Fez no
passado dia 18 de Julho cem anos que se iniciou a I Guerra Mundial, a guerra
para acabar com todas as guerras e na qual Portugal participou com o seu “Corpo
Expedicionário”, mais para garantir a sua soberania e a aceitação da República
do que por outras razões, intentos ou ambições. Ficámos célebres na Batalha de La Lys , onde virámos carne para
canhão e não conseguimos suster a ofensiva alemã comandada pelo General
Ferdinand Von Quast, que à frente de 55.000 homens, seguindo a estratégia de
Erich Ludendorff, nos causou 7.500
baixas em apenas 4 horas (entre os quais 327 oficiais), cerca de metade do
nosso efectivo na linha da frente. Naquela época o soldado português
dificilmente ultrapassaria 1.60m de altura, nunca foi rendido nas trincheiras
pelos britânicos (diz-se que por falta de barcos de transporte) e a sua maioria
era analfabeta. Também a qualidade dos seus oficiais seria pouco recomendada,
já que alguns, mercê do seu poder económico e influência, uma vez em Portugal,
não voltavam a ocupar os seus postos, factores que contribuíram para a quebra
da moral das nossas tropas e que resultaram em insubordinações, deserções e
suicídios (a foto abaixo é da autoria de Joshua Benoliel, considerado o rei dos
fotógrafos, um judeu português que entre nós introduziu a reportagem
fotográfica e que foi o maior vulto nessa área no início do Sec. XX).
O
Exército Português sofreu ali a sua segunda maior derrota, logo a seguir à
fatídica Batalha de Alcácer-Quibir (1578). Não obstante, muitos combatentes se
notabilizaram, como foi o caso do Soldado Aníbal Augusto Milhais, que ficou
para a história como “Milhões”, um pequeno transmontano que morreu na miséria e
que recebeu as mais altas condecorações nacionais e internacionais, por ter
aguentado sozinho 3 vagas de ataques alemães e ainda ter carregado e salvo um
médico-militar escocês, graças à metralhadora que lhe foi distribuída: uma
Lewis, a quem carinhosamente tratava por “Luísa”. Caberá
à Comissão Coordenadora das Evocações do 1º Centenário da I Guerra Mundial dar
mais pormenores sobre a participação portuguesa naquele conflito, já que o
nosso tema é outro: Os Animais na I Guerra Mundial, muito embora, como é
sabido, a Alemanha nos tenha entregue várias locomotivas como contrapartida ao
nosso esforço de guerra.
Bois,
burros, cães, camelos, cavalos, elefantes, mulas, pombos e até pirilampos,
foram recrutados por ambas as partes para o conflito. A espécie mais dizimada
foi a dos cavalos, animais usados para o combate e para o transporte de
pessoas, armamento, mantimentos e demais material logístico. Estima-se que no
total tenham morrido, por exaustão e abate, cerca de oito milhões deles na
Primeira Grande Guerra, número que ainda hoje causa calafrios, como arrepia
saber que morreram também 9 milhões de
homens.
Todo o
animal capaz para a tracção foi usado e abusado, e os elefantes não escaparam à
regra, sendo recrutados nas colónias dos impérios de então para os trabalhos
mais pesados e que exigiam mais força bruta, por todas as potências
beligerantes nos trabalhos da retaguarda.
Os pombos
também foram amplamente usados, cabendo-lhes como tarefas o envio e o retorno
de mensagens, adaptando-se para efeito viaturas que funcionavam como pombais
móveis. Graças ao seu sucesso na I Guerra Mundial como pombos-correios, viriam
ainda a ser usados na II Grande Guerra, o que serviu de forte incremento para a
actual columbofilia.
Funcionando
como “rádios” e garantindo a comunicação entre o Quartel-General e as unidades
no terreno, os pombos eram carregados às costas dos militares que tinham como
incumbência a sua subsistência e uso, descansando depois em gaiolas
improvisadas no terreno, onde eram alimentados e se esticavam (mais as pernas
do que as asas).
Os pombos
foram ainda utilizados como fotógrafos aéreos nos dois grandes conflitos
mundiais, vindo mais tarde a ser substituídos pelos aviões (hoje são-no por
aviões telecomandados e por fotografia via satélite). O uso dos pombos levou ao
consequente aumento da sua captura e ao desenvolvimento da falcoaria.
Eis-nos
chegados aos cães. Estima-se que os aliados usaram 20.000 e os germânicos
6.000, cães de todas as raças e onde o Pastor Alemão se veio a notabilizar, o
que viria a transformá-lo no cão de guerra preferido por todos os exércitos,
logo no conflito mundial seguinte, apesar de na I Guerra Mundial ter sido mais
usado como cão mensageiro.
Belgas, franceses e
austríacos, depois todos os outros, valeram-se dos cães para a tracção, para o
transporte de feridos e de armas (metralhadoras). Neste último caso a sua
designação era: “mitrailleuses à traction canine” (atrelados de metralhadoras de
tracção canina). O transporte destas armas era geralmente assegurado por dois
cães tipo molossóide. Os Bouviers da Flandres destacaram-se no transporte de
feridos e os molossos alemães no transporte de armas mais pesadas.
