sábado, 2 de agosto de 2014

THEY HAD NO CHOICE: OS ANIMAIS NA I GUERRA MUNDIAL

Fez no passado dia 18 de Julho cem anos que se iniciou a I Guerra Mundial, a guerra para acabar com todas as guerras e na qual Portugal participou com o seu “Corpo Expedicionário”, mais para garantir a sua soberania e a aceitação da República do que por outras razões, intentos ou ambições. Ficámos célebres na Batalha de La Lys, onde virámos carne para canhão e não conseguimos suster a ofensiva alemã comandada pelo General Ferdinand Von Quast, que à frente de 55.000 homens, seguindo a estratégia de Erich Ludendorff, nos causou 7.500 baixas em apenas 4 horas (entre os quais 327 oficiais), cerca de metade do nosso efectivo na linha da frente. Naquela época o soldado português dificilmente ultrapassaria 1.60m de altura, nunca foi rendido nas trincheiras pelos britânicos (diz-se que por falta de barcos de transporte) e a sua maioria era analfabeta. Também a qualidade dos seus oficiais seria pouco recomendada, já que alguns, mercê do seu poder económico e influência, uma vez em Portugal, não voltavam a ocupar os seus postos, factores que contribuíram para a quebra da moral das nossas tropas e que resultaram em insubordinações, deserções e suicídios (a foto abaixo é da autoria de Joshua Benoliel, considerado o rei dos fotógrafos, um judeu português que entre nós introduziu a reportagem fotográfica e que foi o maior vulto nessa área no início do Sec. XX).  
O Exército Português sofreu ali a sua segunda maior derrota, logo a seguir à fatídica Batalha de Alcácer-Quibir (1578). Não obstante, muitos combatentes se notabilizaram, como foi o caso do Soldado Aníbal Augusto Milhais, que ficou para a história como “Milhões”, um pequeno transmontano que morreu na miséria e que recebeu as mais altas condecorações nacionais e internacionais, por ter aguentado sozinho 3 vagas de ataques alemães e ainda ter carregado e salvo um médico-militar escocês, graças à metralhadora que lhe foi distribuída: uma Lewis, a quem carinhosamente tratava por “Luísa”. Caberá à Comissão Coordenadora das Evocações do 1º Centenário da I Guerra Mundial dar mais pormenores sobre a participação portuguesa naquele conflito, já que o nosso tema é outro: Os Animais na I Guerra Mundial, muito embora, como é sabido, a Alemanha nos tenha entregue várias locomotivas como contrapartida ao nosso esforço de guerra.
Bois, burros, cães, camelos, cavalos, elefantes, mulas, pombos e até pirilampos, foram recrutados por ambas as partes para o conflito. A espécie mais dizimada foi a dos cavalos, animais usados para o combate e para o transporte de pessoas, armamento, mantimentos e demais material logístico. Estima-se que no total tenham morrido, por exaustão e abate, cerca de oito milhões deles na Primeira Grande Guerra, número que ainda hoje causa calafrios, como arrepia saber que morreram também  9 milhões de homens.
Todo o animal capaz para a tracção foi usado e abusado, e os elefantes não escaparam à regra, sendo recrutados nas colónias dos impérios de então para os trabalhos mais pesados e que exigiam mais força bruta, por todas as potências beligerantes nos trabalhos da retaguarda.
Os pombos também foram amplamente usados, cabendo-lhes como tarefas o envio e o retorno de mensagens, adaptando-se para efeito viaturas que funcionavam como pombais móveis. Graças ao seu sucesso na I Guerra Mundial como pombos-correios, viriam ainda a ser usados na II Grande Guerra, o que serviu de forte incremento para a actual columbofilia.
Funcionando como “rádios” e garantindo a comunicação entre o Quartel-General e as unidades no terreno, os pombos eram carregados às costas dos militares que tinham como incumbência a sua subsistência e uso, descansando depois em gaiolas improvisadas no terreno, onde eram alimentados e se esticavam (mais as pernas do que as asas).
Os pombos foram ainda utilizados como fotógrafos aéreos nos dois grandes conflitos mundiais, vindo mais tarde a ser substituídos pelos aviões (hoje são-no por aviões telecomandados e por fotografia via satélite). O uso dos pombos levou ao consequente aumento da sua captura e ao desenvolvimento da falcoaria.
Eis-nos chegados aos cães. Estima-se que os aliados usaram 20.000 e os germânicos 6.000, cães de todas as raças e onde o Pastor Alemão se veio a notabilizar, o que viria a transformá-lo no cão de guerra preferido por todos os exércitos, logo no conflito mundial seguinte, apesar de na I Guerra Mundial ter sido mais usado como cão mensageiro.
Belgas, franceses e austríacos, depois todos os outros, valeram-se dos cães para a tracção, para o transporte de feridos e de armas (metralhadoras). Neste último caso a sua designação era: “mitrailleuses à traction canine” (atrelados de metralhadoras de tracção canina). O transporte destas armas era geralmente assegurado por dois cães tipo molossóide. Os Bouviers da Flandres destacaram-se no transporte de feridos e os molossos alemães no transporte de armas mais pesadas.
