domingo, 17 de agosto de 2014

O INTERRUPTOR: CUMPLICIDADE E LIDERANÇA

O treino canino obriga os condutores ao exercício da cumplicidade e da liderança, porque é acção e travamento e nisto não difere de um comum interruptor, ainda que accionado pelo uso acertado da emoção e da razão. O equilíbrio entre a prontidão das acções e a sua suspensão imediata é que irá qualificar a obediência canina, demonstrar o grau de condicionamento alcançado e classificar o trabalho binomial (pôr um cão a atacar não é difícil, difícil é operar a cessação automática dos seus ataques). Só uma liderança eficaz conseguirá travar os ímpetos caninos, estabelecer regras e induzir os animais à novidade de rotinas, as relativas à sua segurança, coabitação e uso.
Analisando a evolução do treino canino nos últimos 100 anos é possível constatar profundas diferenças e a maior delas aconteceu no relacionamento binomial pelo extremo das filosofias de ensino aplicadas. Até há cinco décadas atrás, a ênfase pedagógica recaía sobre o travamento e daí para a frente sobre o despoletar das acções. Se antes as ordens eram imperativas e ninguém se podia “rir” para os cães, agora a cumplicidade é palavra de ordem, o que levou à adopção da memória afectiva canina em detrimento da mecânica até ali muito utilizada. Se outrora os cães transpiravam exagerado belicismo, agora desfilam como autênticos patetas, sujeitando os seus donos ou condutores ao ridículo.
Ninguém duvida ou põe em causa que esta mudança de atitude foi benéfica e mais do que justa para os cães, ainda que tenha chegado com algum atraso, considerando o seu bem-estar e o melhor aproveitamento individual, o que se contesta é generalizar pedagogias para animais diametralmente opostos, privilegiando por vezes os fracos em prejuízo dos fortes, o que tem levado ao préstimo subjectivo dos primeiros e ao desprezo pelos últimos, por exigirem regra e travamento, acções mais do que necessárias a quem lidera. E neste tempo de “holocausto canino”, para surpresa de quem se encontra afastado da problemática dos cães, a ausência de uma liderança capaz tem sido a maior responsável pelo seu abate.
Idêntica transformação aconteceu no nosso ensino público (no privado também), na maioria dos países europeus e ocidentais, onde a qualidade do ensino e o aproveitamento escolar transitaram do exame para a passagem automática, pela supremacia das estatísticas em relação à aquisição do conhecimento, esporadicamente acompanhada pela quebra de disciplina, que evidenciou nalguns alunos uma epidemia de patologias até aqui nunca vistas. Deixámos de formar líderes para satisfazermos as aspirações gerais e de premiar os aplicados para valer aos desinteressados, o que tem colocado à cabeça das nações indivíduos impróprios e lesivos dos interesses nacionais, uma matilha que engorda às custas do sacrifício dos seus povos. Quem fará frente a Putin (provavelmente o maior líder mundial actual) e ao seu império euro-asiático?
Na cinotecnia, também como resultado do histórico social e do peso cultural em voga, a maioria dos condutores tem uma má compreensão da autoridade, é parca de objectivos, despreza os procedimentos e fica à espera dum beneplácito aleatório ou da boa vontade dos cães, para alcançar o sucesso que só o trabalho lhe daria, como se ali tudo fosse gratuito e o adestramento não exigisse liderança. Se tudo o que aprendemos acerca dos cães enriqueceu-nos, a actual política de “paridade” só nos empobrece pelo desaproveitamento destes excelentes companheiros, que apesar de irracionais são competitivos, evidenciando alguns um forte impulso ao poder, que não raramente precisa de ser regrado ou contrariado.
O adestramento será sempre um curso de liderança para os donos dos cães, que não a alcançando doutra maneira, nela serão investidos pela imposição das regras que lhes garantem a autoridade, visando o controlo dos animais e o seu uso expectável ou benéfico, o que não deverá implicar no desprezo pelo seu bem-estar. Sim, o treino canino quando bem conseguido é como um interruptor, que tanto serve para pôr os cães em “on” ou em “off”, na estrita dependência dos seus condutores, que promovem assim o controlo dos seus instintos, a potenciação dos seus impulsos e o desenvolvimento do seu carácter.

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