Por força da missão que aceitámos, lembramos o histórico e mui
proveitoso “Almanaque Borda D’Água”. Todos os anos homens e cães apanham a
febre da carraça nos meses de Abril a Setembro, ainda que o seu número seja reduzidíssimo,
boas notícias para a esmagadora maioria da população e um autêntico martírio
para quem a contrai, acontecendo com mais frequência nos indivíduos até aos 15
anos de idade, ainda que o número de carraças infectadas pela doença seja quase
sem significado quando comparado com o seu grosso. A melhor maneira para
combater a doença é a sua prevenção, que deve abranger tanto os cães quanto as
pessoas à sua volta, porque as carraças (carrapatos no Brasil) procuram
hospedar-se preferencialmente nos roedores e nos cães, saltando deles para nós.
No que aos cães diz respeito, é obrigatório o uso conjunto das pipetas e das
coleiras antiparasitas na Primavera e no Verão, que segundo a nossa experiência
deverão ser trocadas entre os 30 e 45 dias, particularmente nos anos mais
quentes, quando as temperaturas excedem os 30º celsius, até porque a vacina à
disposição no mercado não é 100% eficaz, não combate todos agentes infecciosos e
destina-se especificamente ao combate da babesiose canina.
E porque nem todos sabem quais os sintomas da febre da carraça nos
humanos, adiantamos que eles só serão perceptíveis e visíveis uma semana depois
da picada da carraça infectada, consistindo em febre, dores musculares e de
cabeça, enjoo, vómitos e perda de apetite, aparecendo depois manchas e pápulas
que se espalham pelo corpo todo, tanto nas palmas das mãos como nas plantas dos
pés, para além da marca da carraça. Se porventura encontrar alguma no seu filho,
noutra criança ou num adulto, não entre em pânico e proceda à sua extracção,
porque só uma percentagem reduzida destes parasitas se encontra infectada (só
deverá procurar o médico se surgirem queixas ou sinais de doença). Na extracção
da carraça, quer ela se encontre em pessoas ou animais e se use uma um pinça ou
os dedos, o parasita deverá ser arrancado o mais rente à pele possível, podendo
usar-se acetona para facilitar a extracção, que só deverá acontecer depois de
se rodar a carraça ¼ de volta, para que saia inteira e não deixe as suas pinças
na pele do hospedeiro. Depois de retirar o parasita, porque ele continua vivo, esborrache-o
contra uma superfície dura e regular com um pau ou uma pedra (há quem faça isso
usando a unha do polegar como quem mata pulgas). Caso use os dedos na extracção,
não se esqueça de lavar muito bem as mãos.
O diagnóstico da febre da carraça nos cães baseia-se na sintomologia
apresentada pelos animais doentes, considerando a época do ano e o histórico de
infestação por carraças. Porém, o diagnóstico específico do agente ou agentes
envolvidos exige que sejam feitas análises ao sangue do cão em laboratórios
especializados. Para além da identificação do microrganismo, considerando a
terapêutica e a evolução do processo, convém fazer em simultâneo hemogramas aos
cães para se proceder à contagem das suas células sanguíneas. Quanto aos
sintomas, a doença pode evoluir de modos diferentes, estando já descritas as
suas formas agudas, subclínicas e crónicas. Apesar da febre da carraça não
escolher sexo, idade e raça, subsiste uma maior susceptibilidade nalgumas raças
para desenvolverem uma forma crónica mais grave, sendo o Pastor Alemão um dos
infelizes comtemplados. Por outro lado, a variabilidade da sintomatologia está
associada a muitos factores diferentes, incluindo a espécie do agente, a
competência do sistema imunitário do animal e a existência de outras infecções
em simultâneo (vários agentes da “febre da carraça” ao mesmo tempo ou a
presença de outras doenças como a leishmaniose).
