quarta-feira, 31 de março de 2010

A emboscada

Vulgarmente entende-se por emboscada uma espera para atrair alguém de improviso, no intuito de lhe armar uma cilada ou um ardil para o ofender ou agredir. Do ponto de vista militar, a emboscada é uma pequena operação ofensiva realizada de surpresa por uma força instalada contra elementos inimigos em movimento e é típica da guerra de guerrilha, muito embora possa ser operada por um corpo regular de tropas. A prática da emboscada tem entre nós outros propósitos e procura outros objectivos, destina-se aos cães de protecção civil e procura o aviso canino, porque importa evitar os ataques sem aviso e por isso mesmo imprevisíveis. E neste sentido bem que poderia ser aqui entendida como “contra-emboscada”, porque trabalhamos contra a surpresa e não buscamos o dolo de ninguém.

A manobra consiste na ocultação do binómio e na sinalização pelo cão de alguém que se aproxima ou passa. Impedido da perseguição e captura (isento da contribuição do impulso ao movimento), porque o animal se encontra devidamente atrelado, ele começará a avisar da presença de estranhos e gradualmente a maiores distâncias. Os locais escolhidos para este trabalho são geralmente isolados para não obstarem à sociabilização e facilitarem a concentração e detecção. A procura destas condições pode levar-nos ao trabalho nocturno, a locais remotos ou a áreas densamente arborizadas. E porque sempre trabalhamos para a eliminação do risco, os restantes condutores escolares transformam-se em viandantes. O alerta atempado canino é uma necessidade que traz vantagens para o cão e para o dono, porque o animal dificilmente é surpreendido e o dono ganha tempo para se precaver.

Estamos na presença da verdadeira emboscada quando a sinalização é desprezada e se procura o ataque de surpresa, coisa que abominamos por ser alheia, vil, cobarde e fratricida. A prática da emboscada deve ser estendida aos cães que ladram demais e ser por inibição usada para o seu silêncio. O recurso à emboscada solicita ao cão 4 vozes: o bufar, o latir, o ladrar e o rosnar e todas devem ser procuradas, porque são subsídios para a compreensão dos cães e do mundo à sua volta. As 3 primeiras são próprias do aviso e a última, dependendo do modo e da intensidade, tanto pode ser uma advertência como uma ameaça. Indo para além da mais-valia da comunicação interespécies, qualquer grupo somático canino pode e deve concorrer à emboscada, porque nenhum lhe é impróprio, é do agrado geral e reforça os laços binomiais, podendo ser usada para isso e estendida a todos os cachorros, porque mais vale atribuir tarefas do que sujeitarmo-nos ao disparate.

Depois de ocultados, o dono deve alertar o cão para a tarefa, convidando-o à atenção e sussurrando-lhe a ordem, debaixo da vulnerabilidade e instabilidade que provocará o aviso, coisa fácil quando isolados e entregues a si próprios. Em qualquer das fases do trabalho o “silêncio é de ouro” e o viandante evoluirá da progressão ruidosa para a mais dissimulada e menos perceptível. Quando o cão já souber ao que vai, o dono dispensa a ordem e finge-se acossado de pesado sono ou entregue à distracção. O objectivo é alcançado quando o cão sinaliza a presença do estranho a uma distância igual ou superior aos 150 metros, muito embora alguns consigam fazê-lo a distâncias muitíssimo superiores, de acordo com o seu particular e em função das condições adjacentes. A recompensa deve premiar os aprovados, especialmente as suas prestações mais ténues e muito do sucesso operacional cabe ao que representa o papel de estranho ou intruso.

A emboscada é um simulacro que intenta devolver ao cão a excelência da sua máquina sensorial, muitas vezes castrada por obrigações sociais e ambientais que lhe são alheias e nocivas, isto se a impropriedade não resultar de uma má selecção ou doutra propositada, que sendo especicista é violadora dos direitos do animal. A emboscada é uma manobra tipicamente defensiva e transforma-se em ofensiva quando se procura o indicado no 1º período do 3º parágrafo. Arregimentar os cães para a tarefa é muito fácil, predispor donos é que é difícil, porque a vida ao ar livre traz para alguns algum desconforto, incómodo, estranheza, insegurança, temor e dissabor. O aproveitamento da mais-valia canina só se justifica quando decorrente da sua resposta natural e nunca para além dos seus limites, percepção ou experiência. Os cães mais pequenos e atletas contrastam com os maiores e mais pesados, que geralmente aproveitam a tarefa para dormir uma soneca. Este foi um dos trabalhos deste fim-de-semana. Obrigado, em nome dos cães, àqueles que participaram.

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