quarta-feira, 11 de março de 2015

À PORTUGUESA (SALVO SEJA!)

Há quem diga haver indivíduos que, quando abrem a boca, ou entra mosca ou sai asneira e se os há, é porque desprezam o conhecimento e não têm outra sabedoria senão a que lhe é dada pelos seus erros. Recentemente alguém organizou uma prova de agility, num pavilhão junto a uma zona ribeirinha, aproveitando um certame cujo tema era subordinado aos animais. Como o piso era duro e passível de fazer escorregar os cães, alguma alma pouco esclarecida ou um conjunto de atribuladas, lembrou-se de revestir o chão da prova com uma camada de areia, o que inevitavelmente acabou por lesionar dois concorrentes caninos (podiam até ter sido mais). Como esclarecimento para os nossos leitores menos versados em morfologia e zoognóstica, adiantamos que os cães ou têm “pé-de-gato” ou “pé-de-lebre”, conforme se destinem a pisos irregulares e soltos ou àqueles mais duros e uniformes, estando isso também associado à velocidade e restante morfologia dos animais, nomeadamente à sua envergadura e tipo de ossatura. Os animais portadores de pé-de-gato têm plantas palmares mais largas e redondas, com os dois dedos centrais menos destacados, sendo por norma mais pesados e menos versáteis. Os que apresentam pé-de-lebre têm as plantas palmares ogivais e os dedos centrais mais adiantados em relação aos outros, o que lhes permite atingir maior velocidade e capacidade de manobra. Mas tanto uns como outros, contrariamente aos homens, não têm clavículas, o que os dota de maior mobilidade mas que também os sujeita com mais facilidade à luxação dos ombros, particularmente na presença de pisos que atentam contra a morfologia das suas plantas palmares.
Ainda que o Agility tenha como princípio geral ser destinado a todos os cães, a verdade é que hoje se restringe a uma minoria de deles, isto se pensarmos em termos competitivos, notoriamente mais rápidos e consequentemente portadores de pé-de-lebre (Border Collies, Malinois e outros de idênticas características morfológicas). Como outra coisa não seria de esperar e como veio a suceder, a opção pela areia resultou na lesão daqueles animais, que ora se afundavam ou derrapavam naquele piso, fazendo jus ao aforismo que diz “foi pior a emenda que o soneto” (ainda bem que ninguém se lembrou de pôr ali cascalho). Nas décadas anteriores à crise económica, que o Governo diz estar a debelar, usava-se para o efeito uma alcatifas próprias, que permitiam um atrito suave e uniforme, não colocando em risco as articulações dos cães nem prejudicando as suas manobras. Será que já se romperam e não há dinheiro para comprar outras ou alguém se esqueceu delas? Já várias vezes o dissemos, a título de aviso e prevenção, que ao levar o seu cão à praia, circule e brinque com ele onde a areia se encontra mais compactada, o que acontece mais perto da água, porque se forem para onde a areia se encontra mais solta, o cão corre o riso de enfiar as mãos por ela adentro e ao puxá-las poderão incorrer na luxação do ombro, geralmente do lado para onde empreende o galope. Nestas circunstâncias, apesar da lesão ser mais frequente nos cachorros, porque ainda têm o esqueleto em formação, qualquer cão, independentemente da sua idade, pode incorrer em lesão. Reiteramos o aviso!
Se calhar porque temos um pai cego ou a inteligência só sobrou para os outros, já que o agility é para todos os cães, não conseguimos compreender por que razão, para além da clássica divisão de categorias por alturas, não se procede também à divisão por pesos, já que um cão de 40kg parte em desvantagem diante dum com metade do seu peso. E se assim não acontecer e face ao que vem sucedendo, este desporto canino deverá passar a chamar-se “malinagility”, “bordagility” ou “malinobordagility”, para sermos mais concisos. E se nos vierem com a velha e falsa história de que todos os indivíduos duma raça se destinam a uma prova específica, o que despreza o princípio da individualidade e contribui para a menor versatilidade das raças caninas, educadamente nos ensurdeceremos, porque a prática do agility, para além da competição, pode constituir-se num precioso subsídio tanto aeróbico como anaeróbico, melhorando assim a saúde, bem-estar e rendimento dos cães concorrentes aos seus benefícios. Se calhar estamos a pedir o impossível e a ser utópicos, considerando a ausência de alcatifas em Portugal para a prática da modalidade. Salvo raras e honrosas excepções, permanece o mau hábito entre nós de conduzirmos os cães pela retaguarda, o que facilita o seu travamento mas que obsta à celeridade nas mudanças de direcção, porque os animais são obrigados simultaneamente a olhar para o caminho na frente e para a retaguarda, donde surgem as orientações direccionais, sendo por isso invariavelmente atrapalhados ou induzidos em erro. E se assim continuarmos, porque nos encontramos atrás, não conseguimos chegar à frente no panorama europeu e mundial.

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