terça-feira, 23 de junho de 2015

TRAGAM-ME ALPERCES E PÊRAS CARAPINHEIRAS PARA O CÃO!

A partir do sótão das nossas memórias, porque uma conversa puxa outra e alguém nos fez recordar, vamos contar aqui a história de um velho Coronel do exército, cujo apelido recordamos mas não a arma que pertencia, que viveu nas décadas de 60 e 70 do Século passado, na Avª dos Estados Unidos da América em Lisboa. Um homem generoso para quem o servia e proprietário dum Labrador que já não era novo, ainda que a idade não lhe pesasse e fosse disfarçada pela sua actividade. Naquele tempo, gente que se prezasse não ia às mercearias e os supermercados eram raros, cabendo aos marçanos levar ao domicílio dos clientes a fruta e toda a sorte alimentos, trabalho que era do seu agrado mercê das gorjetas que recebiam. E como o dinheiro não era muito, evitavam os eléctricos, para ficarem com o dinheiro das passagens. Uma das recomendações mais frequentes do velho Coronel para o moço que o servia era: “tragam-me alperces e pêras carapinheiras para o cão”, desejo que sempre viu satisfeito com produtos de primeira qualidade, que o marçano entendia mal empregues no animal mas que o dono merecia, apesar de o julgar tonto pela idade.
Duvidamos que o velho militar desse aquela fruta ao cão pelos benefícios prá saúde do animal, o mais certo era dar-lha porque ele gostava, era um comilão e a fruta não o engordava tanto quanto a comida. E nas Estações do ano em que ela não havia, o que deixava ainda mais perplexo o marçano, atendendo ao seu preço, o Coronel encomendava alperces secos para animal, acabando um ou dois no estômago do moço antes que o cão lhe pudesse deitar o dente. Para bem de todos, o Labrador durou anos e anos, mais do que o esperado, sempre alegre, sem queixas e com muito apetite, esperando atrás da porta o toque da campainha que anunciava a chegada do rapaz da mercearia.
Temos sido interpelados por vários leitores que nos perguntam se devem ou não devem dar fruta aos seus cães, questão que nos ultrapassa mas sobre a qual temos opinião, unicamente por conta da nossa experiência na canicultura e dos resultados que obtivemos. Chegámos a duas conclusões: os cães que tomam vitaminas ou comem fruta são mais saudáveis e têm maior esperança de vida (muitos dos nossos Pastores Alemães chegaram e continuam a chegar aos 15 anos de idade) e a ocorrência de doenças cancerígenas tem sido menor nos cães que comem fruta. É por demais evidente que os cães e os lobos não são omnívoros, facto também comprovado pelo reduzidíssimo número de cães que come fruta (excepção feita ao Lobo-Guará, único canídeo do género Chrysocyon, que inclui a fruta na sua dieta e vive na América do Sul). Será esta alteração de hábitos alimentares produto exclusivo da convivência, um dos possíveis sintomas da evolução dos cães domésticos ou resultará do conhecimento que vamos tendo dos animais em geral?
Como se depreende, não se trata de substituir a ração diária de um cão por uma gamela de fruta, mas disponibilizá-la em pequena quantidade entre as suas refeições, como um petisco ou um mimo, especialmente para os cães mais sôfregos e com tendência para a obesidade. Para além de frescas, algumas frutas podem ser distribuídas secas, apesar do seu valor calórico ser maior, o que dependendo dos casos, poderá ser contraproducente (ex: aumento de peso). E o valor nutricional dos frutos secos é tal que, por imperativo e à falta de melhor, com eles poderemos manter um cão por uma semana ou duas até regressar à sua dieta regular, garantia que as frutas frescas não oferecem no mesmo período e quando dadas em exclusivo, por induzirem os cães ao colapso. Nenhum cão subsistirá somente pelo concurso da fruta, mas o seu consumo moderado só lhe trará melhorias.
Pelo que acabámos de dizer no parágrafo anterior, acostumar um cão a comer fruta é contribuir para a sua sobrevivência, hábito que alcançaria por si em caso de extrema necessidade e que já vimos posto em prática pelos cães abandonados. Contudo, a tarefa não é obrigatória e perde sentido quando põe em risco a saúde dos animais ou agrava o seu quadro clínico, já que muitos dos cães standartizados carregam insuficiências de vária ordem que obrigam a certos cuidados. A política que defendemos é tangível ao celebérrimo ditado inglês: “An apple a day keeps the doctor away”. É importante não esquecer que cada cão tem a sua preferência em relação à fruta, não devendo ser obrigado a comer aquela que despreza, porquanto é e continuará a ser um carnívoro e como tal não podemos fazer dele um porco.
