quinta-feira, 28 de agosto de 2014

OS NOVOS “FILHOS” E O FIM DA CRISE

Pelo nº 1121 da Revista Visão, através de um excelente artigo sobre os animais domésticos presentes nas famílias portuguesas, onde se destacam vários aspectos da terapia canina, ficámos a saber que já existem mais cães do que crianças nos nossos lares, cerca de 1.8 milhões caninos contra 1.6 milhões de crianças com menos de 15 anos de idade, fonte atribuída ao INE (Instituto Nacional de Estatística), notícia já esperada mas que nos deixa perplexos. No mesmo artigo se adianta que os gastos com os animais de companhia atingem os 300 milhões de euros anuais e que mesmo em tempo de crise, as empresas de distribuição registaram um aumento de 2.3% no consumo de produtos alimentares e de 6% no de acessórios num período de um ano. Também ali se diz que os gastos com os animais de estimação atingem em média 15% dos orçamentos familiares, despesa comportável e aparentemente barata que nos pode sair muito cara, se a nossa taxa de natalidade continuar a descer.
Em Portugal existiam 114 idosos para 100 jovens e essa relação já foi alterada pela saída de meio milhão de jovens para o estrangeiro. Em 40 anos vimos diminuída a nossa taxa de natalidade em 50%, em 2013 tivemos a taxa de natalidade mais baixa dentro da Comunidade Europeia, o número de mortos superou o dos nascimentos em 2007 e somos o 6º país mais envelhecido do mundo. Perante o alarme destes dados, urge perguntar: como será o Portugal do amanhã? Quem pagará as aposentações e quem suportará a Segurança Social? O aumento na adopção de animais e a baixa natalidade são sintomas da crise que entre nós se abate e que tendem a perpetuá-la, exigindo de todos maiores sacrifícios. É evidente que os cães não são responsáveis por esta época de contenção, mas sacrifício por sacrifício, mais vale alcançar descendência do que nos deliciarmos com pseudo filiações. A nossa baixa taxa de natalidade, ainda que agravada pela crise, é um fenómeno a ela antecedente e ligada a problemas sociais que ainda não soubemos resolver e que têm vindo a ser agravados.
Ainda que muitos não conheçam a sua obra, não são poucos os que se dizem fãs de Fernando Pessoa. Lembrámo-nos dele por causa desta temática, nomeadamente do poema “Liberdade” inserido no “Cancioneiro”, que passamos a transcrever: “Ai que prazer / Não cumprir / Ter um livro para ler / E não fazer / Ler é maçada,/ Estudar é nada  /. Sol doira  / Sem literatura  / O rio corre, bem ou mal,  / Sem edição original.  / E a brisa, essa  / De tão naturalmente matinal, como o tempo não tem pressa…  / Livros são papéis pintados com tinta. /  Estudar é uma coisa em que está indistinta/  A distinção entre o nada e coisa nenhuma. / Quanto é melhor, quanto há bruma,  / Esperar por D. Sebastião,  / Quer venha ou não!  / Grande é a poesia, a bondade e as danças…  / Mas o melhor do mundo são as crianças,  / Flores, música, luar e o sol, que peca  / Só quando, em vez de criar, seca.  / Mais do que isto É Jesus Cristo,  / Que não sabia nada de finanças  / Nem consta que tivesse biblioteca…”.
Fazemos nossas as palavras do poeta, corroborando-as em género, grau e número, porque abraçámos o mundo do adestramento para valer aos homens e se eles desaparecerem, os cães não terão melhor sorte, dificilmente voltarão a ser lobos e desaparecerão connosco. Gostar de cães não implica em desprezar os homens, ao invés, é adequar os cães para que não se sintam sós, levá-los até às crianças para que cresçam felizes e transportá-los para as gerações vindouras. E se não houver crianças, quem continuará o nosso trabalho? A pior das crises resulta da ausência de acreditar, quando esperamos a morte e interrompemos a vida, quase sem darmos por isso!

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