quinta-feira, 26 de março de 2015

HOWAVART: UM ALEMÃO LENDÁRIO, SEGURO, VALENTE E POUCO CONHECIDO

Excepcionalmente ao abordarmos o Howavart, não vamos abordar pormenores morfológicos ou adiantar o seu estalão, porque qualquer o pode fazer mediante consulta, o que nos liberta imediatamente de algum embaraço e possibilita a sua abordagem como cão familiar e de guarda, funções que executa como poucos e que continuam a justificar a presença desta raça entre nós, ainda que pouco conhecida em Portugal e pouco divulgada no Mundo. À primeira vista lembra um pastor alemão de pelo comprido com as orelhas abatidas ou um mestiço dessa raça, mas visto mais de perto percebemos que não é nada disso e reconhecemos-lhe características molossóides, uma inesperada “souplesse” de andamentos  e uma nobreza de carácter inconfundível. Hoje a maioria dos Howavarts são negros mas também os há preto-afogueados e vermelhos.
A sua história é muito antiga e remonta aos inícios do Séc. XIII, notabilizando-se na altura um exemplar desta raça que livrou das mãos dos eslavos um príncipe alemão recém-nascido, que haviam sitiado o castelo do seu pai, acabando por matá-lo. Em 1473, em plena Idade Média, a raça foi considerada por Heinrich Mynsinger uma das mais nobres entre as cinco reconhecidas como tal. Passado o período medieval e no início do Séc. XX a raça entrou em declínio e quase desapareceu, vindo gradualmente a ser substituída por outras raças de trabalho, nomeadamente pelo Cão de Pastor Alemão. Por volta de 1915, um grupo capitaneado pelo zoólogo alemão Kurt Friedrich König decidiu salvar a raça, melhorando-a com o Kuvaszok Húngaro, Pastor Alemão, Terra Nova, Leonberg, Bouvier Bernois e até com um cão de caça africano. Em 1937, graças a esse esforço, o Clube de Canicultura Alemão viria reconhecer em  o Howavart. Com a eclosão da II Guerra Mundial, que muito requisitou Howavarts pelas suas qualidades, sobraram no seu final muito poucos exemplares. Em 1947, um grupo de entusiastas pela raça, liderado por Otto Schramm, levou a cabo a sua recuperação, ao fundar o Clube “Rassezuchtverein für Howavart-Hunde Coburg”, trazendo o Howavart até aos nossos dias. Em 1964, o Clube de Canicultura Alemão reconheceu o Howavart como a 7ª raça de trabalho do país, facto que incrementou a sua procura e proliferação para além das fronteiras germânicas (não existem muitos exemplares em Portugal).
O Howavart é um cão seguro de carácter, maioritariamente silencioso, pouco efusivo nas suas manifestações, de olhar sério e observador, que não se intimida facilmente e não liga para provocações, dificilmente confunde alvos e quando carrega é para valer. É resistente ao castigo, territorial, gregário e protector, goza de boa sociabilização com os outros animais e é naturalmente impoluto e incorruptível, pouco dado a qualquer tipo de chantagens e que não usa a sua tremenda força gratuitamente. Sobra-lhe da herança molossóide a tendência de pensar e agir livremente, alguma teimosia e resistência, dispensando maiores preparos na disciplina de guarda, porque opera ataques multidireccionais e a vários golpes a zonas vitais, tanto pela retaguarda como pela frente dos agressores, tornando-se quando experimentado praticamente indefensável, muito embora seja um cão mais defensivo do que ofensivo, mais inclinado ao contra-ataque do que ao ataque propriamente dito.
Exige um dono experiente e comedido, conciso e apegado aos procedimentos, porque antevê e reage contra os abusos e injustiças. Quando comparado com o Rottweiler é mais distante e menos afectuoso, mais reservado e menos brincalhão, reagindo a diferentes motivações. Tem um senso de justiça tremendo, não carrega nos mais fracos e tende a proteger as crianças, suportando sem queixas as suas tropelias e participando nas suas brincadeiras. A raça apresenta dimorfismo sexual.
Se o seu carácter enche o olho a quem gosta de cães sérios e nada dados a tremeliques, a sua biomecânica não lhe fica atrás, apesar de ter um quociente de envergadura médio de 1.7 e pesar mais 12% do que um Pastor Alemão, do qual é em média um pouco mais alto e pesado. Na verdade estamos na presença de um falso lento, porque o seu semblante é pachorrento e as suas rectas articulações traseiras não indiciam a sua capacidade de manobra e velocidade. Com facilidade atinge o trote em suspensão e o seu galope consegue cobrir 8m/s, quando instantâneo, linear e rasgado, sendo próprio para as pistas tácticas onde normalmente se destaca. Tem uma excelente capacidade de impulsão, é célere na natação, não se intima facilmente pelo fogo e equilibra-se perfeitamente sobre estruturas estreitas ou periclitantes. É muito resistente e rústico, apresentando melhor desempenho nas estações frias. Os Howavarts vermelhos, menos comuns, têm iguais performances atléticas durante o ano inteiro, porque aquecem menos e necessitam de menor tempo de recuperação. Apesar do seu tamanho ou talvez por causa dele, é bastante comum encontrar Howavarts com 55 pulsações por minuto em descanso e por vezes até com menos.
Dos pontos de vista físico, sensorial, psicológico e cognitivo, o Howavart encontra-se superiormente apetrechado para qualquer disciplina ou utilidade canina, não apresentando dificuldades de assimilação em qualquer uma delas, quiçá pelo melhoramento de que a raça foi alvo no Século passado. Actualmente, os Howavarts  estão a ser mais usados como cães familiares, de salvamento (dentro e fora de água), guardiões, no rastreamento e na perseguição de criminosos. Tudo o que aqui dissemos acerca desta raça, não o fizemos pela boca de outros mas pelo contacto directo com alguns exemplares que dela treinámos, cães que nos ficaram na memória pela grandeza do seu desempenho e dedicação aos seus donos, que por sua vez nos aguçaram o apetite para sabermos mais sobre o Howavart., um excelente cão que para muitos continua a ser um ilustre desconhecido.

PRESO MAS COM HIPÓTESE DE DEFESA!

