Certa vez, um conhecido meu, ao tempo um superior
hierárquico, um estrangeiro mordaz, perdido no tempo e entregue ao seu culto
pessoal, contou-me uma anedota acerca do País que o viu nascer, que segundo ele
era cobiçado por todos os povos, pelo seu clima, beleza e recursos naturais. Os
habitantes das outras partes do Mundo foram ter com Deus e questionaram-no
acerca daquela disparidade, porque se sentiam injustiçados. O Criador
sossegou-os dizendo: “esperem para ver que povo eu ali vou colocar!”. O mesmo
se poderá dizer sobre Portugal e os portugueses, considerando o pouco
empreendorismo da nossa classe empresarial em particular e o subaproveitamento
generalizado dos nossos recursos naturais, quiçá por desinteresse, inércia,
pouca audácia, ausência de visão, ou desconhecimento, o que lamentavelmente tem
transformado ricas áreas do País em desertos sem préstimo ou em antros de
desilusão. E se eventualmente se tornarem rentáveis, é porque algum estrangeiro
lhes deitou a mão, ao comprar o que ninguém queria e vindo depois a sofrer
inveja. Exemplo disso é o que acontece lá para as bandas da Barragem do
Alqueva, onde são os agricultores espanhóis que mais lucram com ela (exemplos
não faltam!).
Mal ou bem, segundo o amadorismo que nos
caracteriza e que nos induz a fim incerto, rara é a escola canina que não
treina pistagem, normalmente para a procura de pessoas desaparecidas, apesar
das polícias e dos bombeiros terem binómios ou equipas profissionais para esse
efeito (se não forem capazes, deveriam sê-lo), como se o País se situasse nas
Caraíbas, os portugueses pudessem ir para muito longe com os bolsos vazios ou
fossem maioritariamente isentos de sentido de orientação. Entre o lúdico e o
prático e entre o gozo e a utilidade, mais usamos os nossos cães para gozo
pessoal do que para benefício próprio ou comunitário, subaproveitando a sua
parceria para o alcance de novos proventos, como se todos tivéssemos alguma
generosa feitoria no Atlântico Sul e a maioria da nossa correspondência não
assentasse sobre facturas a pagar. Quase que religiosamente, os espanhóis
invadem as matas do Norte do País para a apanha dos míscaros (cogumelos
silvestres), iguaria do seu apreço que recolhem para consumo próprio ou para
venda, já que o seu paladar e qualidade são incomparavelmente superiores aos
dos industriais vendidos enlatados, quer sejam inteiros ou laminados. E naquela
procura é raro ver portugueses, porque já são poucos os que por ali vivem, não
sabem diferenciar os comestíveis dos venenosos e é mais prático e seguro ir buscá-los
às prateleiras dos supermercados.
Apesar da maioria dos solos portugueses não ser
rica em trufa, devido à sua natureza alcalina, ela é abundante junto às matas
de carvalhos, azinheiras, aveleiras e salgueiros, proliferando junto às suas
raízes, a uma profundidade que oscila entre os 20 e os 40cm. São muitas as
variedades de trufa existentes em Portugal e ela presta-se, de acordo como a
sua variedade, como combustível, correctora de solos e como pitéu
inconfundível, nomeadamente a variedade negra que abunda entre nós e que atinge
valores exorbitantes por Quilo, fazendo parte do cardápio dos restaurantes mais
credenciados que têm para ela clientes certos. A trufa consumida em Portugal é
desnecessariamente importada e inflacionada. Quem tiver dúvidas que vá até ao
“Corte Inglês” e veja o preço da trufa e dos produtos enriquecidos por ela. A
grosso modo e dispensando maior rigor científico, a turva é uma espécie de
carvão vegetal formado pela decomposição de substanciais vegetais (fungos
comestíveis), principalmente de musgos e que lembra a madeira fóssil. Entre a
trufa e as raízes das árvores existe uma permuta que serve a ambas: a turfa
alimenta-se das raízes das árvores e estas buscam nelas os elementos minerais
necessários ao seu desenvolvimento. Dito isto, tanto no Norte como no Alentejo,
a abundância da trufa negra é garantida, o que é uma excelente notícia, porque
ela atinge por vezes preços superiores ao do ouro e tem mercado, nomeadamente
no estrangeiro onde é muito apreciada e requisitada. Existem 32 variedades de
trufas no Mundo mas apenas 7 são comercializadas, dividindo-se entre brancas e
negras.
