O treino
canino obriga os condutores ao exercício da cumplicidade e da liderança, porque
é acção e travamento e nisto não difere de um comum interruptor, ainda que
accionado pelo uso acertado da emoção e da razão. O equilíbrio entre a
prontidão das acções e a sua suspensão imediata é que irá qualificar a obediência
canina, demonstrar o grau de condicionamento alcançado e classificar o trabalho
binomial (pôr um cão a atacar não é difícil, difícil é operar a cessação
automática dos seus ataques). Só uma liderança eficaz conseguirá travar os
ímpetos caninos, estabelecer regras e induzir os animais à novidade de rotinas,
as relativas à sua segurança, coabitação e uso.
Analisando a evolução do treino canino nos últimos 100 anos é possível
constatar profundas diferenças e a maior delas aconteceu no relacionamento
binomial pelo extremo das filosofias de ensino aplicadas. Até há cinco décadas
atrás, a ênfase pedagógica recaía sobre o travamento e daí para a frente sobre
o despoletar das acções. Se antes as ordens eram imperativas e ninguém se podia
“rir” para os cães, agora a cumplicidade é palavra de ordem, o que levou à
adopção da memória afectiva canina em detrimento da mecânica até ali muito utilizada.
Se outrora os cães transpiravam exagerado belicismo, agora desfilam como autênticos
patetas, sujeitando os seus donos ou condutores ao ridículo.
Ninguém duvida ou põe em causa que esta mudança de atitude foi benéfica
e mais do que justa para os cães, ainda que tenha chegado com algum atraso,
considerando o seu bem-estar e o melhor aproveitamento individual, o que se
contesta é generalizar pedagogias para animais diametralmente opostos,
privilegiando por vezes os fracos em prejuízo dos fortes, o que tem levado ao
préstimo subjectivo dos primeiros e ao desprezo pelos últimos, por exigirem
regra e travamento, acções mais do que necessárias a quem lidera. E neste tempo
de “holocausto canino”, para surpresa de quem se encontra afastado da
problemática dos cães, a ausência de uma liderança capaz tem sido a maior
responsável pelo seu abate.
Idêntica transformação aconteceu no nosso ensino público (no privado
também), na maioria dos países europeus e ocidentais, onde a qualidade do
ensino e o aproveitamento escolar transitaram do exame para a passagem
automática, pela supremacia das estatísticas em relação à aquisição do
conhecimento, esporadicamente acompanhada pela quebra de disciplina, que
evidenciou nalguns alunos uma epidemia de patologias até aqui nunca vistas.
Deixámos de formar líderes para satisfazermos as aspirações gerais e de premiar
os aplicados para valer aos desinteressados, o que tem colocado à cabeça das
nações indivíduos impróprios e lesivos dos interesses nacionais, uma matilha
que engorda às custas do sacrifício dos seus povos. Quem fará frente a Putin
(provavelmente o maior líder mundial actual) e ao seu império euro-asiático?
Na cinotecnia, também como resultado do histórico social e do peso cultural
em voga, a maioria dos condutores tem uma má compreensão da autoridade, é parca
de objectivos, despreza os procedimentos e fica à espera dum beneplácito
aleatório ou da boa vontade dos cães, para alcançar o sucesso que só o trabalho
lhe daria, como se ali tudo fosse gratuito e o adestramento não exigisse
liderança. Se tudo o que aprendemos acerca dos cães enriqueceu-nos, a actual
política de “paridade” só nos empobrece pelo desaproveitamento destes
excelentes companheiros, que apesar de irracionais são competitivos,
evidenciando alguns um forte impulso ao poder, que não raramente precisa de ser
regrado ou contrariado.
O
adestramento será sempre um curso de liderança para os donos dos cães, que não
a alcançando doutra maneira, nela serão investidos pela imposição das regras
que lhes garantem a autoridade, visando o controlo dos animais e o seu uso
expectável ou benéfico, o que não deverá implicar no desprezo pelo seu
bem-estar. Sim, o treino canino quando bem conseguido é como um interruptor,
que tanto serve para pôr os cães em “on” ou em “off”, na estrita dependência
dos seus condutores, que promovem assim o controlo dos seus instintos, a
potenciação dos seus impulsos e o desenvolvimento do seu carácter.
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