segunda-feira, 1 de outubro de 2012

UM SÉCULO DE MUTANTES


Há sensivelmente um século, logo após Darwin e Galton, muito antes do advento do hediondo II Reich da eugenia de má memória, graças à excessiva endogamia e muito para além das leis da selecção natural, que a canicultura mundial enveredou pela criação de mutantes, criando raças morfologicamente anómalas e distantes do bem-estar animal, aberrações de toda a casta que se constituíram em impropriedades genéticas e que acabaram por transformar o sonho dos homens no maior pesadelo dos cães. A BBC lançou há pouco tempo dois documentários acerca do assunto e a canicultura europeia começa agora, ainda que lentamente, a tomar consciência dos erros cometidos e da necessidade de mudança nos critérios de selecção dentro das raças actualmente reconhecidas pela FCI, apesar de muitos clubes de raça e outros tantos criadores fazerem “orelhas moucas”, o que a ninguém espanta considerando o embaraço e os custos inerentes à mudança requerida.
Para se ter a noção exacta dos abusos cometidos, que cada vez mais atentam contra a saúde dos cães considerados puros, basta comparar o que eles eram há um século atrás com aquilo que são hoje. Essas alterações resultaram num sem número de enfermidades e incapacidades que estão a comprometer a saúde e sobrevivência das raças, contribuindo desde logo para o sofrimento atroz de muitos animais. Se entendermos a selecção dos cães como um baralho de cartas, então está na hora de baralhar outra vez e dar de novo, o que aponta claramente para a hibridação quando tal se justificar para a eliminação das insuficiências que hoje vitimam cada raça, porque a procura da dominância em cada uma delas, ao ser por demais valorizada, foi, é-lhes e continuará a ser-lhes fatal, fenómeno também compreendido pelo desprezo relativo e sistemático pelas variedades recessivas que estiveram na origem e construção dos diferentes estalões.
O problema há muito que é do conhecimento dos adestradores, o que os tem obrigado a cuidados suplementares e à supressão de um sem número de tarefas ou aptidões, considerando a salvaguarda animal, a particularidade dos indivíduos e a continuidade do seu ofício. Assim se compreende quão difícil é juntar o belo ao funcional, tarefa inglória tantas vezes procurada por muitos, porque ordinariamente os “Apolos” vêm munidos de atestados limitadores para a função. E neste sentido, poder-se-á dizer a grosso modo (porque sempre houve excepções e são bem vindas), que a clássica divisão entre o trabalho e a beleza reside na diferença entre os cães saudáveis e aqueles que o não são, exactamente quando a estética ignora ou desconsidera o trabalho, serviço que exige saúde e que não se compraz exclusivamente na passerelle, no corrupio entre a boxe e a apresentação. Não queremos com isto denegrir a importância das exposições de beleza, o que seria um autêntico descalabro, apenas pedimos aos diferentes criadores e expositores de cães que apresentem e passem animais saudáveis. Oxalá esse tempo não demore, todos temos a ganhar com isso, homens e cães, criadores, adestradores e futuros proprietários caninos.

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