quinta-feira, 15 de junho de 2023

CONFIRMADA LARVA MIGRATÓRIA EM ESPANHA

 

Trata-se um parasita intestinal presente em cães e gatos que também penetra na pele humana “por engano”, originando uma doença considerada tropical há apenas uma década e que é agora endémica em Espanha após um aumento do número de diagnósticos em pacientes que contraíram a doença sem saírem do país vizinho. Os parasitas também cometem erros, como são os casos das larvas ANCYLOSTOMA BRAZILIENSE e ANCYLOSTOMA CANINUM, duas espécies de nematóides que causam uma doença conhecida como LARVA MIGRANS CUTÂNEA quando infectam uma pessoa, confundindo-a com um cão ou gato. Esta larva precisa de chegar ao trato digestivo destes animais para completar o seu ciclo de vida, podendo depois facilmente passar por todas as camadas da pele canina e felina. A larva não consegue ultrapassar nos humanos a primeira camada da pele – a epiderme – ficando presa nela. Uma vez na epiderme, à procura de acesso ao sangue, vagueia sem rumo, deixando um rasto característico visível a olho nu, morrendo finalmente sem atingir a fase adulta. A infecção nas pessoas é quase sempre leve, mas sem tratamento causa uma comichão insuportável.

Como esta larva era até há bem pouco tempo considerada como uma doença tropical, caso um paciente não tivesse viajado para fora de Espanha, seria improvável que o médico acertasse no seu diagnóstico. Todos os especialistas consultados admitem que a situação mudou e António Zurita, professor do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da Universidade de Sevilha, adianta possíveis causas: “Pode ser pelas mudanças climáticas, pelo maior número de viagens, pelo facto dos médicos estarem mais familiarizados com a doença ou por uma combinação dos três. Mas é claro que o número de casos autóctones diagnosticados aumentou nos últimos anos.” Todos os casos de Larva Migrans têm a sua origem no intestino delgado de cães e gatos. A Ancylostoma braziliense afecta ambos os animais enquanto a Ancylostoma caninum afecta apenas os cães (outras espécies de nematóides podem produzir a doença, mas é muito raro). Lá, no intestino delgado, os espécimes adultos do parasita, que medem entre um e três centímetros, reproduzem sexualmente. “Os animais infectados expelem milhares de ovos pelas fezes. Se o solo for húmido, sombreado, tiver matéria orgânica e temperatura alta, dentro do ovo vai formar-se uma larva, que poderá desenvolver-se até medir 300 mícrons [1 mícron é a milionésima parte de um milímetro] e tornar-se infectante”, observou o clínico atrás mencionado.

Se um cão ou um gato vaguear, pisar ou se deitar num solo contaminado, a larva continuará a sua jornada, enterrando-se na pele do animal até atingir o seu sistema circulatório e os pulmões, seguindo dali para as vias respiratórias superiores. Ao engolir, o próprio animal irá ajudar o parasita a chegar ao intestino delgado, onde completará o seu desenvolvimento e dará início a um novo ciclo. Se o mesmo acontecer com uma pessoa, provavelmente acabará com a larva migrans. Disso conhecedores, os especialistas consideram ambientes de risco as margens pouco ensoleiradas dos rios, assim como as lagoas e praias de água doce em áreas quentes (o sol directo e o sal impedem o desenvolvimento das larvas). Como pomares e jardins apresentam um risco semelhante, os especialistas recomendam que as pessoas não andem descalças ou se sentem neles, devendo sempre usar luvas, roupas compridas e botas nos solos húmidos. “É importante ter em mente que os cães ou gatos infectados devem defecar numa determinada área por representarem um risco. Por isso a doença é muito mais comum em países menos desenvolvidos socioeconomicamente, onde as populações desses animais são menos controladas”, dizem os especialistas. Se todos os cães e gatos que vivem em Espanha fossem regularmente desparasitados, a espécie causadora da larva migrans estaria erradicada do país. Assim, os especialistas recomendam primeiro desparasitar todos os animais de estimação.

