Relativamente aos Pastores
Alemães, passámos os últimos 40 anos a lutar para que não morram pela terceira
e derradeira vez, porque tanto homens como cães morrem 3 vezes, sucedendo
primeiro a morte física, depois o desaparecimento da sua memória e finalmente
assiste-se à sua deturpação, e tudo isso tem acontecido com este excelente cão
de trabalho, cada vez menos visto e com um legado inconfundível, que mercê do
rompimento com os pressupostos selectivos originais, aparece hoje falsificado e
com menor préstimo, sendo actualmente uma ténue imagem do seu passado glorioso
e um vivo atentado ao que já foi. Apesar de conhecermos os responsáveis e as
causas que levaram a tamanho descalabro, que temos identificado e denunciado
através deste blog, mais nos importou, mediante a recolha de escassos
exemplares dispersos, devolver à raça as suas mais-valias e perpetuá-las entre
nós, tarefa morosa e dispendiosa a que não nos furtámos e missão que tem valido
a pena. É possível que futuramente o nosso labor seja inglório mas não o será
de todo, porque ao “ressuscitarmos” os cães do passado, ainda os teremos por
mais algumas décadas, cabendo às gerações vindouras o seu desprezo ou
proliferação. E nisto não estivemos sós, porque noutras latitudes outros
abraçaram e continuam a abraçar o mesmo objectivo, teimosamente trilhando o
mesmo caminho, passando idênticas agruras na procura do mesmo sucesso. Daqui
queremos enviar uma palavra de alento e de esperança para os criadores das
variedades recessivas presentes na raça, para que continuem a apostar nelas, assim
como incentivar os criadores da variedade branca, para que não deixem de lutar
até alcançarem a mais do que justa integração dos seus cães, uma vez que são
parte importante do património desleixado do Cão de Pastor Alemão.
E para que amanhã não
adulterem o que dissemos e fizemos, vamos agora manifestar as nossas
preocupações e prioridades relativas aos Pastores Alemães, em tudo idênticas às
presentes na sua origem e a quem emprestámos um cunho particular, considerando
que cada cruzamento é um beneficiamento. Sempre que possível optámos por
beneficiamentos entre exemplares de variedades cromáticas diferentes, sabendo
que cada uma delas transporta qualidades em défice nas outras, por força da
exasperada eugenia negativa que levou à criação isolada de cada uma delas,
saldo negativo garantido pela despudorada endogamia e pela inevitável
consanguinidade. Ainda debaixo desta preocupação, valemo-nos de reprodutores de
100 canis diferentes, tanto nacionais como estrangeiros. Esta política
selectiva de “quadro aberto” teve como resultado a obtenção de exemplares mais
completos e melhor equilibrados dos pontos de vista sensorial, atlético, psicológico e cognitivo, que viriam a dotar os nossos cães de maior disponibilidade,
resistência e longevidade. Para combatermos eficazmente o pernaltismo e a
ausência de envergadura, também o nanismo e gigantismo, entendemos e nisso
fomos bem-sucedidos, não cruzar progenitores com uma diferença de altura
superior aos 4cm. Mais do que nos machos, assentámos a nossa criação sobre a
qualidade das fêmeas, já que estas pesam mais na reprodução, facto que
comprovámos pelo empirismo.
A nossa primeira demanda
tem sido e sempre foi pelo superior impulso ao conhecimento, prémio genético
que possibilita a melhor adaptação dos cães e que lhes garante em simultâneo a
versatilidade e a multifuncionalidade. Cativos a esse propósito, nunca usámos
exemplares dispensados ou arredados do trabalho, porque nenhum indivíduo
laboral sobrevive exclusivamente de expectativas, necessitando de ser testado
para aquilo que foi criado e nisso ser aprovado. Assim, arredámos da criação os
exemplares que não conseguiam absorver facilmente 35 comandos básicos de
obediência e 8 dinâmicos, os pouco curiosos e nada astutos, os parcos de
autonomia, os cobardes, os ansiosos e pouco atentos, os inseguros e dados a
provocações, os portadores de pirofobia e acrofobia, os hidrófobos e os
claustrofóbicos, os deficitários da percepção sensorial exigível, os que
apresentavam dificuldades de travamento, os resistentes à sociabilização e à
cumplicidade, assim como os demasiado instintivos, ainda que morfologicamente
irrepreensíveis e agradáveis à vista, desprezando também os menos apetrechados
de memória mecânica e aqueles que resistiam à transição da linguagem verbal
para a gestual e/ou sonora.