Os cães foram também
utilizados para o transporte de medicamentos para as trincheiras e alguns deles
constituíram binómios com socorristas e enfermeiras, sendo identificados por
todos através de um colete branco com uma cruz vermelha, sendo protegidos dos
outros cães por uma coleira de bicos. Graças a esta utilização, a procura de
cães de resgate e salvamento ganhou novo ânimo, abrangeu outras tarefas e
alcançou outras especialidades.
Com o recrutamento dos
cavalos para a guerra, as populações de refugiados, à falta de melhor,
serviram-se dos cães para o transporte dos seus pecúlios rumo a locais mais
seguros ou distantes da guerra, quer adaptando quer criando novos tipos de
carroças, o que muito contribuiu para a valorização destes animais, enquanto
auxiliares e companheiros sempre presentes, apesar de vítimas do mesmo
infortúnio.
Depois
que Fritz Harber, Prémio Nobel da Química, propôs em 1915 o uso de gás cloro
contra os inimigos, ideia posta em prática na Batalha de Ypres e que tantos
portugueses vitimou, também os cães se viram obrigados ao uso da máscara, eles
e os outros animais usados na guerra. Num ápice, os aliados ripostaram com
idênticas armas químicas e o número de baixas aumentou significativamente dos
dois lados. Foi exactamente na I Guerra Mundial que se usaram pela primeira vez
armas químicas em larga escala. Resta dizer que as máscaras eram pouco
eficientes e a sua validade estava longe de ser absoluta, o que acabou por
vitimar largo número de homens e cães por asfixia.
A Guerra de 1914-1918
marca também uma viragem no uso dos cães para fins militares, até ali mais
usados como mensageiros, como já havia sucedido na Guerra da Crimeia
(1853-1856), ao suscitar-lhes outras funções para além dessa, ainda que
isoladamente, de acordo com as circunstâncias e com potencial individual dos
animais, esboçando-se ali o que viemos a convencionar como “cão de guerra”, algo
para além da simples vigia e mais ligado a acções defensivas e ofensivas. Da I
para a II Grande Guerra, os cães para além das atribuições defensivas (rondas,
guarda de instalações e de paióis), constituíram-se em tropa de assalto e
acabaram aero-transportados. Em Portugal tal se deve ao General Kaúlza de
Arriaga, um brilhante estratega militar, mal-amado e a quem ainda não foi feita
justiça, que no final da década de 50 incorporou os primeiros Pastores Alemães
nas Tropas Pára-quedistas (no ano seguinte seria a vez da GNR).
O uso dos
cães anti-tanque também teve a sua origem na I Guerra Mundial e foram os
aliados quem primeiro os usou. Russos e americanos irão vulgarizar esse “uso”
no conflito mundial seguinte, ficando tristemente célebres os cães da Batalha
de Estalinegrado (1942/1943),
que obrigavam o exército alemão à sua caça e abate matinais. Independentemente
da crueldade do seu uso, porque foram desconsiderados e não tiveram hipótese de
escolha, todos os animais usados na guerra foram vítimas do especicismo que até
hoje perdura.
O esforço e a morte
inglória dos animais usados na guerra, têm sido objecto de vários memoriais e
monumentos um pouco por todo lado, memórias que não escondem a carnificina que
empreendemos e continuamos a empreender sobre os animais que domesticámos, que
a troco de quase nada deram a vida por nós!
Na
Primeira Guerra Mundial morreram mais animais do que soldados, na Segunda essa
relação inverteu-se e espera-se que no futuro tanto os homens como os animais sejam
poupados, porque jamais haverá uma guerra justa ou santa, porque todas foram e
continuarão a ser fratricidas, ocasiões onde o pior de cada um de nós se solta
e é obrigado a matar para não ser morto. Na II Guerra Mundial o recrutamento de
cães aumentou e muitos abusos foram cometidos, o que sensibilizou a opinião
pública e culminou com a Declaração Universal dos Direitos Animais (1978),
documento ainda a aguardar aprovação pela ONU (Organização das Nações Unidas),
enquanto proposta para diploma legal internacional. Não falámos para que
serviam os pirilampos (vaga-lumes no português do Brasil). Esses insectos foram
utilizados nas trincheiras como LED’s, para a leitura de cartas, mapas ou
ordens, funcionando como lanternas ou lamparinas, depois de colocados dentro de
um frasco de vidro ou dum utensílio reflector. Muito do que hoje se ensina na
cinotecnia teve a sua génese na Primeira Grande Guerra, ratificou-se na Segunda
e ainda continua por cá. Não aprenderá o homem com os seus erros?
Queira
Deus que a crise na Ucrânia não sirva de presságio ou de ensaio para outra
grande guerra, como outrora sucedeu com a Guerra da Crimeia, também ela
precursora da I Guerra Mundial. Esperemos que não!
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