O cão parte ao lado dono na certeza que não está só e tudo pode, por
investidura ou submissão, exactamente como o faria ao lado de um “macho-alfa”, solícito,
enquadrado e seguro. Para não sermos mal interpretados, vamos esclarecer o que
entendemos por “investidura” e “submissão” e a que cães destinam. A
investidura, no seu sentido lato, é um dos trabalhos do adestramento que visa
capacitar todos os cães para as distintas tarefas ao seu alcance. No seu
sentido restrito visa a promoção dos submissos para aumentar a sua confiança e
autonomia, mediante o condicionamento e a experiência feliz. O alcance da
submissão canina destina-se aos dominantes, porque doutro modo jamais acatariam
as nossas ordens e aproveitaríamos o seu potencial, já que tendem por si mesmos
e a modo próprio, resolver os problemas, dificuldades e obstáculos do seu
quotidiano, por via da valentia que lhes suporta o ânimo inquebrantável. Os
cães muito-dominantes e os muito-submissos, visando o seu equilíbrio emocional
e proveito, serão os mais difíceis de capacitar, porque o condicionamento
exigirá a submissão dos primeiros e a promoção dos últimos à revelia da sua
carga genética. Os mais fáceis de ensinar serão os dominantes e os submissos,
exigindo os primeiros mais travamento do que estímulo e os últimos o contrário.
Uns e outros irão exigir alguma sensibilidade para o alcance da parceria, um equilíbrio
similar ao exigido pelos pedais no “ponto de embraiagem”, que as viaturas
automóveis exigem para arrancar nas subidas. E como ensinar cães é conduzi-los,
também a prática melhorará o entendimento binomial e a condução canina, apesar
de ser mais fácil dizê-lo do que fazê-lo, porque estamos a lidar com as emoções
dos donos e com a vontade dos cães, sabendo-se que uns fraquejam e os outros
subornam.
Um dos sinais, sintomas ou reflexos do desequilíbrio entre o estímulo e
o travamento é a perca de confiança na pessoa do dono, uma vez que os animais
acusarão a precariedade duma das acções ou o abuso da outra. São cinco as
razões que induzem a essa perca: Dualidade de procedimentos, excesso de
permissividade, repreensões injustificadas, superprotecção e transmissão de
insegurança, actos que virão a comprometer tanto a sociabilização quanto o
trabalho dos cães. Antes de avaliarmos cada uma das razões, somos obrigados a
confessar que o adestramento é um curso de liderança para os donos e um
conjunto de práticas condicionadas para os cães, que a esmagadora maioria das
pessoas ou é avessa à liderança ou não se sente cómoda a exercê-la, que não é
fácil ser simultaneamente líder e cúmplice, particularmente perante cães
dominantes que sempre intentam fazer prevalecer a sua vontade, que não sendo
tolos, não se deixam enganar por papas e bolos. Cães sérios exigem donos sérios
e cães sensíveis donos encorajadores, proceder ao contrário é apostar no
descalabro (a prática do adestramento não dispensa o uso da razão e bom senso).
Quando educamos o nosso cão não o fazemos para nós mesmos, mas para que
venha a coabitar harmoniosamente em sociedade, quer dentro da nossa casa quer
no exterior, solto ou atrelado, tanto na nossa presença como na nossa ausência,
mais-valias viabilizadas pela regra. Para que isso aconteça é necessário manter
os mesmos procedimentos em qualquer situação ou lugar, para que o código
funcione e o cão se sinta cómodo perante a novidade ou surpresa (cativo à
ordem), já que a responsabilidade do seu proprietário é a mesma perante o cão e
os outros. Não se deve ser lamechas em casa e “cara de pau” na rua, permissivo
no aconchego doméstico e intransigente fora dele, porque os cães mais valentes aproveitarão
a ocasião para desobedecer e os mais sensíveis afundar-se-ão. A dualidade de
procedimentos presta-se, entre outros disparates, à desobediência de uns e ao temor
de outros, reacções que a breve trecho induzirão à desconfiança pelos donos, uns
por ausência de regra e outros por falta de apoio. Esperar dos cães o
diferenciar das situações é inverter os papéis no adestramento (virá-lo de
pernas para o ar) e entregar a liderança aos cães!
