Toda a gente sabe e se não
sabe deveria saber, que a aquisição de um cão deverá acontecer por consenso
familiar e não pela decisão unilateral de um dos seus membros, porque a
presença do animal irá alterar a vida e a rotina de todos e o cão será mais ou
menos feliz de acordo com o grupo que o vier a aceitar, porque se trata de uma
adopção que irá exigir disponibilidade, cuidados, atenção e carinho para que
ele se sinta bem, vindo a considerar as pessoas do agregado familiar como
membros do seu bando, o que será deveras importante para o seu desenvolvimento,
sociabilização saúde, bem-estar e longevidade. Como cresce o número de casais
que se separa ou divorcia e muitos deles, quiçá por opção, temor ou impossibilidade
de terem filhos, são proprietários de um ou mais cães, importa avaliar os
reflexos dessas separações para os animais através das soluções comummente
encontradas, nem sempre as melhores, considerando o seu particular social, porque
deixam marcas e que podem levar inclusive ao seu abate.
Assim como há pais separados que fazem dos filhos cavalos de batalha,
também há quem se aproveite dos cães para o mesmo fim, um finca-pé que
normalmente desconsidera as necessidades dos animais e que nada abonará em prol
do seu bem-estar e futuro, particularmente quando entregues a quem pouco se
importa com eles. São 7 as soluções mais usuais para o problema: a entrega ao
elemento activo (líder), a custódia junto do elemento passivo (elemento
neutro), o despacho para a casa dos pais de um deles, o descarte para um amigo
ou casal amigo, a venda do animal (se for de raça, tiver procura e preencha às
expectativas de terceiros), a entrega num canil de adopção e a incorporação
numa força policial ou militar (dependendo da sua idade, características e
mais-valias). O cão poderá ainda ser resgatado por um adestrador que nele possa
estar interessado. Não consideramos como válida a opção de o mandar abater num
canil terminal municipal, muito embora haja quem o faça.
O caso menos lesivo destas
circunstâncias extraordinárias, havendo essa possibilidade, é quando o cão fica
com o líder que escolheu e na casa que sempre conheceu, porque o seu modo de
vida não sofrerá grandes alterações, já que a liderança e o território são os
mesmos, ainda que eventualmente sinta a falta da pessoa que saiu de casa. Resta
saber se a que virá gostará de cães e irá gostar dele, o que desafortunadamente
nem sempre acontece, acabando o animal no olho da rua, despachado à pressa ou
entregue a uma associação de acolhimento (se fosse um filho iria parar a um
colégio interno). Caso o animal fique com a pessoa do casal que não foi o seu
líder e na mesma casa, ainda que o território seja o mesmo, o cão virá a
comportar-se de modo diferente, mostrando-se ansioso, ensurdecendo-se por vezes
e mostrando-se menos alegre e solícito, por lhe faltar o líder e o exemplo que
seguia, porque de imprevisto se viu obrigado à troca de liderança e a aceitar a
autoridade de alguém que até ali era para ele um igual. Alguns cães chegam a
fugir de casa, dependendo isso dos vínculos afectivos que mantinham com os seus
líderes. Com o decorrer do tempo e muita paciência por parte da pessoa que o conservou,
o animal adaptar-se-á, podendo incompatibilizar-se com um futuro morador daquela
casa, o que exigirá dele algum tacto e sensibilidade, para que venha a ser
aceite pelo cão.
O despacho do animal para
casa dos pais de um dos separados ou para a casa duns amigos de algum deles é
uma das opções mais comuns, especialmente se tiverem mais cães e espaço,
condições que à partida deixarão o casal em litígio mais descansado quanto á
sorte do cão, já que terá “amigos” para brincar e espaço para correr, o que
amenizaria a sua separação forçada. Infelizmente, como alguém já disse, o céu e
o inferno estão cheios de boas intenções e os desejos nem sempre se cumprem. E
neste caso poderão não suceder, porquê? Subsistem múltiplas razões, quase todas
ligadas ao facto dessas pessoas não terem criado o cão e desenvolvido até então
o afecto e a cumplicidade que o seu crescimento ofereceu, sobrando ainda a
estranheza do animal perante tal gente e a novidade dos seus hábitos e rotinas.
