Quando era miúdo, porque
os brinquedos não abundavam, aprendi com os mais velhos uma série de jogos
tradicionais. Um deles era o da “Mamã dá licença”, um jogo que alinhava vários
crianças sobre um risco desenhado no chão, viradas para outra (a Mamã), que se
encontrava na sua frente, a sensivelmente 10 metros de distância, a quem cabia
dar a cada criança o seu modo de progressão. Cada miúdo, quando chegada a sua
vez, perguntava para “mamã” se ela dava licença (Mamã, dá licença?), ao que ela
respondia afirmativamente, depois perguntava-lhe quantos passos ela lhe dava
(quantos passos dou?), que tanto podiam ser “à gigante”(passos largos), “à
cavalinho” (passos saltitantes), “à tesoura” (com as pernas abertas), “à bebé”
(passos muito pequenos) ou “à caranguejo” (passos para trás). Ninguém deveria
executá-los sem primeiro os confirmar (mas dá mesmo?), sob pena de voltar ao
ponto de partida. O jogo terminava e reiniciava-se quando uma das crianças
alcançava a linha da mamã, ocupando a vencedora o seu lugar. É evidente que
ganhava sempre quem a mamã queria, porque a sua vontade era lei, geralmente um
miúdo ou miúda do seu agrado, o que tanto se prestava a amizades e inimizades
como ao despertar de paixões e aversões precoces, muito embora os prejudicados
não se calassem e denunciassem a tramóia, quando vítimas, aprendendo assim a lutar
pelos seus direitos, o que obrigava as “mamãs” ao desenvolvimento do senso de
justiça para além das suas inclinações afectivas, porque se ganhassem sempre os
mesmos, os outros bem depressa abandonariam a brincadeira. O jogo prestava-se
ainda à compreensão da hierarquia e preparava os miúdos para o sociedade e pró
mundo dos adultos.
No adestramento a “mamã” não muda e esse papel cabe ao adestrador,
dependendo dele o avanço ou retrocesso das classes, responsabilidade que não
deverá ser encarada de ânimo leve, porque não se trata de nenhuma brincadeira,
ainda que nalguns casos o gozo e as conveniências pessoais suplantem o
rendimento colectivo escolar, erro pedagógico tremendo que poderá resultar no
desinteresse dos alunos, na sua insurgência, no desrespeito pelos mestres e até
no seu abandono das classes, porque foi violada a condição básica que garante o
progresso e a continuidade dos trabalhos - a inescusável relação de confiança
entre alunos e treinador. Contribui de sobremaneira para essa quebra de
confiança a ausência de metas e objectivos claros que advêm da inexistência ou
desrespeito pelo plano de aula, o que tem como consequência a precariedade dos
objectivos por ausência de princípios, por via de rotinas impróprias. Para não
se teorizar em demasia, vamos a um exemplo concreto. Determinado treinador, que
prepara cães para o Agility, nos mesmos dias e antes de treinar os inevitáveis
percursos de obstáculos, tem por hábito convidar às suas equipas para aulas de
obediência, o que inevitavelmente implicará na perca de velocidade dos cães e
na sua quebra de autonomia, por força da sujeição operada pelo travamento,
literalmente “quatro passos à caranguejo” (para trás). Sem que ele dê por isso,
os condutores desportivos mais esclarecidos, a pretexto das mais esfarrapadas
desculpas, “baldam-se” justificadamente à obediência e só aparecem na hora da
montagem dos percursos dos obstáculos.
É provável que o nosso homem seja condicionado por ausência de horários
e mais dependa dos condutores não-desportivos para o seu quotidiano, já que os
outros a breve trecho, para além de deixarem de pagar mensalidades, irão
exigir-lhe outras contrapartidas para representarem a sua escola, que uma vez
não satisfeitas, farão com que se vão embora, tornando-se proventos em saco
roto. Até percebemos porque age assim, numa política de “juntar o útil ao
agradável”, congregando ao mesmo tempo uns e outros, já que os condutores de
agility, ao estarem mais adiantados, irão servir de estímulo e exemplo para aqueles
menos motivados, mais atrasados ou com maiores dificuldades. Contudo, não é
justo nem pedagógico prejudicar uns para beneficiar os outros! Há nisto tudo
ausência de regra, um atabalhoamento que a ninguém serve e que pode deitar
todos a perder.
O problema parece difícil mas é de fácil solução, basta aumentar os dias
destinados à obediência e convidar as equipas de agility para a satisfazerem em
dias alternados à sua participação desportiva, guardando entre a obediência e
treino de obstáculos 24 horas no mínimo, o que não prejudicará ninguém, nem
cães nem condutores. Caso os condutores desportivos, por ignorância, leviandade
ou falta de interesse, não compareçam às aulas de obediência, dever-se-á
vetar-lhes a sua participação nos percursos de obstáculos até cumpram duas
aulas semanais naquela disciplina, já que a obediência é o suporte de qualquer
disciplina cinotécnica e da maioria dos desportos caninos (agility inclusive).
As condições que acabámos de adiantar (“dois passos à gigante”), deveriam logo
de início ser aceites e respeitadas. Caso tal não seja viável, por
indisponibilidade do treinador ou por maior despesa dos condutores, mais vale
dar o agility primeiro e a obediência depois, o que se reverterá numa vantagem,
já que os cães estarão menos dispersos e mais concentrados. O que é válido para
o agility, é também válido para qualquer prática canina desportiva ou
utilitária, porque nenhuma dispensa o prévio aquecimento em exercícios tornados
aeróbicos. Dos 0 aos 100km, quase instantaneamente, só os bólides ou as motas!
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