Nesta
altura do campeonato penso que já ninguém tem dúvidas que os cães ultrapassam
toda a sorte de obstáculos e desafios a partir da experiência que trazem e da
absoluta confiança que depositam nos seus condutores, predicados a quem a
instalação doméstica dos animais e o treino não são alheios. Quando eu adquiro
um cão e predisponho-me a treiná-lo, assumo com ele um compromisso do tipo: “tu
e eu somos um, jamais te abandonarei, nada te faltará, podes confiar em mim”.
Todos compreendemos imediatamente o alcance deste compromisso, mas muito poucos
conseguem aplicá-lo diariamente no treino diante das dificuldades encontradas.
Como
muito do insucesso no adestramento, talvez até a sua maior parte, resulta da
ausência de confiança dos cães nos seus donos, convém explicar como proceder
para que os animais consigam confiar sem reticências nos seus proprietários e
líderes. Para que os cães possam confiar plenamente em nós, é necessário que
lhes sejamos sempre fiéis e não velhacos, que estejamos sempre prontos a
ajudá-los, a acompanhá-los, a ir ao encontro das suas dificuldades, a
ensinar-lhes como ultrapassá-las, a ajudá-los a superar rapidamente os seus
insucessos e a recompensá-los vivamente, porque eles não conseguem abranger a
metafísica e vivem da experiência directa. Assim sendo, a confiança dos cães nos
homens não provém da fé, mas resulta da fidelidade dos seus donos, que mediante
o acerto constante das suas acções levam os cães a acreditar neles.
Se
os cães falassem, quando são obrigados pelos donos a enfrentar obstáculos
desconhecidos debaixo da toada “tu és capaz”, logo retorquiriam: “mostra-me
primeiro como!” A menos que cegos por algum instinto, estes companheiros, como
excelentes predadores que são, não gostam de entrar em caminhos sem saída, o
que os leva a resistir inicialmente também aos obstáculos elevadores (bidões,
paliçada, baloiço, muros, etc.), exactamente porque não conseguem ver
imediatamente a sua saída. Ainda que muita gente não tenha notado ou meditado
sobre o assunto, todos os obstáculos, tácticos ou não, para além dos seus propósitos
específicos, psicológicos e atléticos, servem em simultâneo um propósito maior –
aumentar a confiança dos cães nos seus condutores!
Erram
redondamente e abraçam a violência mais gratuita, condenável e execrável,
aqueles que ao introduzir os cães a estes obstáculos, ao invés de os ampararem
tanto à entrada como à saída, antes permitem que se joguem deles abaixo
perigosamente e de qualquer modo. Não é por acaso que no Agility os obstáculos
elevadores se encontram com áreas marcados de piso obrigatório, uma vez que
esta modalidade desportiva respeita o bem-estar animal e como tal não quer que
nenhum cão concorrente se aleije, sabendo ao mesmo tempo que entradas e saídas
inusitadas, ao serem instintivas, só ocorrem nos cães mal treinados.
Sim,
como os cães não vêem a luz no final do túnel, não gostam de partir para o
desconhecido e precisam de confiar nos seus donos, todos somos obrigados a ampará-los
nos obstáculos, permanecendo em cada um deles até que os animais consigam
vencê-los em segurança. Esganá-los, forçá-los, empurrá-los e usá-los para além
dos seus limites e capacidade de resolução, outra coisa não é que um hediondo acto criminoso, próprio para a instalação de traumas indesejáveis e causa inibidora do
melhor aproveitamento do potencial canino. Quantas vezes terá o meu cão de fazer
a paliçada? As necessárias para que entre, suba, desça e saia dela em
segurança!
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