É importante recordar que os cães vivem da experiencia que têm, são seres
sociais e não se encontram preparados para andar de mão em mão. Por outro lado,
a menos que já o tivessem conhecido e dividido com ele o mesmo espaço sem
problemas, os cães residentes não verão com bons olhos o recém-chegado, porque
verão o seu território e cuidados repartidos, podendo resistir a essa
repartição por meios mais ou menos violentos, o que de alguma forma sempre
colocará o despachado em desvantagem, porque o seu líder está ausente e o grupo
não o aceita. Quem o defenderá, quem lhe devolverá a primazia? Sentir-se-á a
bem com a rejeição e a despromoção?
Passadas algumas
escaramuças e umas tantas dentadas, o despachado será finalmente escalonado no
grupo. Mas supondo que o cão pertence ao grupo dos dominantes e carrega nos
demais, haverá paciência para ele? Quem será mais uma vez isolado? Quem
concorrerá à castração? Quem preferencialmente será posto na rua? Não há
relatos do abate de alguns cães? Que ninguém se iluda: o maior sucesso nas
adopções acontece obviamente entre os submissos, não entre os valentes! Antes
de se confiar um cão a um amigo, que convém ter uma estabilidade familiar capaz
e todo o seu agregado familiar se encontrar de acordo quanto à
aquisição do animal, para que o cão não volte ao mesmo fado, urge aquilatar da
sua disponibilidade anímica, temporal e financeira para poder valer ao animal,
de modo a manter-lhe a manutenção, a assistência médico-veterinária, os hábitos
e rotinas de que é portador, o que suavizará a ausência do antigo dono e
facilitará a aceitação do novo espaço. A primeira das razões de sucesso por
detrás da adopção de cães e que os torna gratos, é a melhoria global das suas
condições de vida, que os leva a esquecer donde vieram (quando tal é possível)
e a abraçar sem delongas o novo status.
Se houver a opção de se vender o animal, duma coisa podemos estar
certos: vão querê-lo comprar por uma ridicularia, por conhecerem a situação
aflitiva dos donos. A venda do cão nestas circunstâncias não lhe garante o bom
trato nem o dono, porque não respondendo às expectativas de quem o adquiriu,
bem depressa mudará de dono e ainda dará algum lucro, até porque o segredo do
negócio começa na compra. A entrega num canil ou associação de adopção é uma
lotaria e caso o animal venha a ser adoptado, ninguém lhe garante a sorte,
porque não são raros os cães que ele retornam ou que acabam abandonados pela
vergonha de os devolverem, tendo a morte mais do que certa. A incorporação numa
força policial ou militar é à partida uma boa opção, porque o animal será
tratado condignamente, pelo menos enquanto estiver no activo (a adaptação do
cão não será automática e será feita a expensas próprias). A aquisição do
animal por parte dum adestrador poderá não ser desinteressada e geralmente não
é, porque já lhe tem serviço ou cliente destinado, vindo a ser melhor ou pior
tratado. Há casos de adopções felizes? Sem dúvida, ainda que não sejam muitas,
considerando o menor poder de compra, indisponibilidade, pouco conhecimento,
tipo de parceria e condições de quem se predispõe a adoptar.
Sejamos sinceros, quando alguém se livra de um cão nestas circunstâncias
ou noutras similares, talvez por descargo de consciência, não prefere pensar e
dizer para os outros que o animal foi para melhor, quando na esmagadora maioria
dos casos suspeita exactamente do contrário? Para quem tem a família à
experiência, mais vale assumi-la primeiro e só depois pensar nos cães! Como
pode alguém assumir um compromisso com um cão, se não faz com a sua própria
família? E se a família está em crise, o que não é de hoje e não suscita
dúvidas a ninguém, os cães não serão os primeiros a ser desprezados e
defenestrados? Felizes são os cães de um só dono até que o deixem de ser,
podendo continuar a sê-lo, se agradarem a quem chega. Mais felizes serão
aqueles que encontrarem uma família que divida com eles a sua vida. Apesar de
tudo o que dissemos, não conseguimos falar pelos cães, caso falassem, muito
mais teriam a dizer.
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