Como sempre temos dito e aconselhado, os canis dos cães deverão ser rematados a varões e não a rede, para se evitar que os animais ali prendam as patas acidentalmente, o que acontecer poderá sujeitá-los a várias lesões. Os módulos de varões à venda no mercado privilegiam a segurança das pessoas em detrimento da defesa dos animais, já que a distância entre os varões impede que os cães possam passar e tirar o focinho livremente para além deles, subsistindo casos em que os animais o deixam lá preso, o que os vulnerabiliza, impede-lhes a defesa e sujeita ao massacre, entregando-os gratuitamente às mãos de gente menos escrupulosa, mal formada ou de intenções duvidosas.
Para que isso não aconteça, deseja-se que a distância entre os varões oscile entre os 10 e os 12cm, consoante os cães sejam pastores ou molossos, podendo vir a ser aumentada ou diminuída de acordo com a largura do focinho do cão a lá colocar. No caso dos galgos esse espaçamento deverá ser de 6cm e quanto maior for a distância entre os varões maior deverá ser também o seu diâmetro, ainda que para a maioria dos cães 2cm bastem. O importante é que o cão possa passar o focinho entre eles, para se poder defender e contra-atacar, o que aumentará o seu agrado pelo habitáculo. E este pormenor é deveras importante, porque a maioria dos cães de guarda são eliminados na ausência dos donos e quando encerrados nos canis. Para além deste aspecto, da inevitável recusa de engodos e da defesa contra os sprays, os cães deverão ser também treinados dentro dos canis, para não se exporem gratuitamente a agressões ou disparos e poderem ripostar de surpresa. É verdade, também pelo espaçamento dos varões de um canil se pode aquilatar do saber de um proprietário canino, sendo certo que os cães de guarda com donos precavidos duram mais tempo.

ELKHOUND NORUEGUÊS: O PERFEITO BODYGUARD DA PEQUENADA

O Elkhound cinzento norueguês (Norsk Elghund Grå) é o cão nacional da Noruega, um cão primitivo, tipo sptiz, de tamanho médio, muito activo, robusto e protector, que ao que tudo indica já anda por aquelas paragens há  7.000 anos. O nome veio-lhe da caça ao alce (elk), que detectava, perseguia e rodeava até a chegada do caçador, que finalmente abatia a caça. Este cão, apesar de adorar caçar, é um protector inato, amigo do seu amigo e de fácil adestramento, que reclama por exercício e está sempre disponível. Diz quem o conhece que tem uma particularidade muito especial : a de saber diferenciar nos humanos as boas das más intenções, o que o torna indicado para a custódia de crianças no exterior. Como é naturalmente limpo, agradável à vista e só ladra pela certa, é ideal para mascote e ter-se em casa, desde que o escovem diariamente e tenha espaço para correr. Devido à sua disponibilidade física, pouco tamanho, temperança e curiosidade, o Elkhound Cinzento Norueguês pode transformar-se na alegria de pequenos e graúdos, participando nas suas brincadeiras e dando-lhes protecção, apresentando ainda as vantagens de ser robusto e ter uma esperança média de vida alta (16 anos). Ignoramos se existem criadores desta raça em Portugal mas se não os houver, na vizinha Espanha sempre haverá algum e de lá até cá é um pulo!
PS: Como os criadores espanhóis vêm às exposições caninas em Portugal, é possível encontrar um cachorro desta raça nesses certames.

JUDY: HEROÍNA E PRISIONEIRA DE GUERRA A TROCO DE UMA BEBEDEIRA

Esta é uma história verídica que aconteceu na II Guerra Mundial e que opôs os Estados Unidos, o outrora Império Britânico e outras potências mundiais contra o Império Japonês pelo domínio do Pacífico e suas possessões, um relato para nós comovente duma cadela Pointer, nascida em Singapura, que veio a ser tratada por Judy e tornada mascote da Royal Navy, numa época em que ainda mal se falava nos “cães de terapia”. O que nos levou a este relato sintético das façanhas da Judy, também ela pertencente ao grupo dos cães caçadores, foi a má lembrança dos comuns e superlotados atrelados destinados aos cães de caça, que lembram em muito as grades usadas pelos chineses para os cães de abate, onde bracóides, bassetóides e spitzs são ali emparedados sem o mínimo de condições, como se não tivessem para os seus donos qualquer valor, imagem degradante para quem vê e prática cruel que não se coaduna com os mais elementares direitos dos animais. Pouco a pouco a situação está a mudar mas não tão rápido como desejaríamos, pois já se vêm atrelados caninos dignos desse nome.
A história da Judy não pode ser dissociada de Frank Williams, um Navegador da RAF que ao adoptá-la, foi seu companheiro de aventuras, desventuras e cativeiro, valendo a muitos prisioneiros como eles e sobrevivendo ambos à Guerra. Depois de ter sido aceite pela Marinha Real Inglesa (RN), foi colocada a bordo do HMS Grasshopper, um Canhoeira de 585 toneladas, que estava aportada em Singapura na altura em que os japoneses tomaram aquela cidade. Não tendo outra alternativa, este navio de guerra fez-se ao mar em direcção à Ilha de Java, sendo duas milhas adiante bombardeado por aviões japoneses, o que obrigou a tripulação ao seu abandono. Valeu na circunstância à Judy o pronto auxílio de Frank, que quebrando uma vigia, a salvou de se afundar junto com aquele navio, apesar da ter perdido de vista durante duas horas, naquele mar cheio de óleo e combustível, farto em detritos e pleno de homens em pânico. Uma vez liberta, a  prestação da Judy veio a revelar de extrema importância para aqueles homens, quer rebocando-os quer guiando-os para pedaços flutuantes de destroços, evitando a exaustão de alguns e possibilitando desse modo o seu salvamento.
Os sobreviventes conseguiram chegar à Ilha de desabitada de Sinkep, ao Sul do Mar da China, com pouca comida e sem água, padecendo de fome e sede por dois dias, onde mais uma vez a cadela lhes valeu, guiando-os para um manancial de água doce, que escavou depois da maré baixa, trazendo-a à superfície. Livres daquela aflição, os marinheiros ingleses apoderaram-se dum junco chinês e rumaram à Ilha de Sumatra. Chegados a terra firme, empreenderam uma caminhada de 200 milhas desde o nordeste da costa até Padang, onde por desventura foram parar a um povoado controlado pelas tropas nipónicas, sendo ali feitos prisioneiros e levados para um campo de detenção, sem contudo abandonarem a Judy, que esconderam dos seus captores no meio de sacos de arroz, acabando todos no Campo de Prisioneiros de Gloegoder em Medan, na Indonésia.
Naquele Campo de Detenção, a presença da cadela foi deveras importante para a salvaguarda dos prisioneiros, porque alertava-os para a presença de animais selvagens ou venenosos, capazes de os vitimarem, ladrando para escorpiões, serpentes, varanos (komodos), tigres e crocodilos, conseguindo em certa ocasião afoguentar um destes répteis aquáticos. Para além dessa azáfama proveitosa, a Judy ainda distraía os guardas japoneses, rosnando-lhes quando intentavam espancar os prisioneiros, livrando-os assim de grandes surras mas não se livrando de apanhar com os canos das espingardas dos carcereiros japoneses, que a detestavam, sendo correspondidos por igual sentimento por parte da Judy. Com a cadela em risco de ser abatida, Frank, aproveitando a borracheira do Comandante do Campo, que havia bebido demasiado “sakê”, conseguiu que este assinasse os papéis em como a cadela era uma prisioneira de guerra, tornando-se a Judy no prisioneiro nº POW81.A, o que lhe salvou a vida, sendo caso único nos anais da guerra até aos dias de hoje. Ainda voltariam a ser prisioneiros dos japoneses antes do término do conflito, mas conseguiriam sobreviver-lhe.
De volta à ” Velha Albion”, onde foi recebida com honras e fanfarra, a Judy viria a ser condecorada com a Medalha Dickin (a Victória Cross destinada aos animais) em Maio de 1946, pela excelência dos serviços prestados em prol dos militares a quem tantas vezes valeu e livrou da morte, sendo os seus feitos noticiados e admirados por toda a parte.
Morreu em Fevereiro de 1950, já lá vão 65 anos e 1 mês, com a bonita idade de 13 anos, vítima de cancro, sendo sepultada por Frank Williams com um casaco da RAF, mandado fazer especialmente para esse efeito. Ficaram célebres as palavras de Frank quando se referia à Judy: “ Tudo o que eu tinha a fazer era olhar para ela e para aqueles olhos vermelhos cansados, perguntando-me o que lhe sucederia se eu morresse?”. Se há que exaltar a qualidade da cadela como moral da história, há também que destacar o amor que o homem da RAF lhe tinha, sentimento indispensável ao mais elementar adestramento. Como é sabido (talvez alguns não saibam), na origem do Pointer está o Perdigueiro Português, o mesmo que circula pelas nossas estradas emparedado, dentro de boxes exíguas e em atrelados desconfortáveis e impróprios. Há quem diga que para tudo é preciso ter sorte e se assim é, há cães com um azar tremendo, porque nasceram no lugar errado e entre gente que os desconsidera, situação que nos desencanta e contra a qual nos insurgimos. Estamos convencidos que haverá milhares de “Judys” em Portugal mas não temos a certeza de haver aqui muitos Frank Williams. E porque a mudança começa em cada um de nós, para isso escrevemos e não nos calamos. 