Os cães foram também utilizados para o transporte de medicamentos para as trincheiras e alguns deles constituíram binómios com socorristas e enfermeiras, sendo identificados por todos através de um colete branco com uma cruz vermelha, sendo protegidos dos outros cães por uma coleira de bicos. Graças a esta utilização, a procura de cães de resgate e salvamento ganhou novo ânimo, abrangeu outras tarefas e alcançou outras especialidades.
Com o recrutamento dos cavalos para a guerra, as populações de refugiados, à falta de melhor, serviram-se dos cães para o transporte dos seus pecúlios rumo a locais mais seguros ou distantes da guerra, quer adaptando quer criando novos tipos de carroças, o que muito contribuiu para a valorização destes animais, enquanto auxiliares e companheiros sempre presentes, apesar de vítimas do mesmo infortúnio.
Depois que Fritz Harber, Prémio Nobel da Química, propôs em 1915 o uso de gás cloro contra os inimigos, ideia posta em prática na Batalha de Ypres e que tantos portugueses vitimou, também os cães se viram obrigados ao uso da máscara, eles e os outros animais usados na guerra. Num ápice, os aliados ripostaram com idênticas armas químicas e o número de baixas aumentou significativamente dos dois lados. Foi exactamente na I Guerra Mundial que se usaram pela primeira vez armas químicas em larga escala. Resta dizer que as máscaras eram pouco eficientes e a sua validade estava longe de ser absoluta, o que acabou por vitimar largo número de homens e cães por asfixia.
A Guerra de 1914-1918 marca também uma viragem no uso dos cães para fins militares, até ali mais usados como mensageiros, como já havia sucedido na Guerra da Crimeia (1853-1856), ao suscitar-lhes outras funções para além dessa, ainda que isoladamente, de acordo com as circunstâncias e com potencial individual dos animais, esboçando-se ali o que viemos a convencionar como “cão de guerra”, algo para além da simples vigia e mais ligado a acções defensivas e ofensivas. Da I para a II Grande Guerra, os cães para além das atribuições defensivas (rondas, guarda de instalações e de paióis), constituíram-se em tropa de assalto e acabaram aero-transportados. Em Portugal tal se deve ao General Kaúlza de Arriaga, um brilhante estratega militar, mal-amado e a quem ainda não foi feita justiça, que no final da década de 50 incorporou os primeiros Pastores Alemães nas Tropas Pára-quedistas (no ano seguinte seria a vez da GNR).
O uso dos cães anti-tanque também teve a sua origem na I Guerra Mundial e foram os aliados quem primeiro os usou. Russos e americanos irão vulgarizar esse “uso” no conflito mundial seguinte, ficando tristemente célebres os cães da Batalha de Estalinegrado (1942/1943), que obrigavam o exército alemão à sua caça e abate matinais. Independentemente da crueldade do seu uso, porque foram desconsiderados e não tiveram hipótese de escolha, todos os animais usados na guerra foram vítimas do especicismo que até hoje perdura.
O esforço e a morte inglória dos animais usados na guerra, têm sido objecto de vários memoriais e monumentos um pouco por todo lado, memórias que não escondem a carnificina que empreendemos e continuamos a empreender sobre os animais que domesticámos, que a troco de quase nada deram a vida por nós!
Na Primeira Guerra Mundial morreram mais animais do que soldados, na Segunda essa relação inverteu-se e espera-se que no futuro tanto os homens como os animais sejam poupados, porque jamais haverá uma guerra justa ou santa, porque todas foram e continuarão a ser fratricidas, ocasiões onde o pior de cada um de nós se solta e é obrigado a matar para não ser morto. Na II Guerra Mundial o recrutamento de cães aumentou e muitos abusos foram cometidos, o que sensibilizou a opinião pública e culminou com a Declaração Universal dos Direitos Animais (1978), documento ainda a aguardar aprovação pela ONU (Organização das Nações Unidas), enquanto proposta para diploma legal internacional. Não falámos para que serviam os pirilampos (vaga-lumes no português do Brasil). Esses insectos foram utilizados nas trincheiras como LED’s, para a leitura de cartas, mapas ou ordens, funcionando como lanternas ou lamparinas, depois de colocados dentro de um frasco de vidro ou dum utensílio reflector. Muito do que hoje se ensina na cinotecnia teve a sua génese na Primeira Grande Guerra, ratificou-se na Segunda e ainda continua por cá. Não aprenderá o homem com os seus erros?
Queira Deus que a crise na Ucrânia não sirva de presságio ou de ensaio para outra grande guerra, como outrora sucedeu com a Guerra da Crimeia, também ela precursora da I Guerra Mundial. Esperemos que não!

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