A partir do sótão das
nossas memórias, porque uma conversa puxa outra e alguém nos fez recordar,
vamos contar aqui a história de um velho Coronel do exército, cujo apelido
recordamos mas não a arma que pertencia, que viveu nas décadas de 60 e 70 do
Século passado, na Avª dos Estados Unidos da América em Lisboa. Um homem
generoso para quem o servia e proprietário dum Labrador que já não era novo,
ainda que a idade não lhe pesasse e fosse disfarçada pela sua actividade.
Naquele tempo, gente que se prezasse não ia às mercearias e os supermercados
eram raros, cabendo aos marçanos levar ao domicílio dos clientes a fruta e toda
a sorte alimentos, trabalho que era do seu agrado mercê das gorjetas que
recebiam. E como o dinheiro não era muito, evitavam os eléctricos, para ficarem
com o dinheiro das passagens. Uma das recomendações mais frequentes do velho
Coronel para o moço que o servia era: “tragam-me alperces e pêras carapinheiras
para o cão”, desejo que sempre viu satisfeito com produtos de primeira
qualidade, que o marçano entendia mal empregues no animal mas que o dono
merecia, apesar de o julgar tonto pela idade.
Duvidamos que o velho
militar desse aquela fruta ao cão pelos benefícios prá saúde do animal, o mais
certo era dar-lha porque ele gostava, era um comilão e a fruta não o engordava
tanto quanto a comida. E nas Estações do ano em que ela não havia, o que deixava
ainda mais perplexo o marçano, atendendo ao seu preço, o Coronel encomendava
alperces secos para animal, acabando um ou dois no estômago do moço antes que o
cão lhe pudesse deitar o dente. Para bem de todos, o Labrador durou anos e
anos, mais do que o esperado, sempre alegre, sem queixas e com muito apetite,
esperando atrás da porta o toque da campainha que anunciava a chegada do rapaz
da mercearia.
Temos sido interpelados
por vários leitores que nos perguntam se devem ou não devem dar fruta aos seus
cães, questão que nos ultrapassa mas sobre a qual temos opinião, unicamente por
conta da nossa experiência na canicultura e dos resultados que obtivemos. Chegámos
a duas conclusões: os cães que tomam vitaminas ou comem fruta são mais
saudáveis e têm maior esperança de vida (muitos dos nossos Pastores Alemães
chegaram e continuam a chegar aos 15 anos de idade) e a ocorrência de doenças
cancerígenas tem sido menor nos cães que comem fruta. É por demais evidente que
os cães e os lobos não são omnívoros, facto também comprovado pelo
reduzidíssimo número de cães que come fruta (excepção feita ao Lobo-Guará, único
canídeo do género Chrysocyon, que inclui a fruta na sua dieta e vive na América
do Sul). Será esta alteração de hábitos alimentares produto exclusivo da
convivência, um dos possíveis sintomas da evolução dos cães domésticos ou resultará
do conhecimento que vamos tendo dos animais em geral?
Como se depreende, não se trata de substituir a ração diária de um cão
por uma gamela de fruta, mas disponibilizá-la em pequena quantidade entre as
suas refeições, como um petisco ou um mimo, especialmente para os cães mais
sôfregos e com tendência para a obesidade. Para além de frescas, algumas frutas
podem ser distribuídas secas, apesar do seu valor calórico ser maior, o que
dependendo dos casos, poderá ser contraproducente (ex: aumento de peso). E o
valor nutricional dos frutos secos é tal que, por imperativo e à falta de
melhor, com eles poderemos manter um cão por uma semana ou duas até regressar à
sua dieta regular, garantia que as frutas frescas não oferecem no mesmo período
e quando dadas em exclusivo, por induzirem os cães ao colapso. Nenhum cão
subsistirá somente pelo concurso da fruta, mas o seu consumo moderado só lhe
trará melhorias.
Pelo que acabámos de dizer no parágrafo anterior, acostumar um cão a comer
fruta é contribuir para a sua sobrevivência, hábito que alcançaria por si em
caso de extrema necessidade e que já vimos posto em prática pelos cães
abandonados. Contudo, a tarefa não é obrigatória e perde sentido quando põe em
risco a saúde dos animais ou agrava o seu quadro clínico, já que muitos dos
cães standartizados carregam insuficiências de vária ordem que obrigam a certos
cuidados. A política que defendemos é tangível ao celebérrimo ditado inglês:
“An apple a day keeps the doctor away”. É importante não esquecer que cada cão
tem a sua preferência em relação à fruta, não devendo ser obrigado a comer
aquela que despreza, porquanto é e continuará a ser um carnívoro e como tal não
podemos fazer dele um porco.