A DILUIÇÃO DO VERMELHO ATÉ CHEGAR AO BRANCO

Considerando a relação entre a cor vermelha e a branca nos Pastores Alemães parece que estamos a relançar a ancestral dúvida entre o que apareceu primeiro: se o ovo ou galinha, na já gasta oposição entre a “crença criacionista” e a “teoria da evolução”. Os pressupostos originais que presidiram à selecção da raça também pouco ou nada esclarecem, porque a cor dos cães não era na altura um entrave para a raça, contribuindo vermelhos e brancos, para além de cães doutras cores, para a sua formação, privilegiando-se a funcionalidade em detrimento da cor. Nessa altura contribuíram de igual modo cães vermelhos e brancos, sendo os últimos mais uniformes que os primeiros, facto comprovado pelas imagens e registos que nos chegaram até hoje. Contudo, nalgumas das fotos mais antigas e anteriores ao aparecimento dos pastores brancos, são visíveis alguns cães de pastoreio vermelhos que serviram ao protótipo original e que se encontram por detrás dos já raros Pastores Alemães de pelo crespo ou com manifestos remoinhos no seu manto.
Pelo nosso experimento, esperando doutros a devida explicação científica e usando termos menos próprios mas mais acessíveis, estamos em crer que a cor branca resulta da diluição da vermelha. E dizemos isto pelo sucedido com os dingos e também com os nossos podengos, onde a proliferação desta cor, quando exclusiva, normalmente gera alguns exemplares brancos e jamais canídeos doutras cores. Ao dizermos isto, estamos a lembrarmo-nos de um homem simples mas ao mesmo tempo experimentado na canicultura que dizia ser o branco “um cão de pintar”, uma espécie de cor neutra que possibilitava o alcance doutras para além do vermelho na sua origem, o que imediatamente nos transporta para a variedade “Panda” no Pastor de Shiloh. No Pastor Alemão passa-se exactamente o mesmo, já que o cruzamento consecutivo entre dourados, para além de desprezar os benefícios das outras variedades cromáticas, acabará por descolorá-los até ao alcance de algum branco, desaparecendo progressivamente nuns e noutros a máscara. Reforçamos o que acabámos de dizer com dois factos: no beneficiamento entre um cão vermelho e um branco, o mais natural de acontecer é que toda a prole saia vermelha e quanto mais clara for a variedade cromática a cruzar com o vermelho (lobeiro, por exemplo), mais cachorros “red sable” nascerão, ainda que mais para o ouro (golden) do que para o vermelho propriamente dito. A somar a isto é também comprovado que a intensidade do vermelho numa ninhada mais depende do tom de vermelho do progenitor não-dourado do que do progenitor dourado utilizado, porque o primeiro irá reforçar a pigmentação do segundo.
Durante anos usámos a designação de “dourados” para os nossos Pastores Vermelhos, porque mais nos dedicámos à criação de Pastores Alemães de linha antiga (ancestral) do que à actual, típica de exposição e de notória menos valia. Como é sabido esses cães preto-afogueados ancestrais eram e são menos vermelhos que os actuais, por se encontrarem mais perto do caldeirão genético que sustentou e levantou a raça, alicerçado na multivariedade cromática.
Para evitar a recorrência aos Pastores Alemães Brancos para a proliferação de dourados, que normalmente aumentam o branco nas patas e no peito, para além dos despigmentarem, e necessitando para tal de uma variedade cromática uniforme, sempre recorremos aos Pastores Alemães Negros, nomeadamente aos descendentes de preto-afogueados bem vermelhos, para beneficiarem os Pastores Vermelhos uniformes, apesar da ocorrência de dourados nas ninhadas muito reduzida ou bem menor. Poder-nos-íamos também valer dos exemplares fígado uniformes (Liver). Sabendo-se que os exemplares dourados, quando de pelo duro e não comprido, têm um manto mais rarefeito, sempre procuramos como progenitores exemplares de manto mais denso, não por questões estéticas mas pela rusticidade que é exigível a um cão de guarda, utilitário ou de guerra. Para que o dourado se transforme em vermelho e não perca a máscara, beneficiamos primeiro um dourado com um negro, beneficiando depois os dourados deles nascidos com um preto-afogueado bem vermelho para a obtenção da cor vermelha que desejamos. Por causa disto se diz ser o vermelho um produto de 3ª geração. Estes exemplares vermelhos de terceira geração poderão ter tonalidades diferentes e geralmente têm, sendo os descendentes de Pastor Alemão Liver de um laranja vivo (achocolatado)  e os descendentes de negro vermelhos intensivos. Quando para o mesmo efeito se usam lobeiros modernos, notoriamente mais vermelhos que os seus ancestrais, a cor achocolatada também se faz presente.
Pondo de parte as questões ligadas ao manto, à camuflagem e à rusticidade dos cães, o recurso à variedade dominante torna-se imperativa, uma vez que sucede com os dourados o mesmo que acontece com os Pastores Alemães doutras variedades recessivas que, quando somente beneficiadas entre si (cite-se o caso da variedade negra uniforme), acabam por produzir exemplares mais pequenos, com menos envergadura e peso, o que ninguém deseja. Convém não esquecer que a raça nasceu da multivariedade cromática e que esta lhe transmitiu saúde, versatilidade e maior abrangência de serviços, contrariamente ao que hoje se vê, quando se cria isoladamente cada variedade cromática e se faz da endogamia prática sistemática, o que claramente anuncia o fim da raça. Por enquanto, os Malinois só têm a ganhar com isso, já que um dia poderá suceder-lhes o mesmo se obrigados a idêntica “selecção” e calvário.
Conhecedores da problemática dos beneficiamentos entre as variedades recessivas no Pastor Alemão e reconhecendo a cada uma delas os seus méritos, entendemos que todas as elas têm a ganhar quando beneficiadas com o preto-afogueado, porque não foi por acaso que se tornou a variedade dominante. A discriminação, na sua origem nazi, que levou à expulsão da variedade branca da raça, é um assunto que nos é grato e ao mesmo tempo penoso, grato porque a conhecemos e consideramos válida e penoso porque tardam em fazer-lhe justiça. O Pastor Alemão Branco transmite juízo, tamanho e envergadura à variedade dominante e a sua supressão teve como resultado o aparecimento de pastores alemães miniatura, mal vestidos de carne e parcos de osso, irritadiços e menos multifacetados. Se um dia a variedade branca vier a ser reintegrada na Pastor Alemão, oxalá os seus criadores não ousem continuar a criá-la em separado, porque se o fizerem, apesar de aceites continuarão em separado. Pelo que atrás dissemos, a variedade branca não se presta aos vermelhos, como não se presta aos negros e a outras variedades recessivas uniformes ainda reconhecidas, porque de alguma forma as descaracteriza. A diluição do vermelho para o branco não implica unicamente na perca de cor e vai muito para além disso. Quem já criou e treinou Pastores Alemães Vermelhos sabe quanto são rijos e como vivem às ordens dos seus donos, contrariamente aos brancos que na sua maioria são mais amistosos e sociáveis, ainda que mais fechados em si mesmos, como se quisessem disfarçar a sua presença ou passarem sem ser notados, realçando um ascetismo que não se confunde com o carácter operário dos cães vermelhos, sendo por vezes mais instintivos e distantes, características que a nosso ver resultam do isolamento a que se viram forçados e que os vem impedido de serem beneficiados pelos seus irmãos doutras variedades cromáticas.
Raramente no alcunhado “Pastor Suíço” e com mais frequência no “Pastor Canadiano” é possível verem-se exemplares brancos sólidos com as orelhas “tan” ou vermelhas, exemplos típicos da diluição da cor que se esconde por detrás da branca e que nalguns casos resulta também do beneficiamento entre os brancos e outros, coisa fácil de acontecer face à surdez selectiva de alguns criadores de Pastor Alemão Canadianos, que há muito suprimiram do seu léxico as decisões para eles da arbitrárias da “SV”.
Os desprendimento visível nos criadores canadianos, relativo ao parecer dos alemães contemporâneos, não tem sido acompanhado de igual modo pelos criadores do “Pastor Suíço”, que tudo têm vindo a fazer para serem de novo aceites na “SV”, eliminando diferenças morfológicas e aproximando os seus cães Dos pastores actuais, cujo parentesco é por demais remoto, considerando os mais de 80 anos que os separam, política subversiva de selecção, que a nosso ver nada beneficia a variedade branca, cuja rusticidade, biomecânica e disponibilidade são incomparavelmente superiores às encontradas nos actuais pastores alemães, não sendo por isso de estranhar que por detrás de um “Pastor Suíço” se esconda um dos mais reputados descendentes da linha estética.
A obtenção de exemplares vermelhos e azuis (cinzentos) a partir do branco sempre gerará animais despigmentados e com ausência de máscara, que verdadeiramente não serão nem uma coisa nem outra e muito menos terão a apresentação esperada dum Pastor Alemão. Daí a nossa opção pelo Pastor Alemão Negro para chegar a essas variedades. Os beneficiamentos dos vermelhos com os lobeiros cinzentos, com os brancos ou com outros vermelhos perdem a sua razão de ser diante da presença ostensiva que sempre caracterizaram o Cão de Sephanitz. Exemplo dessa indefinição é a foto do cão que se segue, estaremos na presença de um branco ou dum dourado? Para nós trata-se de um branco, porque de vermelho tem pouco!
Não elaborámos este artigo para exaltar os cães vermelhos em detrimento doutros e tampouco o fizemos para aumentar a sua procura, porque nenhuma variedade cromática é superior às outras e todas contribuíram a seu modo para a exaltação da raça. Há maus exemplares dourados, pouco disponíveis e bonacheirões? Certamente que sim, exactamente como os há doutras cores! O que enalteceu e enaltece os nossos cães vermelhos, que sempre foram em pequeno número foi o nosso cuidado e saber na selecção, mais-valias advindas do conhecimento da raça, da comprovada qualidade dos seus progenitores e da identificação individual dos principais impulsos herdados. Como é óbvio, não trocamos um bom preto-afogueado, negro ou lobeiro por um dourado qualquer, mas também não trocamos um dourado dos nossos por qualquer um que nos apareça! O objectivo deste texto é apenas subsidiar aqueles que se interessam por esta variedade cromática e pretendem perpetuá-la, para que não partam às cegas e de pronto se estampem.

ACONTECEU EM INGLATERRA, NÃO TARDARÁ A ACONTECER AQUI

A vida não está fácil, nem aqui nem em lado nenhum. E como não temos seguro contra ladrões mas somente contra roubos, há que estar atento. Segundo noticia o “Mirror”, um conhecido jornal diário britânico, um casal perdeu o seu cão de raça Beagle por alturas do Natal, em virtude deste ter desaparecido atrás duma raposa. E como a ocasião faz o ladrão, alguém contactou a família desesperada pela Internet, dizendo-lhe que havia encontrado o seu cão, exigindo-lhe à partida pela sua entrega, que seria feita pela “DHL” ou pela “FedEx”, a quantia de 210 Libras (cerca de 286€) a pagar pelo “PayPal”, a pretexto de presumíveis gastos havidos com animal. Ainda que desesperada, aquela família não se deixou enganar, porque o “troll” não conseguiu provar estar na posse do Beagle desaparecido, já que o nunca o teve. Ardiloso, o falso resgatador adiantou que, se não recebesse aquele montante, envenenaria o pretenso cão, adiantando ainda que podia também afogá-lo num rio perto da sua residência. Aconteceu em Inglaterra, não tardará a acontecer aqui, pelo que importa estar prevenido, até porque os burlões estão por todo o lado e não apenas numa ilha isolada no Atlântico Norte. A foto que ilustra este artigo é da família em questão e parece dizer tudo: o cavalheiro tem cara de pensador e a dama exala esperteza… do cão é que nem sinais! 

QUAL SERÁ O MOTIVO (XXII)?