Uma vez comprovado o
superior impulso ao conhecimento dos candidatos a progenitores, aquilatávamos
da sua riqueza nos principais impulsos herdados (ao alimento, movimento, à
defesa, à luta e ao poder), dispensando de imediato os candidatos com fraca
apetência pelo alimento, os avessos ao exercício físico, os incapazes de se defender
e atacar e os que não resistiam à sua despromoção social. Apostados na vertente
atlética dos nossos cães, exigíamos e exigimos deles, independentemente do
sexo, os seguintes valores ou marcas mínimas: 45km/h de velocidade instantânea;
cadência natatória de 3.6km/h; 3.25m de salto em extensão; 1,2m de salto em
altura; 2,75m na Ponte-Quebrada, muro de 2,5m; subida de escadas; solução de
obstáculos tácticos combinados; saltos sobre obstáculos de projecção negativa;
desembraço no rastejador e nos túneis; transporte de halteres até 3kg, superior
equilíbrio sobre diversas plataformas oscilantes e baloiços, dando a prioridade
aos que recuperam mais depressa dos esforços e aqueles que em descanso oscilam
entre as 50 e 80 pulsações por minuto.
Como nunca entendemos a
disciplina de guarda desregrada mas como decorrente da cumplicidade e da
obediência, exigimos aos nossos reprodutores que aguardem ordens até 2 horas,
permanecendo quietos no mesmo local na ausência dos donos (travados ou com
tarefa distribuída); que sejam resistentes à contra-ordem (indiferentes a
ordens alheias) e ao suborno (recusa de engodos), que absorvam e cumpram todo o
currículo clássico da obediência, tanto em situações favoráveis como debaixo de
tensão. Nenhum deles virá a ser seleccionado se não defender o seu condutor e
os seus pertences, efectuar ataques e capturas a uma distância mínima de 50m,
debaixo de fogo ou não, acontecendo o último disparo exactamente no momento da
captura. Todos deverão ser aprovados no verdadeiro contra-ataque e terão que
ser capazes de desarmar, revistar e acompanhar debaixo de custódia os seus
agressores. Todo o cão que cuja cessação dos ataques não seja igual à sua
prontidão, será automaticamente dispensado da reprodução, assim como aquele que
apresentar dificuldades em se constituir parte de uma matilha funcional (com
idêntico propósito e objectivo). Este grau de exigência, ainda que não seja
esse o nosso principal objectivo, visa a futura participação e aprovação das
proles nas distintas provas destinadas aos cães de utilidade. Cão que não se
presta prá pistagem também deverá ser arredado da reprodução. As exigências não
se esgotam aqui e não é por acaso que dizem que os cães da Acendura Brava já
nascem ensinados, “com uma drive ou cassete” (não há como experimentar e para
comprovar basta adquirir um dos noticiados “panzerhunde”. Os cães da Acendura
Brava encontram-se distribuídos por uma dúzia de afixos, só sendo detectáveis,
para quem os desconhece, pela sua genealogia).
O nosso objectivo sempre
foi o de produzir cães dedicados, de fácil ensino, guardiões, multifacetados,
valentes, atletas, disponíveis, competitivos, com boa presença física,
resistentes, impolutos e incorruptíveis, de igual valia em ecossistemas
terrestres e aquáticos, próprios para a detecção de diversas substâncias
químicas e para o resgate e salvamento, capazes de acompanhar os seus donos nas
situações mais duras e através de qualquer meio de transporte. Diante de
tamanho encargo não podíamos e não podemos descorar também o seu pormenor
morfológico, para que fisicamente pudessem e possam responder de modo
afirmativo às mais variadas solicitudes. Assim, continuamos a isentar da
criação os indivíduos parcos de cabeça e ossatura, de peito estreito ou
invertido, os selados, os muito angulados e por demais abatidos de traseira
(preferindo os que apresentam a convexidade natural do dorso), os de garupa
estreita e de pouca massa muscular (porque o “motor” dos cães é atrás), os de
mãos atiradas para fora e com exagerado abatimento de metacarpos, aqueles que
descodilham em marcha, os que apresentam dificuldades na transição dos
andamentos naturais, os portadores de costelas rectas e com jarrete de vaca, os
de propensão quadrada e os exemplares demasiado compridos. Atendendo à
necessidade de se produzirem cães para todo o terreno e com características
anfíbias, escolhemos para progenitores os indivíduos que apresentem membranas
interdigitais menos rasgadas, particular que sempre tem caracterizado os nossos
cães.
