quarta-feira, 11 de março de 2015

MAMÃ, QUANTOS PASSOS DOU? QUATRO À CARANGUEJO!

Quando era miúdo, porque os brinquedos não abundavam, aprendi com os mais velhos uma série de jogos tradicionais. Um deles era o da “Mamã dá licença”, um jogo que alinhava vários crianças sobre um risco desenhado no chão, viradas para outra (a Mamã), que se encontrava na sua frente, a sensivelmente 10 metros de distância, a quem cabia dar a cada criança o seu modo de progressão. Cada miúdo, quando chegada a sua vez, perguntava para “mamã” se ela dava licença (Mamã, dá licença?), ao que ela respondia afirmativamente, depois perguntava-lhe quantos passos ela lhe dava (quantos passos dou?), que tanto podiam ser “à gigante”(passos largos), “à cavalinho” (passos saltitantes), “à tesoura” (com as pernas abertas), “à bebé” (passos muito pequenos) ou “à caranguejo” (passos para trás). Ninguém deveria executá-los sem primeiro os confirmar (mas dá mesmo?), sob pena de voltar ao ponto de partida. O jogo terminava e reiniciava-se quando uma das crianças alcançava a linha da mamã, ocupando a vencedora o seu lugar. É evidente que ganhava sempre quem a mamã queria, porque a sua vontade era lei, geralmente um miúdo ou miúda do seu agrado, o que tanto se prestava a amizades e inimizades como ao despertar de paixões e aversões precoces, muito embora os prejudicados não se calassem e denunciassem a tramóia, quando vítimas, aprendendo assim a lutar pelos seus direitos, o que obrigava as “mamãs” ao desenvolvimento do senso de justiça para além das suas inclinações afectivas, porque se ganhassem sempre os mesmos, os outros bem depressa abandonariam a brincadeira. O jogo prestava-se ainda à compreensão da hierarquia e preparava os miúdos para o sociedade e pró mundo dos adultos.
No adestramento a “mamã” não muda e esse papel cabe ao adestrador, dependendo dele o avanço ou retrocesso das classes, responsabilidade que não deverá ser encarada de ânimo leve, porque não se trata de nenhuma brincadeira, ainda que nalguns casos o gozo e as conveniências pessoais suplantem o rendimento colectivo escolar, erro pedagógico tremendo que poderá resultar no desinteresse dos alunos, na sua insurgência, no desrespeito pelos mestres e até no seu abandono das classes, porque foi violada a condição básica que garante o progresso e a continuidade dos trabalhos - a inescusável relação de confiança entre alunos e treinador. Contribui de sobremaneira para essa quebra de confiança a ausência de metas e objectivos claros que advêm da inexistência ou desrespeito pelo plano de aula, o que tem como consequência a precariedade dos objectivos por ausência de princípios, por via de rotinas impróprias. Para não se teorizar em demasia, vamos a um exemplo concreto. Determinado treinador, que prepara cães para o Agility, nos mesmos dias e antes de treinar os inevitáveis percursos de obstáculos, tem por hábito convidar às suas equipas para aulas de obediência, o que inevitavelmente implicará na perca de velocidade dos cães e na sua quebra de autonomia, por força da sujeição operada pelo travamento, literalmente “quatro passos à caranguejo” (para trás). Sem que ele dê por isso, os condutores desportivos mais esclarecidos, a pretexto das mais esfarrapadas desculpas, “baldam-se” justificadamente à obediência e só aparecem na hora da montagem dos percursos dos obstáculos.
É provável que o nosso homem seja condicionado por ausência de horários e mais dependa dos condutores não-desportivos para o seu quotidiano, já que os outros a breve trecho, para além de deixarem de pagar mensalidades, irão exigir-lhe outras contrapartidas para representarem a sua escola, que uma vez não satisfeitas, farão com que se vão embora, tornando-se proventos em saco roto. Até percebemos porque age assim, numa política de “juntar o útil ao agradável”, congregando ao mesmo tempo uns e outros, já que os condutores de agility, ao estarem mais adiantados, irão servir de estímulo e exemplo para aqueles menos motivados, mais atrasados ou com maiores dificuldades. Contudo, não é justo nem pedagógico prejudicar uns para beneficiar os outros! Há nisto tudo ausência de regra, um atabalhoamento que a ninguém serve e que pode deitar todos a perder.
O problema parece difícil mas é de fácil solução, basta aumentar os dias destinados à obediência e convidar as equipas de agility para a satisfazerem em dias alternados à sua participação desportiva, guardando entre a obediência e treino de obstáculos 24 horas no mínimo, o que não prejudicará ninguém, nem cães nem condutores. Caso os condutores desportivos, por ignorância, leviandade ou falta de interesse, não compareçam às aulas de obediência, dever-se-á vetar-lhes a sua participação nos percursos de obstáculos até cumpram duas aulas semanais naquela disciplina, já que a obediência é o suporte de qualquer disciplina cinotécnica e da maioria dos desportos caninos (agility inclusive). As condições que acabámos de adiantar (“dois passos à gigante”), deveriam logo de início ser aceites e respeitadas. Caso tal não seja viável, por indisponibilidade do treinador ou por maior despesa dos condutores, mais vale dar o agility primeiro e a obediência depois, o que se reverterá numa vantagem, já que os cães estarão menos dispersos e mais concentrados. O que é válido para o agility, é também válido para qualquer prática canina desportiva ou utilitária, porque nenhuma dispensa o prévio aquecimento em exercícios tornados aeróbicos. Dos 0 aos 100km, quase instantaneamente, só os bólides ou as motas!

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