quinta-feira, 19 de março de 2015

VIVER NO CAMPO E FACTURAR: O CÃO DE TRUFAS

Certa vez, um conhecido meu, ao tempo um superior hierárquico, um estrangeiro mordaz, perdido no tempo e entregue ao seu culto pessoal, contou-me uma anedota acerca do País que o viu nascer, que segundo ele era cobiçado por todos os povos, pelo seu clima, beleza e recursos naturais. Os habitantes das outras partes do Mundo foram ter com Deus e questionaram-no acerca daquela disparidade, porque se sentiam injustiçados. O Criador sossegou-os dizendo: “esperem para ver que povo eu ali vou colocar!”. O mesmo se poderá dizer sobre Portugal e os portugueses, considerando o pouco empreendorismo da nossa classe empresarial em particular e o subaproveitamento generalizado dos nossos recursos naturais, quiçá por desinteresse, inércia, pouca audácia, ausência de visão, ou desconhecimento, o que lamentavelmente tem transformado ricas áreas do País em desertos sem préstimo ou em antros de desilusão. E se eventualmente se tornarem rentáveis, é porque algum estrangeiro lhes deitou a mão, ao comprar o que ninguém queria e vindo depois a sofrer inveja. Exemplo disso é o que acontece lá para as bandas da Barragem do Alqueva, onde são os agricultores espanhóis que mais lucram com ela (exemplos não faltam!).
Mal ou bem, segundo o amadorismo que nos caracteriza e que nos induz a fim incerto, rara é a escola canina que não treina pistagem, normalmente para a procura de pessoas desaparecidas, apesar das polícias e dos bombeiros terem binómios ou equipas profissionais para esse efeito (se não forem capazes, deveriam sê-lo), como se o País se situasse nas Caraíbas, os portugueses pudessem ir para muito longe com os bolsos vazios ou fossem maioritariamente isentos de sentido de orientação. Entre o lúdico e o prático e entre o gozo e a utilidade, mais usamos os nossos cães para gozo pessoal do que para benefício próprio ou comunitário, subaproveitando a sua parceria para o alcance de novos proventos, como se todos tivéssemos alguma generosa feitoria no Atlântico Sul e a maioria da nossa correspondência não assentasse sobre facturas a pagar. Quase que religiosamente, os espanhóis invadem as matas do Norte do País para a apanha dos míscaros (cogumelos silvestres), iguaria do seu apreço que recolhem para consumo próprio ou para venda, já que o seu paladar e qualidade são incomparavelmente superiores aos dos industriais vendidos enlatados, quer sejam inteiros ou laminados. E naquela procura é raro ver portugueses, porque já são poucos os que por ali vivem, não sabem diferenciar os comestíveis dos venenosos e é mais prático e seguro ir buscá-los às prateleiras dos supermercados.
Apesar da maioria dos solos portugueses não ser rica em trufa, devido à sua natureza alcalina, ela é abundante junto às matas de carvalhos, azinheiras, aveleiras e salgueiros, proliferando junto às suas raízes, a uma profundidade que oscila entre os 20 e os 40cm. São muitas as variedades de trufa existentes em Portugal e ela presta-se, de acordo como a sua variedade, como combustível, correctora de solos e como pitéu inconfundível, nomeadamente a variedade negra que abunda entre nós e que atinge valores exorbitantes por Quilo, fazendo parte do cardápio dos restaurantes mais credenciados que têm para ela clientes certos. A trufa consumida em Portugal é desnecessariamente importada e inflacionada. Quem tiver dúvidas que vá até ao “Corte Inglês” e veja o preço da trufa e dos produtos enriquecidos por ela. A grosso modo e dispensando maior rigor científico, a turva é uma espécie de carvão vegetal formado pela decomposição de substanciais vegetais (fungos comestíveis), principalmente de musgos e que lembra a madeira fóssil. Entre a trufa e as raízes das árvores existe uma permuta que serve a ambas: a turfa alimenta-se das raízes das árvores e estas buscam nelas os elementos minerais necessários ao seu desenvolvimento. Dito isto, tanto no Norte como no Alentejo, a abundância da trufa negra é garantida, o que é uma excelente notícia, porque ela atinge por vezes preços superiores ao do ouro e tem mercado, nomeadamente no estrangeiro onde é muito apreciada e requisitada. Existem 32 variedades de trufas no Mundo mas apenas 7 são comercializadas, dividindo-se entre brancas e negras.
Na apanha da trufa costumam-se usar cães e porcos para a sua detecção. Como a maioria dos portugueses tem cães, não seria rentável usá-los para isso? Cada variedade de trufa, intimamente ligada ao teor de humidade e composição dos solos, tem diferentes estados de maturação e um calendário próprio para a sua apanha, que importa conhecer e respeitar, respeitando-se ao mesmo tempo as raízes das árvores que a alimentam. Independentemente do seu fim, sabendo-se de antemão que a trufa destinada à alimentação é a mais rentável, qualquer das suas variedades premiará o esforço canino. Ensinar um cão a detectá-la será mais difícil do que pedir idêntico trabalho a um porco, o que não significa que seja uma tarefa hercúlea ou de difícil aceitação e assimilação para os cães, muito pelo contrário, porque pelo reforço positivo depressa dela se agradarão, sendo mais apelativa que a detecção de elementos químicos, explosivos ou não. Daqui convidamos os proprietários caninos para a sua identificação e estudo dos locais por onde abunda, para que reconheçam as suas variedades e préstimo, procedendo posteriormente à sua válida extracção, não sem antes procederem ao estudo do mercado. Convém fazê-lo antes que outros o façam, para não ficarmos irremediavelmente a “chuchar no dedo”, trazendo cães de fora ou ensinando os nossos, estabelecendo aqui um monopólio sobre o que é nosso, ficando nós, mais uma vez, dependentes do investimento estrangeiro.
Sabendo-se que a trufa branca e a negra são as mais procuradas e rentáveis, que a qualidade faz a diferença, a concorrência existe e que ninguém deseja ser destronado, o uso das outras variedades tem destino certo na agricultura e na floricultura (continuamos a importá-la para esses fins) para além doutros usos que importa descobrir. Lembro aqui a novidade do uso recente da cortiça, que por inovação de alguns portugueses, deixou de ser unicamente uma indústria para o isolamento ou destinada à fabricação de rolhas. Para os menos ambiciosos e empreendedores mas mais chegados ao consolo das suas barrigas, vale a pena treinarem os seus cães para a detecção da trufa, porque com ela se fazem manjares dignos de reis, sendo utilizada para aromatizar pratos e azeites, enriquecer massas e risotos ou apaladar de forma única um ovo frito, já que o seu sabor (o da negra) lembra nozes, avelãs, terra, castanhas e bosques (os marotos dos chineses já criaram aromas de trufa artificiais, habilidade que muito enfureceu os produtores franceses).
Brillat-Savarin, um célebre e mui respeitado gastrónomo francês, autor da obra “Physiologie du Goût”, publicada em Dezembro de 1825, considerava a trufa o diamante da cozinha. Os cães de trufa são muito valorizados em França, na Bélgica, em Itália e nas Ilhas Britânicas, locais onde tradicionalmente a iguaria é muito apreciada. Ao ensinar o seu cão a detectar trufa, está prepará-lo para a detecção em geral, independentemente de vir a procurar indícios, substâncias químicas, componentes explosivos, pessoas, animais ou cadáveres soterrados, porque o método é o mesmo e o reforço positivo a tudo se presta. Vale a pena experimentar e pode ser que ao ir de férias, se for na estação certa e tiver cão para isso, regresse a casa com mais dinheiro.

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