Na fase aguda da doença, com uma duração de 1 a 4 semanas, período
decorrente entre a incubação e a apresentação dos primeiros sintomas, quando
ainda é possível encontrar carraças nos cães, os sintomas são pouco específicos
e podem incluir febre, falta de apetite, perca de peso moderada, depressão e
anemia (associada ou não ao aumento dos gânglios linfáticos). Alguns cães
poderão ainda apresentar tendência para hemorragias nasais e a formação de
hematomas de dimensão variável, na pele, nas mucosas da boca e nos órgãos
genitais. Por vezes também podem ser observadas diversas alterações oculares,
tais como: corrimento ocular, a inflamação da íris, opacidade da córnea ou
hemorragia no interior do globo ocular, bem como sintomatologia nervosa,
manifesta em convulsões, paralisias e alterações na locomoção. Na fase
subclínica, que é a que ocorre após a resolução dos sintomas da fase anterior e
que pode durar de 40 dias a vários anos, apesar da ausência de sintomas nos
cães, as análises sanguíneas de alguns deles ainda poderão apresentar
alterações moderadas. A fase crónica que ocorre entre os cães cujo sistema
imunitário não funciona plenamente, é um caso muito agudo e a pior das três
fases, porque geralmente implica em perca de peso crónica, fraqueza, depressão,
febre, inchaço dos membros posteriores e palidez acentuada, que é reflexo de
anemia grave. Para além da anemia, os cães a braços com a fase crónica da
doença, apresentam contagens de glóbulos brancos muito baixas, o que irá
facilitar-lhes a contracção doutras infecções. Grande número de cães nestas
circunstâncias coxearão para sempre, por via da artrite que se fará presente
nas suas articulações. Contudo, a doença tem tratamento e quanto mais cedo for
detectada melhor.
Como se depreende, o combate às carraças deverá ser uma luta sem tréguas
e a melhor arma será a prevenção, para que não se hospedem em nós, nos nossos
cães ou ao nosso redor. Assim, para quem vive em moradias cercadas de mato ou
floresta, também para quem tem currais por perto, ratazanas, coelhos bravos ou
ovelhas a pastar, havendo essa possibilidade, deverá cortar o mato 2m antes dos
limites da propriedade e pulverizar o solo com “pecusanol” semanalmente, assim
como borrifar os troncos das árvores dentro desse perímetro. Caso o clima
desses ecossistemas seja por demais húmido, a pulverização deverá acontecer de
3 em 3 dias e perto das 11 horas da manhã, para se operar a fixação dos
resíduos sólidos do produto. E isto durante a Primavera e o Verão. Mas como nem
sempre é possível mexer na terra dos outros, trate de pulverizar todos os muros
da sua propriedade, nas suas faces internas e externas, proceda à limpeza do
seu jardim e livre-o de fetos, da torga (urze) e demais vegetação espontânea,
evite ter arbustos encostados aos muros e não consinta que os seus cães
descansem, defequem ou urinem junto deles. O rosmaninho, o alecrim, o
manjerico, o jasmim e o “cestrum nocturno” (dama da noite), são barreiras
naturais contra o avanço destes parasitas, pelo que deverão ser dispostos na
frente dos canis, excepção feita à “dama da noite”, que deverá distar deles 5m
por ser tóxica. Escusado será dizer, caso tenha canis, que as suas paredes,
tectos e telhados deverão também ser pulverizados, sem os cães lá dentro e só lá
entrando depois do produto se encontrar seco. Comedouros e bebedouros deverão
ser retirados ou hermeticamente isolados.
Como não temos especial predilecção pelo “pecusanol”, não nos pagam para
isso e parece ter desaparecido do mercado, ainda que sempre nos tenhamos dado
bem com ele, consulte o seu veterinário acerca do produto mais indicado,
provavelmente menos tóxico e de maior duração. Com os cães protegidos, os donos
precavidos e os quintais higienizados, as carraças não terão qualquer hipótese.
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