Dentro dos distintos
grupos somáticos caninos, os vulpinos, os bracóides e os demais cães caçadores
são os que demonstram maior apetência pela fruta, também os poodles (que facilmente
adquirem hábitos por observação) e os cães em cuja construção se encontra o
chacal. A maioria dos lupinos e os molossos resistirá mais ao seu consumo e
comê-la-ão debaixo da contingência de “burro com fome até cardos come”, quando
não acostumados desde tenra idade (claro que há excepções, pois estamos a
tratar de indivíduos), sendo chegados aos frutos secos do que aos frescos.
Alguns donos têm por hábito dar aos cães o que sobra de uma pêra ou uma maça,
nomeadamente o miolo onde se encontram as sementes. Apesar dos cães suportarem
maior número delas que os humanos, antes de ficarem intoxicados, tal prática
deverá ser abandonada, especialmente se os animais forem gulosos, porque daí
não lhes resultará algum bem, a menos que intentemos torná-los mais resistentes
a determinadas intoxicações, o que nos parece descabido, diante do modo e da
necessidade.
O que se pretende com a administração da fruta aos cães é estender-lhes
as vitaminas e sais minerais nelas presentes, bem como os seus benefícios,
muito embora seja mais fácil e prático fazê-lo pela distribuição de vitaminas
sintéticas, cujo efeito é mais rápido, ainda que os cofactores desconhecidos
presentes nas vitaminas naturais, não encontrados nas suas formas sintéticas,
contribuam para o aumento da sua eficiência (a ciência continua a tentar copiar
a natureza mas ainda não chegou perto dela). Que frutas e frutos secos podemos
dar aos cães, em pequena quantidade, respeitando o seu particular individual e
preferência? No que conserve à fruta fresca, aqui vai a lista por ordem
alfabética, segundo as frutas mais consumidas em Portugal: alperce, ameixa,
banana, kiwi, laranja, maçã, manga, melancia, melão, mirtilo, morangos, pêra e
uvas. No que aos frutos secos diz respeito, pela mesma ordem e segundo os mais
comuns aqui: alperce, ameixa, amendoim, avelãs, figo, nozes, passas e tâmaras
(temos por hábito dar distribuir frutas frescas na sua época e frutos secos no
Outono e Inverno, porque procuramos a sintonia com o relógio biológico e valer
aos cães quando mais necessitam).
Aos cães fracos do aparelho digestivo ou portadores de insuficiência
pancreática exócrina nunca ousámos distribuir fruta, sabendo que veriam
agravadas as suas insuficiências e o seu já débil equilíbrio salutar, só
possível por adietas próprias e pelo concurso de medicamentos. De todas as
frutas que indicámos avaliaremos sucintamente algumas naquilo que elas têm de
benéfico para os cães, porque doutro modo tornaríamos este artigo por demais
extenso. O alperce, que pode ser dado com casca, para além do caroteno, é rico
nas vitaminas A, B1, B2, B3, B5, C e também em fibras. Curiosamente o extracto da
sua semente é usado no combate ao cancro. A ameixa que ajuda no combate à
obesidade humana e canina, fornece as vitaminas A, B1, B2, B3, B6, C, E e K,
fornecendo ainda cálcio, ferro, fósforo, flúor, magnésio, potássio e zinco
(pode ser dada com casca). A banana, que a maioria dos cães detesta e que
alguns devoram, é uma excelente fonte de energia e é rica em potássio e fibras,
como em cálcio, fósforo e magnésio (ainda que em menor quantidade). Deve ser
dada sem casca e auxilia o sistema imunológico e a função intestinal. O kiwi,
extraordinariamente rico em vitamina C, presta-se ao reforço do sistema
imunológico (inclusive no combate ao cancro) e ao fortalecimento dos ossos e tecidos
conjuntivos. Carece de ser servido em pequenas quantidades e sem casca. A
laranja, menos do agrado dos cães, possui vitaminas, principalmente a C,
antioxidantes, substâncias anti-inflamatórias, antialérgicas, anti-hipertensivas
e mais de um cento de elementos anticancerígenos. Além disso, também é rica em
fibras. Previne o envelhecimento precoce dos cães e deve ser servida descascada
e sem sementes.