Na apanha da trufa costumam-se usar cães e porcos
para a sua detecção. Como a maioria dos portugueses tem cães, não seria
rentável usá-los para isso? Cada variedade de trufa, intimamente ligada ao teor
de humidade e composição dos solos, tem diferentes estados de maturação e um
calendário próprio para a sua apanha, que importa conhecer e respeitar,
respeitando-se ao mesmo tempo as raízes das árvores que a alimentam.
Independentemente do seu fim, sabendo-se de antemão que a trufa destinada à
alimentação é a mais rentável, qualquer das suas variedades premiará o esforço
canino. Ensinar um cão a detectá-la será mais difícil do que pedir idêntico
trabalho a um porco, o que não significa que seja uma tarefa hercúlea ou de
difícil aceitação e assimilação para os cães, muito pelo contrário, porque pelo
reforço positivo depressa dela se agradarão, sendo mais apelativa que a
detecção de elementos químicos, explosivos ou não. Daqui convidamos os
proprietários caninos para a sua identificação e estudo dos locais por onde
abunda, para que reconheçam as suas variedades e préstimo, procedendo
posteriormente à sua válida extracção, não sem antes procederem ao estudo do
mercado. Convém fazê-lo antes que outros o façam, para não ficarmos irremediavelmente
a “chuchar no dedo”, trazendo cães de fora ou ensinando os nossos,
estabelecendo aqui um monopólio sobre o que é nosso, ficando nós, mais uma vez,
dependentes do investimento estrangeiro.
Sabendo-se
que a trufa branca e a negra são as mais procuradas e rentáveis, que a
qualidade faz a diferença, a concorrência existe e que ninguém deseja ser
destronado, o uso das outras variedades tem destino certo na agricultura e na
floricultura (continuamos a importá-la para esses fins) para além doutros usos
que importa descobrir. Lembro aqui a novidade do uso recente da cortiça, que
por inovação de alguns portugueses, deixou de ser unicamente uma indústria para
o isolamento ou destinada à fabricação de rolhas. Para os menos ambiciosos e
empreendedores mas mais chegados ao consolo das suas barrigas, vale a pena
treinarem os seus cães para a detecção da trufa, porque com ela se fazem
manjares dignos de reis, sendo utilizada para aromatizar pratos e azeites,
enriquecer massas e risotos ou apaladar de forma única um ovo frito, já que o
seu sabor (o da negra) lembra nozes, avelãs, terra, castanhas e bosques (os
marotos dos chineses já criaram aromas de trufa artificiais, habilidade que
muito enfureceu os produtores franceses).
Brillat-Savarin, um célebre e mui respeitado gastrónomo francês, autor
da obra “Physiologie du Goût”, publicada em Dezembro de 1825, considerava a
trufa o diamante da cozinha. Os cães de trufa são muito valorizados em França,
na Bélgica, em Itália e nas Ilhas Britânicas, locais onde tradicionalmente a
iguaria é muito apreciada. Ao ensinar o seu cão a detectar trufa, está
prepará-lo para a detecção em geral, independentemente de vir a procurar indícios,
substâncias químicas, componentes explosivos, pessoas, animais ou cadáveres
soterrados, porque o método é o mesmo e o reforço positivo a tudo se presta.
Vale a pena experimentar e pode ser que ao ir de férias, se for na estação
certa e tiver cão para isso, regresse a casa com mais dinheiro.
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