quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O NÃO, O NIM E O NAUM


O comando de “não” deverá ser sempre um código de emergência e nunca uma “bucha” a que sempre recorremos, porque é um comando inibitório eficaz que não deve ser banalizado, considerando a necessidade imediata da cessação das acções caninas (instintivas, espontâneas ou condicionadas) e a salvaguarda de pessoas e animais. E neste sentido, tanto a obediência quanto o desempenho de um cão, podem ser avaliadas pela recorrência ao “não”, já que um cão devidamente instruído e habilitado desnecessita da inibição pelo concurso do treino aturado. Assim, se determinado animal precisa de ouvir constantemente “não”, isso significa que ainda não se encontra devidamente apetrechado ou o seu condutor não domina ainda os automatismos que dispensam o travamento, o que de todo é condenável e não esconde a sua falta de aplicação. O abuso sistemático do comando acabará por rebentar com o carácter, alegria e prontidão de qualquer campeão, porque evoluirá inseguro, debaixo de temor e dominado pela desconfiança. Os condutores mais distraídos ou desatentos tendem a abusar do comando, porque sendo invariavelmente apanhados de surpresa, não lhes sobra outro remédio. Cabe a quem dirige as classes evitar que isso suceda, o que exige algum tacto e diplomacia, já que ninguém gosta de ser apanhado em flagrante e muito menos ficar exposto à correcção. As sessões de treino mais curtas ou espaçadas têm-se revelado um antídoto seguro contra este fenómeno, tornando assim possível a desejável concentração e progresso de pessoas e cães.
 
Ensinar este comando nunca foi fácil e aplicá-lo atempadamente muito menos, porque tem uma entoação própria e ocasião certa, o que irá exigir dos condutores uma voz modelada e especial atenção. Numa sociedade dominada pelo “talvez, quem sabe”, onde até a mentira virou inverdade e a regra é vista como prepotência, o “não” e o “sim” acabaram por fundir-se, dando lugar ao “nim” que não é uma coisa nem outra, o que irá afectar também o adestramento realizado pelos donos, nomeadamente no salutar equilíbrio entre a exigência e a recompensa e entre a disciplina e a afeição, já que a cumplicidade não dispensa a correcção e a força dum binómio reside na unidade de propósitos (parceria). Por mais estranho que nos pareça, a maioria das pessoas abomina o “não” e tem alguma dificuldade em dizê-lo e aplicá-lo, particularmente junto daqueles que lhe são mais próximos e queridos, fragilidade imediatamente absorvida pelos cães que a usarão para desobedecer, porque são competitivos e vivem para o assalto ao poder, já que são gregários, têm vontade própria, o treino é artificial e o escalonamento das matilhas não é alcançado por meios gratuitos. Esta gente irá acabar por dizer um não do tipo: “apesar de gostar, hoje não posso ir jantar contigo!”, deferência que gerará irreverência e que levará à nulidade do comando. Diz-se por aí à boca cheia que já não existem verdadeiros líderes e que a sociedade os tem vindo a castrar. Se isso for verdade, o que sinceramente duvido, a quem seguiremos e como nos seguirão os cães, já que o adestramento é para os donos uma rara ocasião para a liderança, mesmo para aqueles que não têm natural propensão para tal. Mandarão os cães em nós ou transfigurar-nos-emos neles? Transformar um fraco num valente nunca foi tarefa fácil e somente o medo do castigo pode fazer surtir essa alteração. Daí ser importante lembrar aos donos que os cães não são só aceleração, que também necessitam de travamento, porque são irracionais e nem sempre têm a real percepção dos perigos que os cercam. Uma coisa é certa: a humanização dos cães sempre induziu à irracionalidade dos donos!
 
Se existem condutores caninos que dificilmente sairão do “nim”, também é verdade que outros usam o “naum”, muito embora o seu número seja reduzido, potenciando o comando verbal pelo alongamento da projecção gutural, transformando-o em cavernoso e lembrando o rosnar ameaçador presente nos cães. A potência e o timbre da voz, tanto nos homens como nos animais, é de origem hereditária e uma voz potente sempre causa alguma impressão, apreensão ou resposta. Os cães sujeitos ao “naum” nunca apresentam dificuldades de travamento, podendo no entanto ser vítimas do seu excesso. O ideal seria, assim como se aprende solfejo, que todos os condutores, quando necessário e de acordo com os animais que conduzem, possuíssem as três entoações (não, nim e naum), aplicando a primeira aos cães dominantes e submissos, a segunda aos muito submissos e inibidos e a terceira aos muito dominantes, já que o desacerto entre a ordem e a acção na cinotecnia pode resultar (e normalmente também resulta) da inadequada entoação dos comandos, o que a ninguém espanta atendendo ao particular do mundo canino dominado por sons e odores.
 
Pode, e nalguns casos isso é mais do que obrigatório, quando importar equilibrar ou reequilibrar o carácter de um cão ou se pretender que outro mantenha os índices de alegria e explosão inerentes à sua prestação. O acompanhamento objectivo dos ciclos infantis caninos, intitulado e bem entendido como método da precocidade, quando conseguido, tende a reduzir e até a eliminar o recurso ao “não” por força da mecanicidade das acções que sustentam a autonomia condicionada. Por outro lado, perante cães ou cachorros naturalmente desalentados ou desleixados, vale mais o incentivo do que a correcção nua e crua. Para além das menos valias que atrás adiantámos, o uso abusivo do comando pode, na ausência de aprovação na contra-ordem, possibilitar a cessação indevida das acções caninas por terceiros, vantagem que só interessa e muito agrada aos meliantes e jocosos. 

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