O “Blade” é um cachorro de Cão de Pastor Alemão Azul, agora com 7 meses, activo e brincalhão que inventa serviço e que põe tudo e todos em alvoroço, características que o relegaram para o quintal, onde os seus estragos são menores, apesar de ali continuar a fazer diabruras e obrigar a acérrima vigilância e trabalhos. Há três dias atrás, debaixo de um forte aguaceiro, ao invés de se abrigar, foi rebolar-se dentro das poças de água que a chuva formou, saindo delas mais preto do que azul. E como se isso não bastasse, agora anda continuamente a abanar a cabeça e a coçá-la, coisa que nunca fez. Porque se comportará assim? Hipótese “A”: porque anda aflito com a muda dos dentes. Hipótese “B”: Porque é tonto por natureza. Hipótese “C”: porque ainda tem lama na cabeça e insta em tirá-la. Hipótese “D”: Porque a água ao entrar-lhe nas orelhas causou-lhe uma otite. Hipótese “E”: Porque intenta coçar-se no peito. Para a semana indicaremos qual a hipótese certa e cá estaremos com um novo caso. 

SOLUÇÃO DA SEMANA ANTERIOR

A Hipótese certa para esta rubrica da semana passada é a Hipótese “E”: Depois de ver os donos deitados, sempre dormiu no sofá, porque é friorento. A Hipótese “A” não deverá ser considerada porque se o cão reclamasse o sofá para si, certamente se faria ouvir e tudo teria feito para desalojar a sua jovem companheira. Como para ficar mais perto da filha dos seus donos bastar-lhe-ia deitar-se aos seus pés, a Hipótese “B” não deverá ser considerada. Se animal fosse acometido de um mal-estar súbito ou pediria ajuda ou afastava-se, jamais se poria a dormir em cima da jovem, o que torna a Hipótese “C” fantasiosa. O facto do chão da sala estar cheio de livros da jovem não é razão suficiente para o cão se deitar com ela, porque certamente teria o seu próprio espaço e ainda sobraria na sala algum cantinho para se deitar, considerando que era um cão estimado e que dificilmente a jovem,  numa só noite, poderia revirar a casa e encher o chão de livros, já que se encontrava numa sala e não numa biblioteca, o que torna a Hipótese “D” pouco provável.

CORREIO DOS LEITORES: DE NOVO ATRÁS DA CAUDA!

