quinta-feira, 24 de junho de 2010

Amigos, amigos, passwords à parte

Chama-se código ao conjunto de automatismos instalados num cão por via do condicionamento que possibilita o despoletar das suas respostas artificiais para determinado fim ou propósito. Como o seu conhecimento implica no domínio do cão, quem deverá conhecê-lo? O assunto é polémico e sempre volta à baila, as opiniões dividem-se e cada um age como entende, de acordo com as suas expectativas e objectivos. A maioria dos proprietários de cães para guarda interdita-o aos demais, porque tem o cão para sua segurança e não quer vê-lo desactivado. Os libertos dessa preocupação estendem-no a outros sem grande relutância e os partidários da cinoterapia servem-se dele como veículo para o bem-estar alheio. Diante das divergências, quem estará certo? Divulgar o código ou não, eis a questão!

Analisaremos o assunto à luz da sobrevivência canina, porque esse é o nosso objectivo primordial e raramente é tido em conta, ainda que inconscientemente, porque qualquer das opções tem reflexos e ninguém quer ver os seus cães condenados. Por força da “contra-ordem” (conjunto de exercícios que procura e oferece o domínio exclusivo do dono sobre o animal), o cão ensurdece-se para os outros e vive na dependência objectiva do seu líder, tornando-se dessa forma livre de interferências, anti-social e inteiramente à disposição do dono. Esta opção pode ter graves consequências, porque o desaparecimento do líder pode obrigar ao abate simultâneo ou imediato do cão, já que dificilmente constituirá equipa com outros, mercê da indução operada e por força do seu particular social, condições que o levarão a dominar sobre os demais e que o farão ocupar o lugar deixado pelo seu líder. A reeducação (conjunto de procedimentos que procura a descodificação dos cães), tem-se revelado pouco produtiva nestes casos, porque tanto a selecção operada quanto a operação da contra-ordem, tendem a anular os benefícios deste processo pedagógico. E quando são alcançados, difícil é a transição da descodificação para a reabilitação, porque o cão vive da experiência que teve e a sua privação levá-lo-á à letargia. O processo é dispendioso, moroso e não isento de confrontações, desenvolvido para além dos muros domésticos e dependente de condições extraordinárias, porque pode demorar alguns meses, há que contar com a resistência do animal, contrariar a sua territorialidade e persuadi-lo à aceitação doutro tipo de liderança. A castração, panaceia hoje muito em voga, não é soberana sobre todos os casos, porque alguns cães já foram previamente castrados e os cães de guarda tipo são sujeitos à inibição objectiva e sistemática do seu instinto sexual. Ela tanto pode ajudar como dificultar a reeducação, apressar o processo descodificador ou aumentar a letargia dos animais carenciados dum novo modo de vida. Face ao transtorno, às disposições legais, aos custos e à escassez de reeducadores sérios e dedicados, o abate tem sido a solução mais procurada.

Os proprietários de cães de companhia, que normalmente desobrigam os seus animais doutras tarefas para além desse particular, não fazem segredo ou tornam confidencial o seu código operativo, porque apostam na sociabilização, procuram a aceitação geral e entendem os seus cães como parte integrante da comunidade onde vivem, o que nos parece excelente para a sociedade e óptimo para os animais, se vivêssemos no mundo ideal e os cães não corressem riscos. Apesar do princípio ser notável e filantrópico, a publicação dos códigos aumenta a vulnerabilidade canina e pode contribui para a eliminação, roubo ou mau trato dos animais tornados comunitários, graças à extensão da liderança que pode impedir a sua auto-defesa. Os cães ditos terapêuticos, porque nem todos o são e todos podem vir a executar essa função de uma forma ou de outra, são treinados e codificados para a recuperação física e psicológica que ajudam na recuperação social dos indivíduos pelo desenvolvimento da sua auto-estima. Estes animais, de valor incalculável, trabalham geralmente com os donos ou em ambientes próprios para a sua finalidade, o que lhes garante a protecção e os isenta de maiores riscos. Porém, há que coadunar o seu viver social com a sua prestação, para que as veleidades exteriores ao ofício não o venham a comprometer.

Em abono da segurança e da sobrevivência do cão, também para garantir a sua eficácia funcional, justificamos a restrição dos códigos ao agregado familiar, para que o desaparecimento do líder não implique na eliminação do animal ou o seu uso se torne abusivo. Cabe ao líder o uso exclusivo dos códigos e a sua liderança não deve ser contestada ou dividida, ainda que seja obrigado à sua transmissão pelas razões atrás descritas, garantindo dessa forma a transferência do comando, que deverá acontecer excepcionalmente e por necessidade. Ainda que todos lá em casa saibam como “mexer” no cão, essa incumbência é uma prerrogativa do líder, porque a adição simultânea doutras lideranças sempre implicará na despromoção social do cão, podendo assim condenar o seu desempenho ou proceder à destruição dos códigos. O cão é uma opção familiar e importa que a família se una em torno da sua salvaguarda.

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