A maçã, que ajuda a regular a glicemia nos cães e favorece a sua função
intestinal, é um anti-inflamatório natural e rica em antioxidantes, combatendo
a artrite a osteoporose, servindo ainda como prevenção contra o cancro hepático
e regulando a função intestinal (deve ser distribuída com casca e sem
sementes). A manga, que não deve ser servida a cadelas prenhes (por conter
substâncias abortivas), é rica nas vitaminas A, B, e C, os carotenóides
presentes na sua composição fortalecem o sistema imunológico, diminuem o risco
de doenças degenerativas e têm alta acção antioxidante. Como ajuda no combate
ao envelhecimento precoce, é a fruta indicada para os cães castrados (a casca e
o caroço deverão ser retirados). A melancia, que é diurética, refrigerante e um
desparasitante natural, é rica nas vitaminas B1 e B2, contendo ainda fósforo e
cálcio. Ao prestar-se à limpeza do estômago e dos intestinos, ela auxilia a
digestão e a função renal, combate eficazmente a artrite, a obesidade, a acidez
gástrica (que por vezes obriga os cães a comerem ervas), o ácido úrico e o
reumatismo nos cães, sendo a fruta recomendada para os dálmatas (deve ser
distribuída como se fosse para os humanos). O melão tem qualidades idênticas à
melancia, deve ser dado esporadicamente, já que induz a diarreias. O mirtilo,
que é rico em antioxidantes e apresenta como vantagem um baixo teor de açúcar,
apresentando qualidades similares às encontradas nas amoras silvestres (que
também são recomendáveis), presta-se ao reforço do sistema imunológico, ao
combate do cancro e do envelhecimento precoce, mantendo saudável a função neurológica
canina (pode ser dado com casca mas em pequenas quantidades).
Os morangos são a fruta indicada para os cães de trabalho (os orgânicos,
que são os mais pequeninos), porque melhoram a função cerebral e a capacidade
de aprendizagem canina, por via da combinação da vitamina C com os ácidos
elágico e gálico, que também se prestam ao combate do envelhecimento precoce
(devem ser dados inteiros e em quantidade moderada). A pera é a fruta mais
eleita pelos cães. Rica em potássio, sais minerais e nas vitaminas A, B2, C e
niacina (também conhecida como vitamina B3, vitamina PP ou ácido nicotínico), possuindo grande quantidade de fibras que protegem o intestino de doenças
inflamatórias, prestando-se ainda a manter saudáveis os tecidos conjuntivos.
Deve ser dada sem casca e as suas sementes retiradas, porque libertam ácido
cianídrico que é tóxico para os cães. As uvas são a fruta predilecta de alguns
molossos e lupinos, contêm carotenos e as vitaminas A, K, também as do complexo
B (piridoxina, riboflavina e tiamina), sendo uma fonte de nutrientes onde
podemos encontrar ferro, cobre e manganês. São ricas em antioxidantes e têm
propriedades antialérgicas, anti-inflamatórias e antimicrobianas que auxiliam
na luta contra o cancro, para além de promoverem o relaxamento dos vasos
sanguíneos (devem dar-se sem grainhas). Os frutos secos tendem a ser mais ricos
nos constituintes benéficos para os cães e são para eles mais apelativos.
Os cães podem viver sem
fruta? Podem, mas aqueles que a comem são mais saudáveis e vivem por mais
tempo. E ao dizermos isto, dizemo-lo sem receio, porque ainda hoje distribuímos
(com conta, peso e medida) fruta aos nossos cães, apesar da administração das
vitaminas sintéticas ser mais fácil, prática e menos trabalhosa. A habituação
dos cães à fruta começa desde tenra idade, isoladamente (o que requer alguma
brincadeira) ou por adição ao seu penso diário. Os cães adultos que nunca
comeram fruta poderão fazê-lo a partir dos frutos secos. A manga, o melão e a
melancia não devem ser dados às cadelas prenhes, que poderão, quando
acostumadas, comer a restante fruta que atrás indicámos. Finalmente, não creio
que o velho Coronel, formado em Ciências Militares, tivesse conhecimento de
tudo isto, mas acredito que amava o seu cão como ninguém.
Sim, os cães podem e devem comer fruta e também alguns vegetais, como já
indicámos em edições anteriores. E sobre alperces e pêras carapinheiras, duas
frutas arredadas do consumo dos citadinos, importa dizer que o alperce, tanto
fresco quanto seco, é muito mais saudável que o pêssego, porque não agrava o
ácido úrico. As pêras carapinheiras outrora tão comuns na zona saloia, mormente
nos arrabaldes de Sintra, possuem um paladar único e o seu consumo no Verão é
por demais agradável. Hoje é difícil encontrá-las porque foram substituídas por
outras maiores e insípidas (há sabores que não voltam mais).
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