sexta-feira, 18 de novembro de 2022

NÓS POR CÁ - MARCELLUS: PANEM ET CIRCENSES

 

Estou convencido que o nosso povo é por demais esquecido, que o tempo nele tudo cura, que é naturalmente crédulo e conformado, quiçá apimentado com alguma inveja, naturalmente fatídico, profundamente saudoso e messiânico, porque doutro modo não se deixaria enganar facilmente com beijos e modelos já gastos. Quando olho para os meus livros da escola primária, que mereceram uma reedição recente para os mais saudosistas, lembro-me imediatamente da ingenuidade com que fui criado e instruído, literalmente debaixo dos valores “Deus, Pátria e Autoridade”, o que me fez cristão, extraordinariamente patriota, mas nunca propenso a seguir a carneirada, porque, sem saber bem porquê, sempre fui impelido por um profundo sentimento de liberdade, ainda que a princípio não entendesse muito bem o que ela era.

Marcelo Rebelo de Sousa tem por norma confundir os seus desejos e convicções pessoais com as suas responsabilidades políticas, esquecendo-se ou não dando grande importância ao facto de que ser o maior entre nós implica em ser um servidor de todos e não um imperador que não pode ser contrariado ou contestado, pondo e dispondo conforme lhe apraz, ilusão que o leva a crer que domina sobre o brâmane, quando sucede exactamente o contrário, na diferença que vai entre a astúcia e o sonho. Entre muitas polémicas (o homem é um especialista a dizer e a desdizer-se) destacam-se agora as suas declarações relativas à violação dos direitos humanos no Catar, país onde irá decorrer o campeonato mundial de futebol de 2022. Quando confrontado com o facto, Marcelo disse que o “Qatar não respeita os direitos humanos, mas enfim esqueçamos isso”, que o melhor que há a fazer, apesar de criticável, é esquecer o tema e manter o foco na equipa, parecer em tudo idêntico ao dos déspotas romanos, que para governar e melhor iludir o povo, defendiam e punham em prática uma política de “pão e circo”. Perante isto, com que direito este constitucionalista se arvorará em arauto dos direitos humanos? Mais do que lido e homenageado em estátuas, Eça de Queiroz deveria ter sido verdadeiramente compreendido quando descreveu a política e os políticos do seu tempo, que são uma réplica fiel dos que temos hoje, o que dá carradas de razão a Manuel Brito Camacho, político do final da Monarquia e da I República, quando disse a propósito: “As moscas mudam mas a merda é a mesma” – também nisto se pode ver o carácter imutável dos portugueses! Por outro lado, conquistar Portugal é fácil, difícil é governá-lo.

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