Recebemos de um nosso leitor o seguinte email: “Caros Srs. Quero antes de mais felicitá-los pelo excelente blogue… Tenho uma cadela Pastor Alemã (Lobeira) com dois anos de idade que morde a cauda, adquiri-a com 4 meses de idade já com esse trauma. Foi-me dito pelo criador que tal comportamento passaria com o adestramento e maturidade da cadela, mas tal não se verificou… Noto que a cadela fica mais excitada, começando a perseguir a cauda, quando está presa, e vê alguém estranho ou outros animais na minha habitação/quintal. Após leitura atenta sobre o vosso tópico verifiquei que os Srs. Têm mais informação sobre o mesmo, informação essa, que agradecia se ma pudessem disponibilizar… Queria resolver o problema da Mika para a própria não se prejudicar e pelo transtorno que causa vê-la naquela aflição. Queria também saber se tal comportamento se transmite geneticamente, caso um dia pensasse em cruzá-la. Fico a aguardar notícias e conselhos, muito obrigado! No caso da minha cadela, verifico o seguinte: boas dimensões do canil (15m2); espaço envolvente grande, meio hectare; boa higiene do canil; boa higiene do animal em questão; boa alimentação e bom equilíbrio de tempo confinamento/liberdade. Contudo, as marchas diárias nem sempre são conseguidas… Apesar do cansaço físico dos treinos, melhorou mas não por completo. Ficava mais relaxada, mas se exposta aos factores acima descritos ateimava no comportamento (embora pare à ordem verbal de “não”). PS: Junto envio o seu pedigree em anexo”.
Como nãos somos mágicos e não temos uma cartola para tirar de lá um coelho, também porque não somos milagreiros e chegados às artes do oculto, pedimos ao proprietário desta cadela que nos respondesse a um questionário de sensivelmente 40 perguntas, para melhor conhecermos o animal, o seu histórico, o particular da sua instalação e o seu dono, factores importantíssimos para a descoberta das possíveis causas, se ambientais ou genéticas e para a diagnose objectiva do problema visando a sua solução. Pedimos ao proprietário da “Mika” que nos autorizasse a publicação da sua resposta, ao que anuiu prontamente para bem doutros interessados e com o mesmo problema. Graças à descrição do problema, às respostas que nos foram enviadas e ao estudo da genealogia desta pastora (pelo pedigree que nos foi adiantado), afirmamos tratar-se de uma Pastora Alemã Lobeira, cinzenta de predominância, produto de quadro aberto (resultante do beneficiamento de diversas variedades cromáticas), descendente de cães excepcionalmente grandes e alguns testados no trabalho, meia-linha, com boa cabeça e implantação de orelhas, de ossatura média, com 60cm de altura e 28kg de peso (o que denuncia um deplorável acompanhamento nos ciclos infantis), com um quociente de envergadura de 2.14, pernalta, cuja curva de crescimento obedeceu à linha estética actualmente em vigor (teve o 1º cio aos 8 meses e pouco cresceu a partir daí), saudável, atleta e sem maiores entraves físicos.
De carácter submisso, afectuosa, cúmplice, activa, carente emocionalmente (pede festas amiúde), ansiosa, instável, socialmente desenraizada, com excelentes impulsos herdados ao alimento, movimento e à luta, mediana de capacidade de aprendizagem, competitiva, possivelmente pouco aproveitada, de forte sentimento gregário, com necessidades de evasão e excursão, de fácil travamento, parcialmente treinada e que acusa de sobremaneira a inibição. O seu dono tem alguma experiência na cinotecnia enquanto tratador (rudimentar), é tolerante e um apaixonado pela raça (mais cardíaco do que conhecedor), faltando-lhe conhecimento objectivo da sua história, mecânica, psicologia e mais-valias cognitivas, ignorando em simultâneo alguns princípios básicos relativos à canicultura no geral, nomeadamente os concernentes à transmissão genética, à selecção de cães, ao seu acompanhamento, desenvolvimento e particular instalador, já que não foi alvo de formação nessas áreas e assumiu como absolutos alguns pressupostos generalizados que obstam a compreensão de cada cão em particular, resultando disso a impotência para valer aos achaques da cadela, que não sendo da sua responsabilidade, tendem a perpetuar-se e agravar-se pela sua inacção. Como pessoa sensível que é e não se conformando com a situação, acabou por nos pedir ajuda, o que é de todo louvável.
A história da “Mika” divide-se em quatro momentos que correspondem em número ao particular da sua instalação. Ao que consta, foi criada no Norte do País, vindo depois a ser entregue ao proprietário do seu pai, possivelmente como compensação económica por algum trato anteriormente havido, onde permaneceu até aos 4 meses dentro dum canil, ocasião em que já manifestava o mau hábito de morder a cauda, pormenor que o seu proprietário de então disse ser transitório e ultrapassável pelo crescimento e adestramento da cadela, explicação que satisfez o nosso leitor e não impediu que a adquirisse. O animal veio depois a ser instalado num canil na casa dos pais do seu actual proprietário, que a remeteu para um canil, onde dividia o habitáculo com outro Pastor Alemão Lobeiro, que segundo o que nos adiantaram era sóbrio de carácter. E como a vida é feita de mudança e não sobra aos cães outro remédio do que marcharem atrás dos donos, hoje encontra-se no Centro do País onde o seu dono buscou habitação, dentro de um canil com outro cão, agora um Pastor preto-afogueado, com 1 ano de idade, resultante do beneficiamento entre um pai preto-afogueado e mãe dourada, brincalhão, alegre e imaturo, que não interfere nas acções da cadela, como seria de esperar, atendendo à sua idade, despreparo e tardio alcance da sua maturidade emocional. A opção pelo alojamento compulsivo no canil ficou a dever-se à compreensão que o actual dono tem dos cães e também para que estes não lhe sujem a casa e lhe causem alguns transtornos familiares.
A “Mika” morde a cauda (que já” lembra um pau de vassoura”) quando vê alguém estranho ou outros animais nas redondezas da casa ou do canil. Antes de partir para o disparate geme e nunca se joga contra as grades ou morde-as, sintomas por si mesmo elucidativos acerca das causas do desvio e do perfil psicológico do animal, considerando a “voz que utiliza e o modo que usa no despoletar daquelas acções. O seu dono deseja usá-la para reprodução mas teme que o problema seja de origem genética, pelo que neste momento não sabe o que fazer. Será ele de origem hereditária?
É evidente que não! Se todos os cães de trabalho activos, competitivos, curiosos e ávidos de excursão, com forte sentimento gregário e óptimos impulsos ao alimento, movimento e à luta (qualidades que se procuram) mordessem amiúde as caudas, certamente abandonariam as suas tarefas pela exaustão, perdendo assim qualquer préstimo. Pela experiência que temos e por aquilo que nos foi dito, a causa do problema reside na mudança de mão a que a cadela se viu sujeita, quando foi arrancada de quem lhe deu o “imprinting” e entregue a quem a enjaulou, que por certo não morria de amores por ela (acreditamos que tenha sido vendida a baixo preço), porque doutro modo jamais se desfaria dela. A alteração arbitrária do modo de vida do animal e a alteração social a que obrigou são as causas objectivas do problema, sendo por isso de origem ambiental e não genética, o que equivale a dizer que a alteração de rotinas induzirá à solução do problema, alteração que deverá primeiro considerar o indivíduo e depois o particular da raça a que pertence.
