terça-feira, 30 de outubro de 2012

O ESCONDERIJO DO CÉSAR E O HÁBITO DO LABRADOR


O relato que se segue é verídico.
- Lá vai ele outra vez! O raio do cão faz isto todos os dias e eu não sei porquê. O que espera encontrar dentro daqueles arbustos? – dizia para si mesmo um aposentado madrugador e cliente assíduo dum banco de jardim ao observar a rotina de um Labrador negro, lustroso e bem aviado de carnes, que todos os dias se empoleirava em determinado arbusto sem razão aparente. Disposto a desvendar o enigma e depois de ganhar alguma coragem, decidiu-se por interpelar o dono do animal, aquilatando primeiro da sua boa ou má catadura. Esperou que o cão repetisse a proeza e aguardou pela passagem do dono para o questionar, o que não tardou a acontecer.
Foi-lhe dito que era ali que o César tinha o seu esconderijo, um velho magala de 45 (furriel miliciano) que antes do dia raiar distribuia o pão pelos restaurantes e se disponilizava para qualquer frete, sendo recompensado com 1 ou 2 euros, garrafas vinho, pão e fruta. Como a casa do homem ainda distava do local, também para não ouvir a mulher por estar ébrio tão cedo e querer andar a seu bel-prazer, escondia naqueles arbustos tudo aquilo que recebia até chegar a hora de ir para casa. Certo dia, o Labrador descobriu o seu esconderijo movido pelo cheiro do pão e daí em diante sempre lho comia. Houve uma ocasião em que o animal surpreendeu o César junto aos seus pertences e não gostou, porque o viu mexer no pão que considerava seu. Depois disso, nunca mais “foi” com a cara do homem e sempre que o via ladrava-lhe desalmadamente.
O César morreu há meia dúzia de meses (quase com oitenta anos) e ao que parece na sua terra natal - no Cadaval, mas o cão continua à procura do pão no mesmo local, porque memória não o atraiçoa e é um animal de hábitos. Infelizmente não voltará a ver o seu esforço recompensado, as suas buscas serão para sempre infrutíferas, porque dificilmente ali voltará a haver pão. Pouco se sabe àcerca do César (ele não falava muito sobre si), apenas que esteve na tropa em Stª Margarida, foi furriel miliciano, trabalhou na cozinha do quartel e lá conheceu o temível Marechal Bernard Law Montgomery, 1º Visconde Montgomery de Alamein, o mesmo que comandou o 8º Exército Britânico no Norte de África e obrigou Erwin Rommel a retirar para o Egipto. Dizia do velho Marechal que era pedante, exibicionista e bruto e que adorava bater com o cano das espingardas no nariz dos soldados portugueses quando estes “apresentavam armas”, a pretexto de inclinarem indevidamente as armas, coisa que a todos desagradava e que por sorte não gerou qualquer conflito (os tempos eram outros), o que não era para admirar no velho Marechal de Campo, já que também não havia sido nada meigo com os irlandeses na Guerra da Independência da Irlanda (1919-1921), quando comandava as forças da Coroa no Condado de Cork. História à parte, cuidado com os hábitos indesejáveis visíveis no seu cão porque poderão constitui-se em vícios de difícil eliminação.

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