Dentro dos distintos grupos somáticos caninos, os vulpinos, os bracóides e os demais cães caçadores são os que demonstram maior apetência pela fruta, também os poodles (que facilmente adquirem hábitos por observação) e os cães em cuja construção se encontra o chacal. A maioria dos lupinos e os molossos resistirá mais ao seu consumo e comê-la-ão debaixo da contingência de “burro com fome até cardos come”, quando não acostumados desde tenra idade (claro que há excepções, pois estamos a tratar de indivíduos), sendo chegados aos frutos secos do que aos frescos. Alguns donos têm por hábito dar aos cães o que sobra de uma pêra ou uma maça, nomeadamente o miolo onde se encontram as sementes. Apesar dos cães suportarem maior número delas que os humanos, antes de ficarem intoxicados, tal prática deverá ser abandonada, especialmente se os animais forem gulosos, porque daí não lhes resultará algum bem, a menos que intentemos torná-los mais resistentes a determinadas intoxicações, o que nos parece descabido, diante do modo e da necessidade.
O que se pretende com a administração da fruta aos cães é estender-lhes as vitaminas e sais minerais nelas presentes, bem como os seus benefícios, muito embora seja mais fácil e prático fazê-lo pela distribuição de vitaminas sintéticas, cujo efeito é mais rápido, ainda que os cofactores desconhecidos presentes nas vitaminas naturais, não encontrados nas suas formas sintéticas, contribuam para o aumento da sua eficiência (a ciência continua a tentar copiar a natureza mas ainda não chegou perto dela). Que frutas e frutos secos podemos dar aos cães, em pequena quantidade, respeitando o seu particular individual e preferência? No que conserve à fruta fresca, aqui vai a lista por ordem alfabética, segundo as frutas mais consumidas em Portugal: alperce, ameixa, banana, kiwi, laranja, maçã, manga, melancia, melão, mirtilo, morangos, pêra e uvas. No que aos frutos secos diz respeito, pela mesma ordem e segundo os mais comuns aqui: alperce, ameixa, amendoim, avelãs, figo, nozes, passas e tâmaras (temos por hábito dar distribuir frutas frescas na sua época e frutos secos no Outono e Inverno, porque procuramos a sintonia com o relógio biológico e valer aos cães quando mais necessitam).
Aos cães fracos do aparelho digestivo ou portadores de insuficiência pancreática exócrina nunca ousámos distribuir fruta, sabendo que veriam agravadas as suas insuficiências e o seu já débil equilíbrio salutar, só possível por adietas próprias e pelo concurso de medicamentos. De todas as frutas que indicámos avaliaremos sucintamente algumas naquilo que elas têm de benéfico para os cães, porque doutro modo tornaríamos este artigo por demais extenso. O alperce, que pode ser dado com casca, para além do caroteno, é rico nas vitaminas A, B1, B2, B3, B5, C e também em fibras. Curiosamente o extracto da sua semente é usado no combate ao cancro. A ameixa que ajuda no combate à obesidade humana e canina, fornece as vitaminas A, B1, B2, B3, B6, C, E e K, fornecendo ainda cálcio, ferro, fósforo, flúor, magnésio, potássio e zinco (pode ser dada com casca). A banana, que a maioria dos cães detesta e que alguns devoram, é uma excelente fonte de energia e é rica em potássio e fibras, como em cálcio, fósforo e magnésio (ainda que em menor quantidade). Deve ser dada sem casca e auxilia o sistema imunológico e a função intestinal. O kiwi, extraordinariamente rico em vitamina C, presta-se ao reforço do sistema imunológico (inclusive no combate ao cancro) e ao fortalecimento dos ossos e tecidos conjuntivos. Carece de ser servido em pequenas quantidades e sem casca. A laranja, menos do agrado dos cães, possui vitaminas, principalmente a C, antioxidantes, substâncias anti-inflamatórias, antialérgicas, anti-hipertensivas e mais de um cento de elementos anticancerígenos. Além disso, também é rica em fibras. Previne o envelhecimento precoce dos cães e deve ser servida descascada e sem sementes.