Para aqueles que andam mais esquecidos ou que ignoram qual o significado das diferentes “vozes” dos cães, adianta-se que o “gemer” é sempre uma súplica e um pedido de ajuda, que é exactamente o que a “Mika” solta antes de se auto mutilar. Torna-se evidente que se sente infeliz dentro do canil, que o “entende” como um lugar de desterro face ao seu histórico anterior, um entrave para a sua necessidade de coabitação e que lhe impede uma relação mais próxima com o dono, já que junto dele não envereda pelo disparate. Antes doutras considerações importa dizer que o canil mais serve aos donos do que aos cães e que são raros os que o preferem em detrimento da companhia dos donos, porque são seres manifestamente sociais e que são seleccionados e criados para a parceria. A talhe de confidência adianto que já conheci um cão assim, por sinal um Pastor Alemão, que abominava estar num apartamento e que adorava ser encerrado num canil, que por ironia do destino e falta de outros, se viu obrigado a ser estrela da TV, manifestando em simultâneo um conjunto de várias taras.
O problema da “Mika”, como já atrás dissemos, é reflexo dum encarceramento precoce e arbitrário, infelizmente muito comum entre nós, que desrespeita as necessidades sociais dos cachorros em função da conveniência dos seus proprietários, também desconhecedores da relação existente entre a idade dos seus pupilos e o tipo de alojamento adequado, que sempre deverá considerar as diferentes maturidades que atravessam. O facto do dono não ter até ao momento disponibilidade para a passear diariamente, mais agrava o problema pelo aumento da ansiedade que provoca (todos os cães saudáveis deverão passear uma légua diária, em marcha e por diferentes ecossistemas, visando a sua saúde, desenvolvimento, robustecimento, parceria, adequação, aumento cognitivo e bem-estar).
A uma cadela submissa com este problema, que se auto mutila por ansiedade, é contraproducente instalar-lhe comandos inibitórios porque mais agravarão esse comportamento anómalo, por força da rejeição que aumentará a sua frequência e intensidade. Nestes casos os comandos inibitórios deverão dar lugar a exercícios que reforcem a cumplicidade com os donos, tirados a partir da supercompensação (reforço positivo), para devolverem aos animais a serenidade e confiança que lhes falta, já que psicologicamente encontram-se debilitados. Juntar a inibição ao desencanto pelo alojamento e à revolta pelo isolamento é, como se diz na gíria, “pior que bater no ceguinho”. Mais do que promover estafas aos cães, na esperança de que quebrados não abraçarão o desvio, o que não é verdade e não resulta, importa diminuir-lhes a intensidade dos exercícios e promover a cumplicidade que se fundamenta na união binomial, pois só ela será capaz de devolver aos cães a confiança e o bem-estar em débito. Primeiro importa recuperar (curar) a cadela, “pô-la em paz com o dono” e só depois se deverá pensar no adestramento, que a acontecer, deverá ser feito com todas as cautelas para não dar azo ao ressurgimento do desvio e mau hábito.
O que o nosso leitor deveria ter feito antes de pensar em treinar a cadela e ter seguido o conselho de quem lha vendeu (sem dúvida um “expert”), relegando-a mais uma vez para dentro dum canil, era serená-la, coabitar com ela e mantê-la sempre a seu lado. Segundo o que nos fez saber, o canil onde cadela se encontra alojada com o outro cão, é rodeado de um terreno vedado com meio hectare de área e se assim é, não percebemos do que está à espera para lhe abrir a porta do canil e soltá-la, para que a liberdade de movimentos obste à tortura induzida pelo confinamento, sendo este o primeiro passo para a recuperação do animal. Ao fazê-lo verá melhorias imediatas, porque a cadela ao invés de morder a cauda quando avista outros cães, persegui-los-á ao longo da cerca, sentindo-se confiante e menos vulnerável pelo recurso à defesa do território.
Queremos lembrar ao dono da “Mika” que a aquisição de um cão, devido às alterações a que obriga, deverá ser um projecto familiar e quando a opção não é unânime, será o cão que irá pagar!  Assim, as rápidas melhoras da cadela e a supressão do vício acontecerão quando conseguir levá-la para dentro de casa, ensinando-lhe regras e hábitos de higiene, porque quando ela está ao seu lado ou vai no carro consigo não morde a cauda e quando o faz está dar-lhe um recado: “tira-me daqui e leva-me contigo!” Não é por acaso que o fenómeno é mais frequente nos cães alojados em canis e que raramente sucede aos que vivem dentro de apartamentos, muito embora possam ser acometidos de igual toleima, se os donos persistirem em não os levar à rua, erro em que o dono da “Mika” também incorre e que agrava o problema, quando a isenta dos passeios diários. Ainda hoje vivo com um cão dentro de casa e não me queixo, porque a suja menos do que as pessoas que nela vivem, já que tenho o cuidado diário de escová-lo e passeá-lo. Se por acaso tiver dúvidas quanto à limpeza da cadela, prontificamo-nos desde já para o esclarecer, até porque outras dificuldades não terá, visto que esta lobeira gosta de ser escovada.
A permanência ou coabitação da cadela dentro de casa tanto poderá ser provisória quanto definitiva, muito embora optássemos claramente pela segunda opção, porque entendemos que o lugar do Pastor Alemão é ao lado do seu dono, considerando o seu particular social, territorialidade e melhor aproveitamento das suas características, já que de mercenário e arruaceiro tem pouco e vive em função do dono, ao ponto de dar a vida por ele. Considerando a manifesta resistência familiar a tal terapia, não havendo mudança de opinião nos seus opositores, ela terá que ser necessariamente provisória, o que de certa forma poderá convencer, atendendo à necessidade de recuperação da cadela, os membros do agregado familiar do dono, que tudo leva a crer serem pessoas sensíveis. Contudo, essa permanência provisória dentro de casa só deverá cessar passados 90 dias, se nesse período de tempo a cadela não voltar ao disparate, podendo eventualmente ser encurtado pelo desejo do animal, que farto das quatro paredes domésticas poderá ambicionar outros territórios, o que não é raro acontecer e até é desejável. Na ausência dos donos poderá ficar junto à sua habitação em liberdade, o que contribuirá de sobremaneira para o seu policiamento e defesa, facilitando em simultâneo a sua transferência de casa para a rua., transferência que deverá ser faseada: de casa para o quintal e deste para o terreno vedado onde se encontra o canil, que sempre deverá ter a porta aberta. É possível e geralmente acontece, que passados 90 dias toda a família já se tenha costumado ao animal e não veja com bons olhos a sua separação, considerando a parceria e segurança que o animal tem para oferecer.
Se porventura a permanência da cadela dentro de casa estiver fora de causa, sobra-nos o canil de porta aberta e a permanência do animal em liberdade pelo meio hectare vedado, terapia também válida, ainda que mais morosa e sujeita a  eventuais retrocessos. Independentemente do animal ficar alojado em casa ou instalado no terreno, a sua excursão diária torna-se imperativa tanto para o seu bem-estar como para a melhor aceitação do seu refúgio, onde se sentirá mais seguro perante a surpresa e novidade dos passeios. Como o morder da cauda é de origem ambiental, não há qualquer inconveniente em cruzar a “Mika”, que deverá ser beneficiada por um cão com um quociente de envergadura de 1.7, doutra variedade cromática, sem nenhum grau de parentesco com ela, de boa morfologia e aprumos, com forte impulso ao conhecimento e seguro de carácter, nunca mais alto do que ela 4cm, para que a futura prole seja de qualidade superior à sua matriarca, excessivamente leve, pernalta, ansiosa e instintiva. Se ainda restarem dúvidas e é natural que as haja, mantemo-nos como sempre à disposição. Há que dar os parabéns ao dono da “Mika” pela sua aquisição, porque cada cão é um aprendizado e todos contribuem para o seu  conhecimento geral. Se eventualmente as soluções indicadas não sutirem efeito, ainda nos sobra como solução o beneficiamento da cadela, porque o instinto maternal, ao ser imperativo e absoluto, tende a levar de vencida a maioria dos traumas anteriores à prenhez. Por causa deste particular, sempre será mais fácil eliminar a automutilação numa fêmea do que num macho, sendo a castração das cadelas, se for caso disso, mais rica em taras.

