ancylostoma caninum afecta apenas os cães (outras
espécies de nematóides podem produzir a doença, mas é muito raro). Lá, no
intestino delgado, os espécimes adultos do parasita, que medem entre um e três
centímetros, reproduzem sexualmente. “Os animais infectados expelem milhares de
ovos pelas fezes. Se o solo for húmido, sombreado, tiver matéria orgânica e
temperatura alta, dentro do ovo vai formar-se uma larva, que poderá desenvolver-se
até medir 300 mícrons [1 mícron é a milionésima parte de um milímetro] e tornar-se
infectante”, observou o clínico atrás mencionado.
Se
um cão ou um gato vaguear, pisar ou se deitar num solo contaminado, a larva
continuará a sua jornada, enterrando-se na pele do animal até atingir o seu
sistema circulatório e os pulmões, seguindo dali para as vias respiratórias superiores.
Ao engolir, o próprio animal irá ajudar o parasita a chegar ao intestino
delgado, onde completará o seu desenvolvimento e dará início a um novo ciclo.
Se o mesmo acontecer com uma pessoa, provavelmente acabará com a larva migrans.
Disso conhecedores, os especialistas consideram ambientes de risco as margens
pouco ensoleiradas dos rios, assim como as lagoas e praias de água doce em áreas
quentes (o sol directo e o sal impedem o desenvolvimento das larvas). Como pomares
e jardins apresentam um risco semelhante, os especialistas recomendam que as
pessoas não andem descalças ou se sentem neles, devendo sempre usar luvas,
roupas compridas e botas nos solos húmidos. “É importante ter em mente que os
cães ou gatos infectados devem defecar numa determinada área por representarem
um risco. Por isso a doença é muito mais comum em países menos desenvolvidos
socioeconomicamente, onde as populações desses animais são menos controladas”,
dizem os especialistas. Se todos os cães e gatos que vivem em Espanha fossem
regularmente desparasitados, a espécie causadora da larva migrans estaria
erradicada do país. Assim, os especialistas recomendam primeiro desparasitar
todos os animais de estimação.
“Em
Espanha não costuma haver cães vadios, então a outra grande medida de controlo
deverá ser feita com colónias de gatos ou outras espécimes sem dono”, explica
Ana Pulido, dermatologista que dirige a clínica de infecções da pele do
Hospital Gregorio Marañón, em Madrid. Pulido diagnosticou a doença num
jardineiro madrileno de 59 anos, um dos primeiros casos ocupacionais de
Espanha, e publicou-o numa revista científica em 2019. “Ele usava botas e
luvas, mas infelizmente parte do tornozelo estava exposta, e foi aí que ele foi
infectado. O solo deve ter sido muito contaminado, provavelmente por gatos”,
explica. No início deste século, apenas especialistas em medicina tropical e
medicina do viajante estudavam a doença. O trabalho mais significativo
realizado em Espanha foi uma série de 34 casos, todos importados e diagnosticados
entre 1991 e 2002, publicados por pesquisadores já aposentados da Unidade de
Medicina Tropical do Hospital Carlos III em 2004. “Esta doença é relativamente
comum em viajantes que foram para áreas quentes e húmidas do mundo”, explica
Marta Díaz Menéndez, chefe do Unidade de Patologia e Saúde Internacional Importada
do hospital. América do Sul, Sudeste Asiático e África são, nessa ordem, as
áreas donde vem a maioria dos infectados. Só em meados da década passada é que
casos autóctones da doença começaram a aparecer nas revistas médicas espanholas.
“Lembro-me de uma conferência nacional de dermatologia há sete ou oito anos em
que comentamos que estávamos a começar a ver casos em pessoas que não haviam
saído do país. A partir daí foi crescendo o número de casos autóctones
publicados”, explicou Ana Pulido.
Em
2016, uma equipe do Hospital Universitário de Donostia (Gipuzkoa) publicou uma
série de quatro casos autóctones. Um ano depois, Altea Esteve, chefe da Secção
de Dermatologia Pediátrica do Hospital Geral de Valência, publicou o único caso
conhecido na Espanha de uma pessoa infectada duas vezes. “Era uma menininha que
ia para a creche. Na primeira vez, a infecção aconteceu no pé e na segunda vez,
cinco meses depois, foi no tronco. Aparentemente, a fonte da doença foi a caixa
de areia da creche, que deveria ter sido contaminada por gatos. Também fez
muito calor naquele ano”, diz o especialista. Até o momento, as revistas
médicas relataram cerca de 25 casos autóctones diagnosticados em toda a
Espanha, embora os especialistas concordem que isso provavelmente subnotifica o
número de infecções. “Muitos casos não são divulgados e há um notável
subdiagnóstico, pois, em seus estágios iniciais, a larva migrans pode ser
confundida com outras dermatoses”, diz Antonio Zurita. A sarna é uma das
doenças com as quais tem sido mais comummente confundida nos últimos anos;
ivermectina é um tratamento possível para ambas as condições. Francisca Gómez
Molleda escolheu este medicamento para tratar o paciente em Torrelavega.
“Existem outros tratamentos para a larva migrans, como o tiabendazol. Mas nos
últimos anos nós, médicos de atenção primária, tratamos muitos casos de sarna e
nos acostumamos a usar ivermectina. É um medicamento que não apresenta muitos
efeitos colaterais e podemos identificá-lo rapidamente, por isso é uma opção
terapêutica segura e eficaz”, concluiu.
Não sei se já há casos de Larva
Migrans Cutânea em Portugal sem ser trazida do exterior, mas sei que de Portugal
a Espanha e vice-versa é um pulo. Por vezes demoramos a diagnosticar novas
doenças e possíveis infectados, negando por vezes a sua existência por razões
políticas, quando importa serenar a população face à possível inexistência de
meios eficazes para combater uma ou mais doenças. Não é de excluir que
futuramente, devido à coabitação desregrada entre donos e animais que despreza
os cuidados higiénicos mais básicos, os cães venham a transmitir outras
infecções e doenças constituindo-se assim em vindouros focos de pandemias
(queira Deus que não!).
PS: No penúltimo parágrafo deste texto, ao falar-se de tratamento com Ivermectina, lembrei de um homem, tido como pouco ajuizado, que pediu a um veterinário que o desparasitasse com uma injecção de Ivomec no pescoço, pedido que não viu satisfeito. Será que de “médico e de louco temos todos um pouco?”
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