terça-feira, 30 de junho de 2015

ESCOLHER UM, TENTAR JUNTÁ-LOS OU REJEITAR OS TRÊS?

Num raio de 70Km a partir do ponto onde operei a sua formação, para além doutros que nunca foram objecto dela mas que me passaram pelas mãos como alunos regulares, existem três monitores cinotécnicos com escola aberta, de características, práticas e posturas díspares, resultantes de diferentes personalidades, sensibilidades, origem social, objectivos e cultura, todos eles líderes natos e mais ou menos bem-sucedidos até ao momento, o que muito me apraz. Estrategicamente afastei-me deles para que pudessem crescer, ganhar estofo e traquejo para seguirem adiante na actividade que escolheram, segundo o pressuposto que o bom mestre é aquele que ensina os seus alunos a desenvencilharem-se sozinhos. Sempre acabo por receber alunos da sua proveniência e notícias do seu desempenho, que acabam por reforçar a opinião que tinha deles nos momentos da sua formação. Agora que a idade me obriga a fazer um balanço do meu trajecto cinotécnico e sabendo o que tenho mais do que certo na frente, questiono-me acerca da validade do meu empenho e esforço, considerando também aqueles que ensinei e habilitei, tendo presente o que disseram Esopo e Einstein a este respeito: “Ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar” e “Educação é aquilo que permanece depois que cada um esquece o que a escola lhe ensinou”.
Ao olhar para o trabalho destes 3 treinadores caninos, coloco-me na pele de um possível cliente e imagino qual deles escolheria, diante do que ensinam, das minhas expectativas e do bem-estar e progresso do meu hipotético cão, o que torna este texto num convite à reflexão, descrevendo o particular pessoal e pedagógico presente em cada adestrador, no intuito de os ajudar a crescer e de valer aos possíveis interessados. E como os cavalheiros costumam dar a primazia às senhoras, vamos começar por analisar o trabalho da única adestradora neste trio, pessoa que admiramos e respeitamos.
Pessoa de um altruísmo invulgar e de extrema dedicação aos animais, aos seus e aos dos outros, guiada pelo bom senso e nada dada a aventuras, optou por ser menos visível e dedicar-se ao ensino dos cães de companhia. Querendo valer a todos, acaba por receber os cães que ninguém quer, cobrando dos donos um preço simbólico, o que tem levado à pouca aplicação de muitos dos seus alunos e ao abandono de alguns (sempre ouvi dizer que a gratidão neste mundo habita nos quartos traseiros de uma mula), para além de dificultar a manutenção, inovação e dinamização do seu espaço de trabalho, acções que sempre dependerão da boa vontade alheia e que por causa disso tardam em acontecer (labora numa associação). Adepta incondicional do discipulado como pedagogia, mantém uma relação muito próxima com os seus instruendos, ao ponto de ocasionalmente não se destrinçar a professora da amiga, o que a espaços lhe tem causado alguns dissabores. Apesar de ser uma excelente lugar-tenente, qualidade de que já deu mostras, apresenta ainda algumas dificuldades no relacionamento entre pessoas de igual competência. É convicta, fundamentada e sabe falar (por vezes em demasia e sem dar-se conta), dedica-se ao trabalho e é perfeccionista naquilo que faz, sendo extrovertida e de trato fácil.
Faz uso das aulas colectivas, trabalha essencialmente obediência e associa aos comandos verbais a linguagem gestual, objectiva a sociabilização, a condução em liberdade e os comandos à distância. Usa alguns aparelhos correctores, pequenas verticais e rampas de fácil acesso para os cães. Dispensou-se da endurance canina e da disciplina de guarda, enfatiza a relação tratamento-treino e os seus alunos de quatro patas acusam em demasia o travamento, sendo melhores na obediência linear e na estática do que na dinâmica e nuclear. Os descontentes com o seu trabalho queixam-se de alguma monotonia nas aulas, que são sempre a mesma coisa (estamos a citar) e do moroso ou inexistente índice de progresso dos seus pupilos, apesar da assiduidade de grande número dos seus condutores deixar muito a desejar. Carece de ambicionar mais e de ser mais arrojada, falta-lhe clarividência para inovar e um sem número de incentivos para cativar a clientela. Será a adestradora indicada para o ensino básico canino, para aqueles que somente procuram um cão bem comportado. Graças ao tipo de exercícios propostos, as classes desta adestradora prestam-se excelentemente para pessoas de todas as idades e diferentes graus de disponibilidade física. Ela não enriquecerá mas terá sempre novos amigos.
O segundo adestrador é um indivíduo jovem, um prático, que disfarça bem a introversão pelo modo como se faz ouvir, aquisição que adquiriu por plágio, de baixo substrato cultural e de pouca erudição, desvantagens que a breve trecho o levarão ao sincretismo e à aquisição de pressupostos pedagógicos contraditórios. Ligeiramente melhor a falar do que a escrever e pretensamente despótico, usa os alunos em proveito próprio, porque precisa de singrar e não tem tempo a perder. Chegado ao desenrasque, ainda não possui a percepção dos limites exigíveis ao desempenho canino, é ambicioso e procura sempre ir mais além, peca por falta de maturidade e humildade, reclama para si méritos alheios e abusa da maledicência para reclamar o seu lugar ao sol. Vale pela experiência que adquiriu e que lhe adveio dum moroso processo de aprendizagem, sendo por isso um excelente executante, o que lhe garante a autoridade nas suas classes.
