quinta-feira, 5 de março de 2015

O QUE TÊM AS CADELAS DE ESPECIAL

Quem já fez uma ninhada de cachorros sabe quão difícil é vender as fêmeas, porque têm menos procura, raros são aqueles que as querem e esperam comprá-las quase dadas, mau hábito que a breve trecho fará baixar o preço dos cães pelo aumento do seu número, tanto de machos como de fêmeas, que por norma já não são rentáveis, quando criados como deve ser, o que transforma a canicultura numa feira de vaidades alicerçada na carolice. E como as cadelas continuam a ser entendidas como uma chatice, por causa dos cios e gerarem cães, o que poderá resultar numa trabalheira dos diabos, corta-se o mal pela raiz e opta-se pela castração. Em contraposição, subsiste por aí um vício antigo e malandreco, geralmente perpetrado por “chicos-espertos” e sustentado por ingénuos, que entala os últimos a pretexto de aparentes vantagens, levando-os a criar e a sustentar os cães dos primeiros, garantindo-lhes assim uma ou mais linhas de criação sem despesas, marosca que vamos explicar e que não é estranha a qualquer agiota.
Dá-se ou vende-se mais barato um ou dois cães (por norma cadelas) a um indivíduo, que aceita recebê-los sem pedigree e debaixo da promessa que mais tarde o receberá, convencendo-o do “favor” que lhe é feito, ao ponto de o fazer sentir devedor, o que o sujeitará à observância de determinadas condições, mercê de ter adquirido aqueles animais por doação ou preço simbólico. Sem o seu pedigree não valerá a pena cruzá-los, porque não tendo registo, não têm qualquer valor comercial, pedigree que permanecerá nas mãos do criador pelo tempo que ele achar conveniente ou quando vir satisfeitas as suas condições, situação que tardará e poderá nunca vir a acontecer, por desinteresse daqueles animais ou por falta de mercado. Entretanto, o “obsequiado” vê-se obrigado a criar aqueles cães de modo irrepreensível, não lhes faltando com nada. Mais tarde, se for caso disso, aqueles cães irão ser cruzados segundo o parecer e expectativas do seu criador, que ainda subtrairá ao “trouxa” um ou dois cachorros ou parte do seu valor total, alcançando assim lucros sem nenhum investimento, ocasião em que o pedigree é finalmente entregue, mas nunca antes daqueles cachorros serem registados como produto do criador e do seu afixo.
E se há criadores que não desprezam o estratagema, movidos por avareza ou situações de contingência, também existem criadores-treinadores que usam e abusam dele, quando novatos no ofício, sujeitos à concorrência e carenciados de nome no mercado, que para além do alcance das mais-valias atrás enunciadas, ainda auferirão outras vantagens na sua actividade profissional. Nestes casos é comum exigir-se dos ludibriados, para além da obrigação de criarem os cães irrepreensivelmente, o dever de os treinar assiduamente, para que sejam vistos e apreciados, servindo de convite para outros e publicitando desse modo aquela escola e os cães nela produzidos. Aqui a negaça do pedigree é operada doutra maneira, só acontecendo a sua entrega pelo insofismável aproveitamento escolar, que por razões óbvias tarda em acontecer. É curioso reparar que estes usurários são por norma maledicentes, dizendo mal de tudo e de todos, mais por necessidade do que por livre opção, porque lhes importa manter a ignorância dos ingénuos e impedir a sua tomada de consciência para não serem desmascarados. Se a dita profissão da “vida fácil” é a mais antiga do mundo, certamente amparou-se em trapaças deste tipo.
Mas não terão as cadelas qualquer préstimo, nada de especial? Achamos quem sem elas não haveriam cães! À parte deste facto, que esperamos não suscitar dúvidas a ninguém, delas mais depende a maior ou menor qualidade das ninhadas, considerando o seu peso na transmissão genética e o desenvolvimento dos seus filhotes, porque são elas que os geram e quem primeiro os alimenta. Pondo de parte estes aspectos, importantíssimos para quem deseja dedicar-se à canicultura e ser bem-sucedido, as cadelas, quando comparadas com os machos, são mais chegadas e menos evasivas, menos dadas a provocações e mais obedientes, ainda que por vezes sejam mais ciumentas e zelosas dos seus donos, não vendo com bons olhos intromissões ou abusos (particularmente doutras cadelas). Por razões de ordem biológica são mais atentas e menos sujeitas a distracções, alcançando mais rápido a cumplicidade com os seus donos e assumindo como suas as rotinas domésticas, o que equivale a dizer que fazem menos disparates e causam menos prejuízos, tanto em casa como no quintal. São mais assertivas nas suas manifestações de carinho, chamam menos à atenção e são mais sossegadas, o que as torna menos maçadoras e mais desejáveis, sendo em simultâneo mais cuidadosas e protectoras das crianças.
Contrariamente ao que alguns possam julgar, quando têm qualidade para isso, elas podem desempenhar cabalmente qualquer disciplina cinotécnica, havendo algumas com prestações superiores à média encontrada nos machos. Na obediência apresentarão menos dificuldades, a sua sociabilização será mais fácil e na pistagem distrair-se-ão menos, porque não têm que se afirmar e marcar território. Ainda que não as tenhamos, onde parece haver dúvidas é no desempenho da disciplina de guarda, por serem menos ostensivas, mais leves e eventualmente com menor ímpeto, impacto e força de mordedura. Nas cadelas das nossas linhas e nalgumas suas descendentes tal não é verdade, porque as nossas cadelas rondam os 40kg de peso, havendo-as até maiores, com uma morfologia e envergadura idênticas às dos machos. Considerando o dimorfismo sexual presente na maioria das raças caninas e a substituição nas fêmeas do impulso à luta pelo defensivo, podemos afirmar que o que o peso que perdem é compensado pelo aumento da velocidade, atingindo forças de impacto iguais ou superiores aos seus congéneres masculinos. Por outro lado, a sua condição feminina permite-lhes ataques cirúrgicos, inesperados e praticamente indefensáveis, como foram os casos da “Orca”, propriedade da Sr.ª Isabel Silva e da “Xita”, propriedade da menina Joana Moura, entre muitos outros.
Chega-se à conclusão que as cadelas pouco diferem dos machos em termos de rendimento, que nalguns casos até apresentam vantagens, que a sua menor procura e desprezo fica a dever-se, quase em exclusivo, ao seu pormenor sexual, porque ninguém está para se aborrecer e aumentar os seus cuidados. Dir-nos-ão que as cadelas, quando em cio, ficam mais vulneráveis. Não se passará o mesmo com os machos, quando por perto existe uma cadela com o cio? Será que os seus índices de concentração e alerta serão os mesmos? Meus senhores, a qualidade dos cães nada tem a ver com o sexo, há machos bons e ruins, fêmeas excelentes e deploráveis. Demorámos alguns anos a perceber da importância das fêmeas na criação e desejamos que outros não os desperdicem. Para melhor compreensão do que atrás dissemos, quando um macho cruza com duas cadelas diferentes, quem estabelecerá a diferença qualitativa entre os filhos de uma e doutra? Mais vale ter uma cadela boa do que ter um cão ruim! 

Sem comentários:

Enviar um comentário