“Em Espanha não costuma haver cães vadios, então a outra grande medida de controlo deverá ser feita com colónias de gatos ou outras espécimes sem dono”, explica Ana Pulido, dermatologista que dirige a clínica de infecções da pele do Hospital Gregorio Marañón, em Madrid. Pulido diagnosticou a doença num jardineiro madrileno de 59 anos, um dos primeiros casos ocupacionais de Espanha, e publicou-o numa revista científica em 2019. “Ele usava botas e luvas, mas infelizmente parte do tornozelo estava exposta, e foi aí que ele foi infectado. O solo deve ter sido muito contaminado, provavelmente por gatos”, explica. No início deste século, apenas especialistas em medicina tropical e medicina do viajante estudavam a doença. O trabalho mais significativo realizado em Espanha foi uma série de 34 casos, todos importados e diagnosticados entre 1991 e 2002, publicados por pesquisadores já aposentados da Unidade de Medicina Tropical do Hospital Carlos III em 2004. “Esta doença é relativamente comum em viajantes que foram para áreas quentes e húmidas do mundo”, explica Marta Díaz Menéndez, chefe do Unidade de Patologia e Saúde Internacional Importada do hospital. América do Sul, Sudeste Asiático e África são, nessa ordem, as áreas donde vem a maioria dos infectados. Só em meados da década passada é que casos autóctones da doença começaram a aparecer nas revistas médicas espanholas. “Lembro-me de uma conferência nacional de dermatologia há sete ou oito anos em que comentamos que estávamos a começar a ver casos em pessoas que não haviam saído do país. A partir daí foi crescendo o número de casos autóctones publicados”, explicou Ana Pulido.

Em 2016, uma equipe do Hospital Universitário de Donostia (Gipuzkoa) publicou uma série de quatro casos autóctones. Um ano depois, Altea Esteve, chefe da Secção de Dermatologia Pediátrica do Hospital Geral de Valência, publicou o único caso conhecido na Espanha de uma pessoa infectada duas vezes. “Era uma menininha que ia para a creche. Na primeira vez, a infecção aconteceu no pé e na segunda vez, cinco meses depois, foi no tronco. Aparentemente, a fonte da doença foi a caixa de areia da creche, que deveria ter sido contaminada por gatos. Também fez muito calor naquele ano”, diz o especialista. Até o momento, as revistas médicas relataram cerca de 25 casos autóctones diagnosticados em toda a Espanha, embora os especialistas concordem que isso provavelmente subnotifica o número de infecções. “Muitos casos não são divulgados e há um notável subdiagnóstico, pois, em seus estágios iniciais, a larva migrans pode ser confundida com outras dermatoses”, diz Antonio Zurita. A sarna é uma das doenças com as quais tem sido mais comummente confundida nos últimos anos; ivermectina é um tratamento possível para ambas as condições. Francisca Gómez Molleda escolheu este medicamento para tratar o paciente em Torrelavega. “Existem outros tratamentos para a larva migrans, como o tiabendazol. Mas nos últimos anos nós, médicos de atenção primária, tratamos muitos casos de sarna e nos acostumamos a usar ivermectina. É um medicamento que não apresenta muitos efeitos colaterais e podemos identificá-lo rapidamente, por isso é uma opção terapêutica segura e eficaz”, concluiu.

Não sei se já há casos de Larva Migrans Cutânea em Portugal sem ser trazida do exterior, mas sei que de Portugal a Espanha e vice-versa é um pulo. Por vezes demoramos a diagnosticar novas doenças e possíveis infectados, negando por vezes a sua existência por razões políticas, quando importa serenar a população face à possível inexistência de meios eficazes para combater uma ou mais doenças. Não é de excluir que futuramente, devido à coabitação desregrada entre donos e animais que despreza os cuidados higiénicos mais básicos, os cães venham a transmitir outras infecções e doenças constituindo-se assim em vindouros focos de pandemias (queira Deus que não!).

PS: No penúltimo parágrafo deste texto, ao falar-se de tratamento com Ivermectina, lembrei de um homem, tido como pouco ajuizado, que pediu a um veterinário que o desparasitasse com uma injecção de Ivomec no pescoço, pedido que não viu satisfeito. Será que de “médico e de louco temos todos um pouco?”

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