Com mais traquejo nos obstáculos tácticos que a adestradora anteriormente mencionada e também mais afoito, equilibra melhor as aulas e cativa os condutores, porque contrabalança a obediência com a ginástica cinotécnica e alcança as metas propostas com maior brevidade. Propõe-se ensinar obediência, pistagem e guarda, ainda que lhe falte mais saber e valentia para desempenhar a última disciplina. Não raramente desconsidera o particular individual de cada cão e não aquilata das possíveis razões da sua resistência, substituindo a observação e o estudo detalhados por uma política de “meia bola e força”, não hesitando em assustar ou acossar os animais por meios mais ou menos violentos, o que de alguma forma prejudica sua paixão pela endurance canina. É o adestrador indicado para quem não olha a meios para alcançar os fins, para quem procura brevidade no ensino canino e não espera rara erudição dum treinador, porque sendo um prático, é automaticamente catalogado e arrumado no seu lugar. Por força da carga empírica de que foi alvo, virá a destacar-se da maioria dos adestradores da nossa praça e os seus cães sempre serão melhor apetrechados quando comparados a outros com igual ou maior tempo de ensino.
O terceiro adestrador é uma criatura única, controversa, carismática, ardilosa e com o seu quê de mistério, um verdadeiro príncipe da bazófia, que se eleva bem para cima da sua estatura e que guia os seus alunos tal qual penitentes, levando-os a segui-lo incondicionalmente e fazendo-lhes crer que para além dele não há solução, tirando partido do messianismo que envolve os mais simples e que de alguma forma cativa as senhoras. Está longe de ser um mestre da retórica e um bom executante, faz da diferença prática e escuda-se no isolamento, votando os seus alunos a igual pena. Com uma capacidade de síntese superior à dos seus dois concorrentes, é teoricamente mais interessado e não se escusa á pesquisa, absorve novos conhecimentos, dá-lhes um cunho pessoal e reclama-lhes a autoria. Facilmente entra em contradição e justifica-a com a falta de conhecimento de quem o escuta, perante forte oposição cala-se e carrega sobre quem pode, auxiliando os mais frágeis, desarreigados e alienados para que se tornem seus cães de fila, que o seguirão por mais templo, em procissão e a exemplo de um séquito.
Propõe-se a ensinar qualquer disciplina cinotécnica e alvitra-se um especialista em cada uma delas, muito embora saia em “bicos de pés” quando obrigado a ensinar guarda. Sente-se cómodo na disciplina de obediência e é um autêntico desastre na endurance canina, porque lhe falta experiência e nunca foi bem-sucedido nela com os seus próprios cães. Usa os cães dos alunos para divulgar o seu trabalho e substitui-os pelos seus na hora das honrarias. Quando confrontado com um cão mais rijo evita tocar-lhe, afasta-se dele e abandona--o ao seu condutor. É essencialmente um teórico que se espraia sobre cães inofensivos, a quem por norma exige desnecessário e excessivo travamento. Dá aulas teóricas, organiza workshops e outros eventos para reforçar a sua liderança junto dos condutores, sujeitando-os a um conjunto de experiências a que nunca se sujeitou. Contudo, jamais se deixará ultrapassar, porque se mantem bem informado e atento às novidades, espreitando ocasião para se autopromover e sair na frente. Sem a amizade que caracteriza a primeira adestradora e sem a excelência técnica do segundo, este adestrador tende a congregar condutores caninos que doutro modo jamais se uniriam, por força da iniciação que procuram para alimentarem o surrealismo da sua existência, sendo para eles é um guru. 
Se nos perguntassem em qual destes adestradores nos revemos, diríamos que em todos e em nenhum (sempre fomos afectados pelo paternalismo), porque não podemos ocultar que a todos demos formação e que reconhecemos em cada um virtudes e mais-valias, muito embora só sejamos responsáveis pelo tempo que permaneceram entre nós. Se pudéssemos juntar os três e tirar de cada um aquilo que os atrapalha, seria o ideal! Mas como estamos no mundo real, isso será impossível. Como o relacionamento “adestrador-condutor” tem na sua base a confiança em quem ensina, antes de ingressar numa escola canina, assista primeiro a algumas aulas, analise detalhadamente o perfil psicológico do adestrador, aquilate do seu background cultural, questionando-o acerca da sua formação (específica e geral), pedagogia, métodos, metas e objectivos, para que venha a ser feliz ali e o seu cão aprenda sem sobressaltos, já que os donos também vão para a escola e terão muito que aprender, assim haja quem os ensine!

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