Alguém já disse que as escolas caninas andam cheias de “roscas” e “chouriços”,
numa alusão à presente proliferação de rafeiros e à novidade dos Dachshunds,
Buldogues Franceses e Bull Terriers, já que os “baixotes” estão na moda,
substituindo nas fileiras escolares os antigos, tenebrosos e espadaúdos
guardiões do passado recente. Vamos hoje falar sucintamente sobre o Bull
Terrier que tem merecido a preferência de muitas famílias portuguesas, naquilo
que o distingue dos outros cães do mesmo grupo ou com apresentação semelhante,
considerando as suas mais-valias, limitações e o tipo de parceria que oferece.
Comparativamente, ele é mais interactivo, menos independente, teimoso e explosivo
que o Dachshund, mais introvertido e menos brincalhão que o Buldogue Francês,
patenteando um comportamento, quando seguro e alegre, muito próximo ao
encontrado nos terriers de maior porte, simultaneamente autónomo e carente,
ainda que por vezes mais soturno.
Os Bull Terriers Miniatura são levados da breca, mais briguentos,
instáveis e provocadores do que os seus congéneres maiores, exigindo uma
liderança inquestionável e decidida dos seus donos, que terão que optar pela
sua precoce sociabilização e não se abster do exercício da disciplina, no são
equilíbrio entre o cumprimento e a recompensa, porque não deixam de ser
tremendamente afectivos. Quanto à história e aos mitos ligados ao Bull Terrier
há que dizer que “a montanha pariu um rato”, que o cão actual pouco ou nada tem
a ver com os seus ancestrais lutadores, com os cães de arena por detrás da sua
formação, que a selecção operada garantiu a morfologia e suprimiu o ímpeto,
transformando este cão num dócil e excelente mascote pràs famílias, talvez para
desencanto ou desgosto daqueles que esperavam fazer dele uma arma secreta, como
substituto dos cães hoje indexados na lista dos perigosos.
A predominância da cor branca, pese embora os problemas a ela associados,
maioritariamente alergias várias, surdez e problemas de pele, tanto nesta como
noutras raças, acabou por dotar a Bull Terrier de uma maior capacidade de
aprendizagem, ao melhorar significativamente o seu impulso ao conhecimento, que
no início do Séc. XX era sofrível pela excessiva carga instintiva, menos valia
responsável por uma menor curiosidade e desejo de autonomia que obstavam a uma
verdadeira parceria, necessitando a sua capacidade de aprendizagem de ser
reavaliada, porque o valor que lhe foi atribuído encontra-se alguns furos
abaixo do seu actual potencial.
Atleticamente falando, não é um cão de grandes performances, capaz de se
interessar naturalmente por obstáculos artificiais, porque apesar de ter um
campo visual excelente ou se calhar por causa disso, tende a abordá-los
mediante o olfacto, conservando o nariz bem abaixo da linha de transposição, o
que obrigará os seus condutores à repetição das vozes de introdução e não
dispensará o seu condicionamento mecânico. Menos farejador que o Dachshund mas
com instinto de presa superior, usa primeiro a visão e depois a audição na
procura do dono, desusando o faro nessa busca, impropriedade que deverá ser
ultrapassa pela prática da pistagem logo aos 4 meses de idade. Este pequeno cão
de olhos triangulares conserva hábitos e progressões típicos dos cães de toca,
perseguindo em qualquer terreno animais substancialmente maiores, tendo
especial predilecção pelos que se encontram acoitados ou no subsolo. Necessita
de treinar a capacidade de marcha, porque o trote é o seu andamento
preferencial, transitando dele instantaneamente para o galope, visando a sua
resistência e prontidão. Esta capacitação jamais será possível sem o contributo
da sua memória afectiva, sem o subsídio do reforço positivo, pois contrariado
tende à letargia.
A sua rara visão permite-lhe obedecer a grandes distâncias e detectar
objectos longínquos, mesmo que parcialmente escondidos ou camuflados e a sua
observação é quase imperceptível. Será na obediência que mais se evidenciará,
porque é fiel e muito dedicado aos donos, não é dado a chiliques, não se
intimida facilmente, é autoconfiante, suporta bem o frenesim à sua volta e
mantem-se sereno quando isolado ou entregue a si próprio, até que o dono
retorne ou o chame. Devido ao seu particular morfológico tende a atrasar-se no
“junto”, obrigando os seus condutores ao incentivo e ao diálogo constantes. É
melhor na obediência estática do que na dinâmica, sendo muito fácil ensinar-lhe
os comandos de imobilização (quieto, alto, senta, deita, morto, etc.), não
obstante ser hábil no chantagear dos donos, adquirindo posturas de submissão
que partem qualquer coração. É naturalmente impoluto e incorruptível, tirando e
conservando lições fornecidas pelas experiências negativas, o que é primordial
para a sua salvaguarda e controlo.
Como é mais resistente à dor do que o comum dos cães, também porque é
paciente e fiel, suporta com mais facilidade as diabruras das crianças, optando
por “apagar-se” perante os seus exageros, manha que as fará desinteressar-se
dele. É naturalmente asseado, sossegado, raramente ladra, o seu caminhar é
quase inaudível e sente-se bem dentro de um apartamento, predicados que muito
têm contribuído para a sua procura. Adapta-se bem à novidade de transportes,
não treme nas alturas e aprende facilmente a subir escadas. Infelizmente a raça
não é muito resistente (os seus ritmos vitais são por vezes elevados) e não
tem, quando comparada com outras do seu tamanho, uma esperança de vida por aí
além. A adição da cor operada no início do Séc. XX, maioritariamente
proveniente do Staffordshire Bull Terrier, veio minorar os problemas dos
exemplares brancos sem agravar o seu comportamento, devido à predominância do
branco, à filosofia de se criar um cão para acompanhar cavalheiros e não um
lutador de rua como havia sido no passado (outras raças com os mesmos
ascendentes viriam a evoluir no sentido contrário).
Como cão de status que é, o Bull Terrier de origem europeia é um animal
dócil, fácil de travar amizades e bem comportado, que até passaria despercebido
não fora o seu focinho acarneirado (em forma de ovo), com uma silhueta um tanto
ou quanto bizarra e por vezes cómica, um terrier distinto dos demais e nalguns
casos diametralmente oposto, um cão mais para se ter do que para se usado, de
olhar minúsculo, parado, intrigante, ao mesmo tempo profundo e inexpressivo.
Decididamente um cão para quem não quer ter problemas ou quer acautelá-los. Resta
dizer que o Bull Terrier não olha a meios para que os seus donos se sintam
felizes, adoptando para o efeito posturas dignas de um genuíno bobo da corte,
sendo ao mesmo tempo hábil em se fazer desentendido e teimoso se lho
consentirem.
Ainda subsistem alguns exemplares menos simpáticos e agressivos, produto
de selecções descuidadas ou intencionais num retorno inequívoco aos cães do
Séc. XIX, que felizmente são raros, assim como gente que instiga e usa os seus
Bull Terriers para fins não-humanitários e hoje considerados criminosos, plebe
indigente que, dada aos jogos de sorte e azar, condena os seus cães à morte.
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