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O ranking semanal dos textos mais lidos ficou assim ordenado:
1º _ PASTORES ALEMÃES DE PELO COMPRIDO: PARTICULARIDADES, editado em 02/08/2014
2º _ O CÃO LOBEIRO: UM SILVESTRE ENTRE NÓS, editado em 26/10/2009
3º _ A ESCOLA-OFICINA, editado em 14/09/2009
4º _ FILIPE DIOGO ELIAS PEREIRA (TI FILIPE): O PERCURSOR,  editado em 28/05/2009
5º_ QUAL SERÁ O MOTIVO (XXI)?, editado em 19/03/2015
6º _ ROTTWEILER: O AMIGO DECLARADO INIMIGO, editado em 21/02/2014
7º _ ENQUANTO OS DONOS SE COÇAM , OS CÃES ROEM A CAUDA!, editado em 26/02/2015
8º _ A TENTAÇÃO PELOS CÃES ORIENTAIS E O THAI RIDGEBACK, editado em 15/03/2014
9º _ O CÃO DOS OBESOS: DESTINO E FUNÇÃO TERAPÊUTICA, editado em 10/08/2012
10º _ A FÁBULA DO LOBO CHECO: O REGRESSO AO ATAVISMO, editado em 15/03/2014

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país ficou assim escalonado:
1º Portugal, 2º Brasil, 3º Estados Unidos, 4º Alemanha 5º Reino Unido, 6º Itália, 7ºEspanha, 8º Noruega, 9º Ucrânia e 10º França.