Se há coisa que os cães
depressa aprendem a fazer, o “roer da corda” é uma delas e fá-lo-ão ao longo
das suas vidas, porque são seres sociais, procuram a ascensão e abominam a
despromoção, características que lhes possibilitam a sucessão na cadeia
hierárquica e a preservação do seu grupo, tentando aqui e ali, de modo mais ou
menos manifesto, fragilizar a liderança e impor a sua vontade, muitas vezes sem
que os donos se apercebam, o que torna o treino canino num processo continuado
e não num acto espontâneo. E como os cães vivem da experiência que têm, um cão
submisso acostumado a não ser contrariado, quando aperreado, acusará de
sobremaneira a repreensão e suspeitará da liderança, porque se sente traído e vulnerável,
apesar do dolo que possa causar, ser mais a si do que aos outros. Ser demasiado
permissivo com um cão valente, para além de sandice, é comprometer o seu
travamento e controlo, porque a ausência de uma liderança activa e eficaz
levá-lo-á a desconsiderar o dono pela sua impropriedade, a resolver as coisas por
modo próprio e a ensurdecer-se perante as ordens, o que não será nada bom para
terceiros. Um cão destes, quando surpreendido pela correcção, não a considerará
e levará adiante os seus intentos. A vulnerabilidade do dono, porque é assim
que interpreta a sua inacção, levá-lo-á à autonomia e ao desrespeito pela
liderança, confiando mais em si do que no seu proprietário, chegando a inventar
serviço e a protegê-lo sem necessidade (há muita gente que estaria melhor com
cadelas).
Como são poucos os
condutores caninos que nos chegam com alguma experiência prévia no adestramento,
somos ciclicamente obrigados a corrigir os mais radicais: os que sempre repreendem
os cães, não raramente sem necessidade e aqueles que nunca o fazem, quando
deveriam fazê-lo. Os primeiros procuram a obediência cega e os segundos
deixam-se embalar por pressupostos antropomorfistas. O recurso sem motivo à
repreensão sistemática ou inibe irremediavelmente os cães ou levam-nos a
desconsiderá-la, consoante o seu grau de e submissão e dominância. Independentemente
dos casos, quer produza revolta ou pavor, a resposta dos animais irá espelhar a
ausência de confiança nos donos, que verão a unidade binomial comprometida pelo
uso abusivo da inibição ou pela sua inexistência, já que que os cães têm menos
instintos que os seus parentes selvagens e não os seguem cegamente,
obrigando-nos a olhar pela sua salvaguarda. Se a ausência de regras leva o cão
a estabelecer as suas, o abuso delas confunde-o e desnorteia-o. Como poderá
confiar num dono que sempre o repreende e que raramente o recompensa? Confiará
nele, dar-lhe-á ouvidos ou largá-lo-á da mão sempre que lhe seja possível?
A superprotecção também poderá gerar insegurança nos cães, especialmente
entre os mais territoriais, que a subentendem como um aviso dos medos e
fraquezas dos seus donos, tentando colmatá-los pela protecção desnecessária,
andando sempre alerta e à espera de confrontos. A quebra de confiança nos donos
sempre resulta da impropriedade da sua liderança, quer ela aconteça por abuso, défice
ou desleixo, não sendo de estranhar que muitos ataques caninos resultem da
insegurança promovida pelos seus proprietários. A liderança activa, o trabalho
comum e a divisão das tarefas fortalecem a confiança nos donos, a ausência de
liderança, de trabalho dividido e de atribuição de tarefas produzem o efeito
contrário. A escolha é sua!
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