Naturalmente
não gosto de comentar nada que diga respeito ao Brasil e aos brasileiros, apesar
de amar o país e muita da sua gente, porque me falta o distanciamento
necessário e não pretendo alimentar as já muito antigas e intermináveis
picardias intercontinentais. Por causa disso, mesmo tendo vivido no Brasil
durante anos e continuar a visitá-lo amiúde, não costumo comentar qualquer
incidente que ali aconteça ou pronunciar-me sobre as escolhas políticas dos brasileiros,
o que não quer dizer que não tenha opinião formada sobre o assunto. Mais, a
existência deste blogue e a sua temática, ao invés de erigirem muros de
separação, têm como objectivo estabelecer pontes de todos para todos. Dito
isto, vamos ao sucedido na cidade de Piripá, no sudoeste do Estado da Bahia,
onde no passado dia 23 de Junho, duas gémeas com 26 dias de vida foram mortas
por um mestiço de Labrador (será?), descrito como muito dócil, animal que vivia
com os pais das bebés há mais de 5 anos e que povão diz ter agido assim por ciúme.
Elaine
Novais e o seu marido Regis, respectivamente com 29 e 32 anos de idade, pais
das gémeas tragicamente desaparecidas, há mais de nove anos que tentavam
desesperadamente ter filhos. Na altura do ataque do cão, a mãe das crianças
estava a falar com um vizinho, não estando por isso com o olho nelas, mas ao
ouvi-las chorar, correu imediatamente a socorrê-las e conseguiu tirar o cão
dali. As bebés foram logo socorridas por uma amiga da família que é técnica de
enfermagem e de seguida levadas para o Hospital Municipal Maria Pedreira
Barbosa em Piripá, onde uma chegou já morta e outra acabaria por morrer. De
acordo com o médico que fez o acompanhamento pré-natal à mãe de Anne e Analú,
assim se chamavam as gémeas, esta sempre demonstrou muito cuidado com as
filhinhas tanto durante a gravidez como depois do seu nascimento. Por causa do
severo choque que sofreu, acabou tratada com sedativos. As crianças acabaram
sepultadas no Cemitério da Saudade Dois e a polícia não abriu qualquer
investigação sobre o caso. Em Portugal também, mas com maior facilidade morrerá
virgem a culpa no Brasil. Quem responderá pela morte das crianças? Calculo que
ninguém, a menos que seja o cão!
Numa
nota que divulgou nas redes sociais, a Prefeitura de Piripá manifestou o mais
profundo pesar pelo falecimento das bebés ao dizer: "Diante desta perda
inestimável, expressamos condolências e nos solidarizamos com os pais Elaine e
Régis, seus familiares e amigos, neste momento de profunda tristeza e dor. Que
Deus conforte seus corações e dê forças para transformar toda dor desta perda
irreparável em fé e esperança.” Entendemos esta nota como uma mera e vazia manifestação
de condolências, porque ela não manifesta qualquer aviso ou procedimento para
evitar que trágicos e evitáveis incidentes como este se repitam, o que seria de
esperar de autoridades cujo dever é proteger os seus cidadãos, pelo que a consideramos
demagógica e de circunstância. Não seria mais lógico evitar mais mortes assim
do que vir a repetir votos de pesar?
Quanto
ao motivo ou motivos que levaram o cão a matar as gémeas e que familiares
próximos das vítimas adiantam ser o ciúme, tanto pode ter sido ou não, muito
embora tudo indique ser esse o motivo principal, o que nestes casos não é tão raro
acontecer. Contudo, o animal poderia ter sido atraído para as bebés por outras
causas, despertado para elas pela curiosidade e pelo olfacto, chamado à atenção
pelo bolsar e outros particulares das recém-nascidas, devorando-as depois.
Apesar de haver por aí muita gente que indiscriminadamente considera os cães
como “anjinhos de quatro patas”, é bom não esquecer que o cão ainda não abdicou
de ser um predador e continua a agir como tal. Por tudo isto inocentamos o
animal e salientamos a ignorância da mãe das bebés como causa principal para este
horrível desfecho, ignorância que sempre está por detrás de casos idênticos a
este, independentemente dos locais onde aconteçam e que está directamente
relacionada com determinados substratos sociais ou com hábitos estabelecidos
pela cultura adjacente. Não foi o descuido da mãe que matou as meninas, mas a
ignorância que permitiu deixá-las ao alcance do cão. Nestas circunstâncias não se pede a ninguém que seja adivinho, mas sim precavido, já que todas as cautelas são poucas!
Até
aos 6 anos de idade das crianças (há quem seja mais precavido e alargue este
período até aos 10 anos, considerando que cada cão é um caso), devido à sua
fragilidade e ausência de senso de responsabilidade, nenhuma criança deverá
ficar sozinha com um cão para evitar que venha a ser atacada, ferida e até
morta (muitas vezes é própria criança que involuntariamente provoca o animal).
E se este é o procedimento correcto para crianças destas idades, muito mais o
será para bebés recém-nascidos, naturalmente impossibilitadas de esboçar
qualquer defesa, o que obriga as suas mães a protegê-los dos cães e de outros
perigos a tempo inteiro. Este cuidado com os cães deverá ser mais incisivo
sobre os da própria casa do que sobre os alheios ou abandonados, porque
consideram a casa onde vivem como seu território, vivem lá há mais tempo e não
vêem com bons olhos a “intrusão” dos bebés no seu espaço. Por causa disto,
torna-se imperativo preparar os cães para a chegada dos bebés, estabelecer-lhes
regras e direitos que facilitem a entrada e sobrevivência dos novos “hóspedes”.
Julgo que nada disto foi feito e que Deus desta vez não foi baiano, como tantas
vezes já o tem sido. Esperamos ter contribuído para o esclarecimento geral,
lamentamos o sucedido em Piripá e apelamos veementemente aos pais que olhem
pelos seus filhos, já que qualquer descuido pode ser-lhes fatal.
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