A maçã, que ajuda a regular a glicemia nos cães e favorece a sua função intestinal, é um anti-inflamatório natural e rica em antioxidantes, combatendo a artrite a osteoporose, servindo ainda como prevenção contra o cancro hepático e regulando a função intestinal (deve ser distribuída com casca e sem sementes). A manga, que não deve ser servida a cadelas prenhes (por conter substâncias abortivas), é rica nas vitaminas A, B, e C, os carotenóides presentes na sua composição fortalecem o sistema imunológico, diminuem o risco de doenças degenerativas e têm alta acção antioxidante. Como ajuda no combate ao envelhecimento precoce, é a fruta indicada para os cães castrados (a casca e o caroço deverão ser retirados). A melancia, que é diurética, refrigerante e um desparasitante natural, é rica nas vitaminas B1 e B2, contendo ainda fósforo e cálcio. Ao prestar-se à limpeza do estômago e dos intestinos, ela auxilia a digestão e a função renal, combate eficazmente a artrite, a obesidade, a acidez gástrica (que por vezes obriga os cães a comerem ervas), o ácido úrico e o reumatismo nos cães, sendo a fruta recomendada para os dálmatas (deve ser distribuída como se fosse para os humanos). O melão tem qualidades idênticas à melancia, deve ser dado esporadicamente, já que induz a diarreias. O mirtilo, que é rico em antioxidantes e apresenta como vantagem um baixo teor de açúcar, apresentando qualidades similares às encontradas nas amoras silvestres (que também são recomendáveis), presta-se ao reforço do sistema imunológico, ao combate do cancro e do envelhecimento precoce, mantendo saudável a função neurológica canina (pode ser dado com casca mas em pequenas quantidades).
Os morangos são a fruta indicada para os cães de trabalho (os orgânicos, que são os mais pequeninos), porque melhoram a função cerebral e a capacidade de aprendizagem canina, por via da combinação da vitamina C com os ácidos elágico e gálico, que também se prestam ao combate do envelhecimento precoce (devem ser dados inteiros e em quantidade moderada). A pera é a fruta mais eleita pelos cães. Rica em potássio, sais minerais e nas vitaminas A, B2, C e niacina (também conhecida como vitamina B3, vitamina PP ou ácido nicotínico), possuindo grande quantidade de fibras que protegem o intestino de doenças inflamatórias, prestando-se ainda a manter saudáveis os tecidos conjuntivos. Deve ser dada sem casca e as suas sementes retiradas, porque libertam ácido cianídrico que é tóxico para os cães. As uvas são a fruta predilecta de alguns molossos e lupinos, contêm carotenos e as vitaminas A, K, também as do complexo B (piridoxina, riboflavina e tiamina), sendo uma fonte de nutrientes onde podemos encontrar ferro, cobre e manganês. São ricas em antioxidantes e têm propriedades antialérgicas, anti-inflamatórias e antimicrobianas que auxiliam na luta contra o cancro, para além de promoverem o relaxamento dos vasos sanguíneos (devem dar-se sem grainhas). Os frutos secos tendem a ser mais ricos nos constituintes benéficos para os cães e são para eles mais apelativos.
Os cães podem viver sem fruta? Podem, mas aqueles que a comem são mais saudáveis e vivem por mais tempo. E ao dizermos isto, dizemo-lo sem receio, porque ainda hoje distribuímos (com conta, peso e medida) fruta aos nossos cães, apesar da administração das vitaminas sintéticas ser mais fácil, prática e menos trabalhosa. A habituação dos cães à fruta começa desde tenra idade, isoladamente (o que requer alguma brincadeira) ou por adição ao seu penso diário. Os cães adultos que nunca comeram fruta poderão fazê-lo a partir dos frutos secos. A manga, o melão e a melancia não devem ser dados às cadelas prenhes, que poderão, quando acostumadas, comer a restante fruta que atrás indicámos. Finalmente, não creio que o velho Coronel, formado em Ciências Militares, tivesse conhecimento de tudo isto, mas acredito que amava o seu cão como ninguém.
Sim, os cães podem e devem comer fruta e também alguns vegetais, como já indicámos em edições anteriores. E sobre alperces e pêras carapinheiras, duas frutas arredadas do consumo dos citadinos, importa dizer que o alperce, tanto fresco quanto seco, é muito mais saudável que o pêssego, porque não agrava o ácido úrico. As pêras carapinheiras outrora tão comuns na zona saloia, mormente nos arrabaldes de Sintra, possuem um paladar único e o seu consumo no Verão é por demais agradável. Hoje é difícil encontrá-las porque foram substituídas por outras maiores e insípidas (há sabores que não voltam mais). 

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