quinta-feira, 19 de março de 2015

VIVER NO CAMPO E FACTURAR: O CÃO DE TRUFAS

Certa vez, um conhecido meu, ao tempo um superior hierárquico, um estrangeiro mordaz, perdido no tempo e entregue ao seu culto pessoal, contou-me uma anedota acerca do País que o viu nascer, que segundo ele era cobiçado por todos os povos, pelo seu clima, beleza e recursos naturais. Os habitantes das outras partes do Mundo foram ter com Deus e questionaram-no acerca daquela disparidade, porque se sentiam injustiçados. O Criador sossegou-os dizendo: “esperem para ver que povo eu ali vou colocar!”. O mesmo se poderá dizer sobre Portugal e os portugueses, considerando o pouco empreendorismo da nossa classe empresarial em particular e o subaproveitamento generalizado dos nossos recursos naturais, quiçá por desinteresse, inércia, pouca audácia, ausência de visão, ou desconhecimento, o que lamentavelmente tem transformado ricas áreas do País em desertos sem préstimo ou em antros de desilusão. E se eventualmente se tornarem rentáveis, é porque algum estrangeiro lhes deitou a mão, ao comprar o que ninguém queria e vindo depois a sofrer inveja. Exemplo disso é o que acontece lá para as bandas da Barragem do Alqueva, onde são os agricultores espanhóis que mais lucram com ela (exemplos não faltam!).
Mal ou bem, segundo o amadorismo que nos caracteriza e que nos induz a fim incerto, rara é a escola canina que não treina pistagem, normalmente para a procura de pessoas desaparecidas, apesar das polícias e dos bombeiros terem binómios ou equipas profissionais para esse efeito (se não forem capazes, deveriam sê-lo), como se o País se situasse nas Caraíbas, os portugueses pudessem ir para muito longe com os bolsos vazios ou fossem maioritariamente isentos de sentido de orientação. Entre o lúdico e o prático e entre o gozo e a utilidade, mais usamos os nossos cães para gozo pessoal do que para benefício próprio ou comunitário, subaproveitando a sua parceria para o alcance de novos proventos, como se todos tivéssemos alguma generosa feitoria no Atlântico Sul e a maioria da nossa correspondência não assentasse sobre facturas a pagar. Quase que religiosamente, os espanhóis invadem as matas do Norte do País para a apanha dos míscaros (cogumelos silvestres), iguaria do seu apreço que recolhem para consumo próprio ou para venda, já que o seu paladar e qualidade são incomparavelmente superiores aos dos industriais vendidos enlatados, quer sejam inteiros ou laminados. E naquela procura é raro ver portugueses, porque já são poucos os que por ali vivem, não sabem diferenciar os comestíveis dos venenosos e é mais prático e seguro ir buscá-los às prateleiras dos supermercados.
Apesar da maioria dos solos portugueses não ser rica em trufa, devido à sua natureza alcalina, ela é abundante junto às matas de carvalhos, azinheiras, aveleiras e salgueiros, proliferando junto às suas raízes, a uma profundidade que oscila entre os 20 e os 40cm. São muitas as variedades de trufa existentes em Portugal e ela presta-se, de acordo como a sua variedade, como combustível, correctora de solos e como pitéu inconfundível, nomeadamente a variedade negra que abunda entre nós e que atinge valores exorbitantes por Quilo, fazendo parte do cardápio dos restaurantes mais credenciados que têm para ela clientes certos. A trufa consumida em Portugal é desnecessariamente importada e inflacionada. Quem tiver dúvidas que vá até ao “Corte Inglês” e veja o preço da trufa e dos produtos enriquecidos por ela. A grosso modo e dispensando maior rigor científico, a turva é uma espécie de carvão vegetal formado pela decomposição de substanciais vegetais (fungos comestíveis), principalmente de musgos e que lembra a madeira fóssil. Entre a trufa e as raízes das árvores existe uma permuta que serve a ambas: a turfa alimenta-se das raízes das árvores e estas buscam nelas os elementos minerais necessários ao seu desenvolvimento. Dito isto, tanto no Norte como no Alentejo, a abundância da trufa negra é garantida, o que é uma excelente notícia, porque ela atinge por vezes preços superiores ao do ouro e tem mercado, nomeadamente no estrangeiro onde é muito apreciada e requisitada. Existem 32 variedades de trufas no Mundo mas apenas 7 são comercializadas, dividindo-se entre brancas e negras.
Na apanha da trufa costumam-se usar cães e porcos para a sua detecção. Como a maioria dos portugueses tem cães, não seria rentável usá-los para isso? Cada variedade de trufa, intimamente ligada ao teor de humidade e composição dos solos, tem diferentes estados de maturação e um calendário próprio para a sua apanha, que importa conhecer e respeitar, respeitando-se ao mesmo tempo as raízes das árvores que a alimentam. Independentemente do seu fim, sabendo-se de antemão que a trufa destinada à alimentação é a mais rentável, qualquer das suas variedades premiará o esforço canino. Ensinar um cão a detectá-la será mais difícil do que pedir idêntico trabalho a um porco, o que não significa que seja uma tarefa hercúlea ou de difícil aceitação e assimilação para os cães, muito pelo contrário, porque pelo reforço positivo depressa dela se agradarão, sendo mais apelativa que a detecção de elementos químicos, explosivos ou não. Daqui convidamos os proprietários caninos para a sua identificação e estudo dos locais por onde abunda, para que reconheçam as suas variedades e préstimo, procedendo posteriormente à sua válida extracção, não sem antes procederem ao estudo do mercado. Convém fazê-lo antes que outros o façam, para não ficarmos irremediavelmente a “chuchar no dedo”, trazendo cães de fora ou ensinando os nossos, estabelecendo aqui um monopólio sobre o que é nosso, ficando nós, mais uma vez, dependentes do investimento estrangeiro.
Sabendo-se que a trufa branca e a negra são as mais procuradas e rentáveis, que a qualidade faz a diferença, a concorrência existe e que ninguém deseja ser destronado, o uso das outras variedades tem destino certo na agricultura e na floricultura (continuamos a importá-la para esses fins) para além doutros usos que importa descobrir. Lembro aqui a novidade do uso recente da cortiça, que por inovação de alguns portugueses, deixou de ser unicamente uma indústria para o isolamento ou destinada à fabricação de rolhas. Para os menos ambiciosos e empreendedores mas mais chegados ao consolo das suas barrigas, vale a pena treinarem os seus cães para a detecção da trufa, porque com ela se fazem manjares dignos de reis, sendo utilizada para aromatizar pratos e azeites, enriquecer massas e risotos ou apaladar de forma única um ovo frito, já que o seu sabor (o da negra) lembra nozes, avelãs, terra, castanhas e bosques (os marotos dos chineses já criaram aromas de trufa artificiais, habilidade que muito enfureceu os produtores franceses).
Brillat-Savarin, um célebre e mui respeitado gastrónomo francês, autor da obra “Physiologie du Goût”, publicada em Dezembro de 1825, considerava a trufa o diamante da cozinha. Os cães de trufa são muito valorizados em França, na Bélgica, em Itália e nas Ilhas Britânicas, locais onde tradicionalmente a iguaria é muito apreciada. Ao ensinar o seu cão a detectar trufa, está prepará-lo para a detecção em geral, independentemente de vir a procurar indícios, substâncias químicas, componentes explosivos, pessoas, animais ou cadáveres soterrados, porque o método é o mesmo e o reforço positivo a tudo se presta. Vale a pena experimentar e pode ser que ao ir de férias, se for na estação certa e tiver cão para isso, regresse a casa com mais dinheiro.

SE AINDA NÃO O FEZ, FAÇA-O AGORA

A Primavera e a tosse do canil sempre andam de mãos dadas. Se ainda não vacinou o seu cão contra a tosse do canil, faça-o agora, antes que seja tarde. Se por acaso o vacinou no Outono, proceda ao seu reforço. As estações intermédias são as que mais concorrem para a ocorrência da doença, que é debilitante e quando não convenientemente debelada poderá induzir a complicações mais graves. A tosse do canil, que é altamente contagiosa, não se apanha exclusivamente nos hotéis para cães ou nos canis, mas em todos os locais altamente frequentados por cães, como parques e jardins. Fica o conselho!