Este ano, como sempre acontece, no dia do Solstício de Verão no
Hemisfério Norte (21 de Julho), vai realizar-se na China, mais propriamente em
GuangXi, o tradicional Festival Gastronómico da Carne de Cão, ocasião em que
são abatidos em média 10.000 cães para o efeito, “iguaria” muito apreciada
naquelas paragens (será que vão lá estar alguns suíços?). Como já aconteceu em
anos anteriores, os protestos chovem de toda a parte, inclusive de dentro da
própria China, para que aquele Festival não se realize, porque nem todos os
chineses gostam ou são obrigados a comer carne de cão, devido à sua
multivariedade cultural, havendo muitos que abominam tal prática e consumo e
muitos outros que procuram no lobo familiar as vitaminas, proteínas e minerais
que ele tem para oferecer, na impossibilidade de se valerem doutras carnes, já
que o elementar arroz não os comporta. Adiantamos desde já que somos contra tal
festival, que nos revolta e enoja, sentindo-nos ainda mais transtornados quando
vimos crianças com fome e em que circunstâncias vivem certos povos no Mundo, diante
dos nossos olhos e perante a nossa impotência, dramas tantas e tantas vezes
indiferentes a quem ama os seus pets e cujo mundo acaba nas quatro paredes do
seu aconchego.
É natural e compreensível que nos revoltemos contra festivais deste
género, porque somos duma cultura diferente, temos os cães noutra consideração
e usamo-los para outros fins. Contudo, falta-nos autoridade moral para o
fazermos, uma vez que entendemos a castração como sinónimo de bem-estar nestes
animais, abandonamos todos os anos milhares deles e abatemos anualmente cerca
de 100.000 nos canis terminais municipais, número dez vezes maior que o
destinado ao abate em GuangXi. É estranho mas é verdade: mais depressa solucionamos
os problemas alheios que os nossos! Como poderemos ser arautos do bem-estar
canino além-fronteiras, se não somos exemplo para ninguém? Somente através da
máxima: “faz o que te digo e não olhes para aquilo que eu faço”. O trabalho em
falta envergonha-nos e torna-nos hipócritas. Não será mais fácil resolver o
problema entre 10 milhões de pessoas do que entre mais de um bilião? Pode ser
que os chineses resolvam primeiro os problemas relativos aos cães do que nós, a
quem se reconhece haver em cada cabeça uma sentença. Curiosamente, o território
chinês é cerca de 108 vezes maior que Portugal. E como o peso das decisões se
encontra sujeito a conjecturas políticas ou ao peso da política alicerçado na
economia, após o forte e mui desejado investimento chinês em Terras Lusas,
haverá algum governante português capaz de sugerir às autoridades chinesas que
acabem com o Festival de GuangXi? Não será o dinheiro o melhor dos subsídios
para a aceitação das diferenças culturais? Se continuarmos como até aqui,
seremos como aqueles cães que ladram mas não mordem, o que pode ser traduzido
por “povo de brandos costumes”, rotineiramente inconsequente.
É uma obrigação para os que entre nós gostam de cães, lutar pela
aprovação de leis que mais penalizem os donos que os animais, sanções e penas
mais duras para aqueles que os abandonam, cadastrar e exigir maior fiscalização
sobre os proprietários caninos e lutar pela abolição da pena de morte nos canis
terminais municipais, o que já acontece na vizinha Espanha, nos municípios de
Madrid, porque a castração não resolve o problema do abandono (basta reparar no
número crescente de associações que se dedicam a recolha de animais), e o recurso
ao “Eutasil” não é solução mas uma prática criminosa. E como primeiro temos que
arrumar a casa, este é o nosso combate e nisto estaremos outra uma vez a dar
novos mundos ao Mundo. Até lá, deixem os chineses em paz, porque eles matam os
cães e comem-nos (ao que tudo em indica, breve deixarão de fazê-lo, como já
acontece na Coreia), nós matamo-los só para nos livrarmos deles, morte inglória
e sem qualquer préstimo, ignomínia que nos compromete e que não esconde velhos
costumes bárbaros e despóticos ainda em uso nos nossos dias.
É evidente que lutar pelos
direitos dos animais é fazê-lo aqui e em toda a parte, não porque está na moda
ou fica bem, mas resulta gratuito quando exigimos dos outros aquilo que não
cumprimos ou sobre o qual fazemos vista grossa, quer por conveniência quer por
comodismo. Já assinámos uma das petições contra o Festival Gastronómico de
GuangXi, mas antes e depois dele continuaremos a denunciar os abusos aqui
perpetrados contra os animais domésticos, particularmente sobre os cães, que
sendo muitos, não se rementem unicamente ao abandono, aos maus tratos e ao
genocídio. Nas vésperas do dia primeiro de Julho próximo, os chineses da região
autónoma Zhuang abaterão 10.000 cães para consumo e os portugueses abaterão
8.200 para não serem incomodados. Quem será mais bárbaro? Segundo o que a BBC
tornou público, 259.200 crianças morrem mensalmente de fome no Mundo, 6 a cada minuto, uma a cada 10
segundos! Se não nos importa a morte dos nossos semelhantes, menos nos
importará o desaparecimento de outras espécies. Não deveremos desligar-nos do
socorro mútuo e ligar-nos somente ao socorro dos animais, a menos que queiramos
entregar o mundo aos cães e levá-los ao poder, o que para alguns insanos até não
seria mau de todo. Não raramente, a pretexto de uma causa justa, as mais
inocentes campanhas, para além de servirem de trampolim para alguns, visam
desviar-nos a atenção, sendo manobras políticas ao serviço de velhos
interesses. Gostar de animais é gostar primeiro das pessoas, por causa delas
treinamos cães, a seu rogo e para seu auxílio. Deus nos conserve a razão, o bom
senso e a clarividência!
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