Diante da saúde exigível
aos cães, abominamos a consanguinidade e a endogamia, desprezamos para o mesmo
fim os criptorquídeos, os diferentes prógnatas, os ricos em alergias, os de
tendência obesa, os afectados pela insuficiência endócrina, pelo abatimento ou
má implantação de orelhas, com histórico familiar em otites, doenças
coronárias, artroses, bolsas de líquido sinovial, mielopatia, panosteíte,
displasias do ombro e coxo-femoral, assim como os pouco angulados de traseira e
os portadores doutras más formações que impliquem nalgum tipo de insuficiência
ou menos valia. Quanto à displasia coxo-femoral, porque já fomos vítimas dela
no passado, não beneficiamos hoje cães que não se encontrem isentos até 4
gerações para trás, porque já aconteceu beneficiarmos cães isentos mas que eram
portadores da doença. Do mesmo modo, desprezamos os cães que foram e são
fabricados em laboratório, aqueles que beneficiaram dos bons ofícios do bisturi
e do socorro de anabolizantes e hormonas de crescimento, “ajudas” que
geneticamente não transportam.
A nosso ver é obrigatório,
a quem se propõe criar Pastores Alemães, aprender com os erros do passado,
evitá-los no presente e projectar a raça para o futuro de acordo com o seu propósito,
qualidade, mais-valias e bom-nome originais. A experiência ensinou-nos a não
nos valermos de cadelas com menos de 58cm e abaixo dos 34kg e de machos acima
dos 68cm, com peso abaixo dos 38 ou acima dos 45kg. Dividindo-se o peso pela
altura, o valor desejável para os machos aos 12 meses deverá ser de 1.7 e o das
fêmeas de 1.8 a 1.9, considerando as suas múltiplas atribuições, pois estamos a
falar de cães de trabalho e não de infiltrados gerados pela beleza. Um cachorro
CPA razoável nasce com 450g e os maiores com 700g (excepcionalmente surgem
animais acima deste limite). Oportunamente debruçar-nos-emos sobre o cuidado a
haver na gestação e no acompanhamento dos filhotes. Se quando morre um cão,
morre um pouco de nós, atendendo ao valor e ao número dos que já nos deixaram,
há muito que deveríamos estar mortos. E se ainda cá estamos, não nos resta
outro remédio do que tentar produzir outros iguais e encorajar outros a
alcançá-los.
Seleccionar cães assim não é tarefa fácil, exige conhecimento, estudo e
disponibilidade, há que conhecer e identificar, nos animais e no papel, as
principais matrizes da raça (linhas), a sua origem e por onde se encontram
dispersas ou encobertas, para tornar possível o retorno à qualidade original, o
que nos leva agora a filtrar os cães da extinta DDR no meio das linhas checas
em voga, procurando nelas a dominância das afamadas linhas doutrora, no intuito
de nos livrarmos das criações desastrosas que lhes sucederam. Menos trabalho,
despesa e revezes teremos, se optarmos pelos Pastores Alemães produzidos na
Bélgica, há várias décadas de qualidade muito superior aos que se produzem na
Alemanha. Tanto no Canadá como nos Estados Unidos, subsistem ainda nichos de
criadores de cães de trabalho, animais de que vamos tendo conhecimento pela
internet e cuja origem incólume muito procuramos, trabalho de prospecção que
visa combater a pretensa evolução que se atribui à raça. Entre as linhas
tangentes às duas Grandes Guerras assistiu-se a uma clara evolução e é ainda possível
chegar à qualidade dos cães dos anos 40 e 50 pelo contributo dos Pastores da Commonwealth.
A qualidade dos Pastores Alemães tem vindo a crescer entre nós, facto que ficou
a dever-se ao aumento dos criadores de pretos e lobeiros e aos beneficiamentos
entre ambos para melhorar o actual preto-afogueado.
Dito isto, uma pergunta
paira no ar: porque não nos agradamos dos actuais Pastores Alemães? Porque
morfologicamente são disfuncionais, psicologicamente são pouco seguros e a sua
capacidade laboral é diminuta (é evidente que existem excepções). Em vão nos
acusarão de idealistas, porque produzimos e continuamos a produzir cães que
ombreiam lado a lado com os cães do passado, Pastores Alemães na verdadeira
acepção da palavra, animais multifuncionais e robustos, seguros e decididos,
próprios para as tarefas que sempre abraçaram, aptos para os desafios do
presente e prontos para os do futuro, graças ao superior impulso ao
conhecimento que transportam e à disponibilidade que sempre os notabilizou.
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