sexta-feira, 3 de julho de 2020

IGNORÂNCIA E DEMAGOGIA NA MORTE DE DUAS GÉMEAS NA BAHIA

Naturalmente não gosto de comentar nada que diga respeito ao Brasil e aos brasileiros, apesar de amar o país e muita da sua gente, porque me falta o distanciamento necessário e não pretendo alimentar as já muito antigas e intermináveis picardias intercontinentais. Por causa disso, mesmo tendo vivido no Brasil durante anos e continuar a visitá-lo amiúde, não costumo comentar qualquer incidente que ali aconteça ou pronunciar-me sobre as escolhas políticas dos brasileiros, o que não quer dizer que não tenha opinião formada sobre o assunto. Mais, a existência deste blogue e a sua temática, ao invés de erigirem muros de separação, têm como objectivo estabelecer pontes de todos para todos. Dito isto, vamos ao sucedido na cidade de Piripá, no sudoeste do Estado da Bahia, onde no passado dia 23 de Junho, duas gémeas com 26 dias de vida foram mortas por um mestiço de Labrador (será?), descrito como muito dócil, animal que vivia com os pais das bebés há mais de 5 anos e que povão diz ter agido assim por ciúme.
Elaine Novais e o seu marido Regis, respectivamente com 29 e 32 anos de idade, pais das gémeas tragicamente desaparecidas, há mais de nove anos que tentavam desesperadamente ter filhos. Na altura do ataque do cão, a mãe das crianças estava a falar com um vizinho, não estando por isso com o olho nelas, mas ao ouvi-las chorar, correu imediatamente a socorrê-las e conseguiu tirar o cão dali. As bebés foram logo socorridas por uma amiga da família que é técnica de enfermagem e de seguida levadas para o Hospital Municipal Maria Pedreira Barbosa em Piripá, onde uma chegou já morta e outra acabaria por morrer. De acordo com o médico que fez o acompanhamento pré-natal à mãe de Anne e Analú, assim se chamavam as gémeas, esta sempre demonstrou muito cuidado com as filhinhas tanto durante a gravidez como depois do seu nascimento. Por causa do severo choque que sofreu, acabou tratada com sedativos. As crianças acabaram sepultadas no Cemitério da Saudade Dois e a polícia não abriu qualquer investigação sobre o caso. Em Portugal também, mas com maior facilidade morrerá virgem a culpa no Brasil. Quem responderá pela morte das crianças? Calculo que ninguém, a menos que seja o cão!
Numa nota que divulgou nas redes sociais, a Prefeitura de Piripá manifestou o mais profundo pesar pelo falecimento das bebés ao dizer: "Diante desta perda inestimável, expressamos condolências e nos solidarizamos com os pais Elaine e Régis, seus familiares e amigos, neste momento de profunda tristeza e dor. Que Deus conforte seus corações e dê forças para transformar toda dor desta perda irreparável em fé e esperança.” Entendemos esta nota como uma mera e vazia manifestação de condolências, porque ela não manifesta qualquer aviso ou procedimento para evitar que trágicos e evitáveis incidentes como este se repitam, o que seria de esperar de autoridades cujo dever é proteger os seus cidadãos, pelo que a consideramos demagógica e de circunstância. Não seria mais lógico evitar mais mortes assim do que vir a repetir votos de pesar?
Quanto ao motivo ou motivos que levaram o cão a matar as gémeas e que familiares próximos das vítimas adiantam ser o ciúme, tanto pode ter sido ou não, muito embora tudo indique ser esse o motivo principal, o que nestes casos não é tão raro acontecer. Contudo, o animal poderia ter sido atraído para as bebés por outras causas, despertado para elas pela curiosidade e pelo olfacto, chamado à atenção pelo bolsar e outros particulares das recém-nascidas, devorando-as depois. Apesar de haver por aí muita gente que indiscriminadamente considera os cães como “anjinhos de quatro patas”, é bom não esquecer que o cão ainda não abdicou de ser um predador e continua a agir como tal. Por tudo isto inocentamos o animal e salientamos a ignorância da mãe das bebés como causa principal para este horrível desfecho, ignorância que sempre está por detrás de casos idênticos a este, independentemente dos locais onde aconteçam e que está directamente relacionada com determinados substratos sociais ou com hábitos estabelecidos pela cultura adjacente. Não foi o descuido da mãe que matou as meninas, mas a ignorância que permitiu deixá-las ao alcance do cão. Nestas circunstâncias não se pede a ninguém que seja adivinho, mas sim precavido, já que todas as cautelas são poucas!
Até aos 6 anos de idade das crianças (há quem seja mais precavido e alargue este período até aos 10 anos, considerando que cada cão é um caso), devido à sua fragilidade e ausência de senso de responsabilidade, nenhuma criança deverá ficar sozinha com um cão para evitar que venha a ser atacada, ferida e até morta (muitas vezes é própria criança que involuntariamente provoca o animal). E se este é o procedimento correcto para crianças destas idades, muito mais o será para bebés recém-nascidos, naturalmente impossibilitadas de esboçar qualquer defesa, o que obriga as suas mães a protegê-los dos cães e de outros perigos a tempo inteiro. Este cuidado com os cães deverá ser mais incisivo sobre os da própria casa do que sobre os alheios ou abandonados, porque consideram a casa onde vivem como seu território, vivem lá há mais tempo e não vêem com bons olhos a “intrusão” dos bebés no seu espaço. Por causa disto, torna-se imperativo preparar os cães para a chegada dos bebés, estabelecer-lhes regras e direitos que facilitem a entrada e sobrevivência dos novos “hóspedes”. Julgo que nada disto foi feito e que Deus desta vez não foi baiano, como tantas vezes já o tem sido. Esperamos ter contribuído para o esclarecimento geral, lamentamos o sucedido em Piripá e apelamos veementemente aos pais que olhem pelos seus filhos, já que qualquer descuido pode ser-lhes fatal.

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