O comando de “não” deverá ser sempre
um código de emergência e nunca uma “bucha” a que sempre recorremos, porque é
um comando inibitório eficaz que não deve ser banalizado, considerando a
necessidade imediata da cessação das acções caninas (instintivas, espontâneas
ou condicionadas) e a salvaguarda de pessoas e animais. E neste sentido, tanto a
obediência quanto o desempenho de um cão, podem ser avaliadas pela recorrência
ao “não”, já que um cão devidamente instruído e habilitado desnecessita da
inibição pelo concurso do treino aturado. Assim, se determinado animal precisa
de ouvir constantemente “não”, isso significa que ainda não se encontra
devidamente apetrechado ou o seu condutor não domina ainda os automatismos que
dispensam o travamento, o que de todo é condenável e não esconde a sua falta de
aplicação. O abuso sistemático do comando acabará por rebentar com o carácter,
alegria e prontidão de qualquer campeão, porque evoluirá inseguro, debaixo de temor
e dominado pela desconfiança. Os condutores mais distraídos ou desatentos
tendem a abusar do comando, porque sendo invariavelmente apanhados de surpresa,
não lhes sobra outro remédio. Cabe a quem dirige as classes evitar que isso
suceda, o que exige algum tacto e diplomacia, já que ninguém gosta de ser
apanhado em flagrante e muito menos ficar exposto à correcção. As sessões de
treino mais curtas ou espaçadas têm-se revelado um antídoto seguro contra este
fenómeno, tornando assim possível a desejável concentração e progresso de
pessoas e cães.
Ensinar este comando nunca foi fácil e
aplicá-lo atempadamente muito menos, porque tem uma entoação própria e ocasião
certa, o que irá exigir dos condutores uma voz modelada e especial atenção.
Numa sociedade dominada pelo “talvez, quem sabe”, onde até a mentira virou
inverdade e a regra é vista como prepotência, o “não” e o “sim” acabaram por
fundir-se, dando lugar ao “nim” que não é uma coisa nem outra, o que irá
afectar também o adestramento realizado pelos donos, nomeadamente no salutar
equilíbrio entre a exigência e a recompensa e entre a disciplina e a afeição,
já que a cumplicidade não dispensa a correcção e a força dum binómio reside na
unidade de propósitos (parceria). Por mais estranho que nos pareça, a maioria
das pessoas abomina o “não” e tem alguma dificuldade em dizê-lo e aplicá-lo,
particularmente junto daqueles que lhe são mais próximos e queridos,
fragilidade imediatamente absorvida pelos cães que a usarão para desobedecer,
porque são competitivos e vivem para o assalto ao poder, já que são gregários,
têm vontade própria, o treino é artificial e o escalonamento das matilhas não é
alcançado por meios gratuitos. Esta gente irá acabar por dizer um não do tipo:
“apesar de gostar, hoje não posso ir jantar contigo!”, deferência que gerará
irreverência e que levará à nulidade do comando. Diz-se por aí à boca cheia que
já não existem verdadeiros líderes e que a sociedade os tem vindo a castrar. Se
isso for verdade, o que sinceramente duvido, a quem seguiremos e como nos
seguirão os cães, já que o adestramento é para os donos uma rara ocasião para a
liderança, mesmo para aqueles que não têm natural propensão para tal. Mandarão
os cães em nós ou transfigurar-nos-emos neles? Transformar um fraco num valente
nunca foi tarefa fácil e somente o medo do castigo pode fazer surtir essa
alteração. Daí ser importante lembrar aos donos que os cães não são só
aceleração, que também necessitam de travamento, porque são irracionais e nem
sempre têm a real percepção dos perigos que os cercam. Uma coisa é certa: a
humanização dos cães sempre induziu à irracionalidade dos donos!
Se existem condutores caninos que
dificilmente sairão do “nim”, também é verdade que outros usam o “naum”, muito
embora o seu número seja reduzido, potenciando o comando verbal pelo
alongamento da projecção gutural, transformando-o em cavernoso e lembrando o
rosnar ameaçador presente nos cães. A potência e o timbre da voz, tanto nos
homens como nos animais, é de origem hereditária e uma voz potente sempre causa
alguma impressão, apreensão ou resposta. Os cães sujeitos ao “naum” nunca
apresentam dificuldades de travamento, podendo no entanto ser vítimas do seu
excesso. O ideal seria, assim como se aprende solfejo, que todos os condutores,
quando necessário e de acordo com os animais que conduzem, possuíssem as três
entoações (não, nim e naum), aplicando a primeira aos cães dominantes e
submissos, a segunda aos muito submissos e inibidos e a terceira aos muito
dominantes, já que o desacerto entre a ordem e a acção na cinotecnia pode
resultar (e normalmente também resulta) da inadequada entoação dos comandos, o
que a ninguém espanta atendendo ao particular do mundo canino dominado por sons
e odores.
Pode, e nalguns casos isso é mais do
que obrigatório, quando importar equilibrar ou reequilibrar o carácter de um
cão ou se pretender que outro mantenha os índices de alegria e explosão inerentes
à sua prestação. O acompanhamento objectivo dos ciclos infantis caninos,
intitulado e bem entendido como método da precocidade, quando conseguido, tende
a reduzir e até a eliminar o recurso ao “não” por força da mecanicidade das
acções que sustentam a autonomia condicionada. Por outro lado, perante cães ou
cachorros naturalmente desalentados ou desleixados, vale mais o incentivo do
que a correcção nua e crua. Para além das menos valias que atrás adiantámos, o
uso abusivo do comando pode, na ausência de aprovação na contra-ordem, possibilitar
a cessação indevida das acções caninas por terceiros, vantagem que só interessa
e muito agrada aos meliantes e jocosos.
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