O relato que se segue é verídico.
- Lá vai ele outra vez! O raio do cão
faz isto todos os dias e eu não sei porquê. O que espera encontrar dentro
daqueles arbustos? – dizia para si mesmo um aposentado madrugador e cliente
assíduo dum banco de jardim ao observar a rotina de um Labrador negro, lustroso
e bem aviado de carnes, que todos os dias se empoleirava em determinado arbusto
sem razão aparente. Disposto a desvendar o enigma e depois de ganhar alguma coragem,
decidiu-se por interpelar o dono do animal, aquilatando primeiro da sua boa ou
má catadura. Esperou que o cão repetisse a proeza e aguardou pela passagem do
dono para o questionar, o que não tardou a acontecer.
Foi-lhe dito que era ali que o César
tinha o seu esconderijo, um velho magala de 45 (furriel miliciano) que antes do
dia raiar distribuia o pão pelos restaurantes e se disponilizava para qualquer
frete, sendo recompensado com 1 ou 2 euros, garrafas vinho, pão e fruta. Como a
casa do homem ainda distava do local, também para não ouvir a mulher por estar
ébrio tão cedo e querer andar a seu bel-prazer, escondia naqueles arbustos tudo
aquilo que recebia até chegar a hora de ir para casa. Certo dia, o Labrador
descobriu o seu esconderijo movido pelo cheiro do pão e daí em diante sempre
lho comia. Houve uma ocasião em que o animal surpreendeu o César junto aos seus
pertences e não gostou, porque o viu mexer no pão que considerava seu. Depois
disso, nunca mais “foi” com a cara do homem e sempre que o via ladrava-lhe
desalmadamente.
O César
morreu há meia dúzia de meses (quase com oitenta anos) e ao que parece na sua
terra natal - no Cadaval, mas o cão continua à procura do pão no mesmo local,
porque memória não o atraiçoa e é um animal de hábitos. Infelizmente não voltará
a ver o seu esforço recompensado, as suas buscas serão para sempre
infrutíferas, porque dificilmente ali voltará a haver pão. Pouco se sabe àcerca
do César (ele não falava muito sobre si), apenas que esteve na tropa em Stª
Margarida, foi furriel miliciano, trabalhou na cozinha do quartel e lá conheceu
o temível Marechal Bernard Law Montgomery, 1º Visconde Montgomery de Alamein, o
mesmo que comandou o 8º Exército Britânico no Norte de África e obrigou Erwin
Rommel a retirar para o Egipto. Dizia do velho Marechal que era pedante,
exibicionista e bruto e que adorava bater com o cano das espingardas no nariz
dos soldados portugueses quando estes “apresentavam armas”, a pretexto de
inclinarem indevidamente as armas, coisa que a todos desagradava e que por
sorte não gerou qualquer conflito (os tempos eram outros), o que não era para
admirar no velho Marechal de Campo, já que também não havia sido nada meigo com
os irlandeses na Guerra da Independência da Irlanda (1919-1921), quando
comandava as forças da Coroa no Condado de Cork. História à parte, cuidado com
os hábitos indesejáveis visíveis no seu cão porque poderão constitui-se em
vícios de difícil eliminação.
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