quinta-feira, 21 de outubro de 2021

GENTE DE PAZ E CÃES DE GUERRA

 

Depois dos cruzados entre os grandes Molossos e os Pastores Alemães, animais outrora usados para segurança de habitações, de grandes propriedades agrícolas e de unidades fabris, cães por norma sem qualquer tipo de ensino, com pouca ou nenhuma interacção, invariavelmente acorrentados e enraivecidos pela prisão, sucediam-lhes na reeducação os “CÃES DOS POMBA-MANSA (1)”, animais que foram ensinados a atacar e que começavam por fazê-lo sobre os seus donos e demais membros do seu agregado familiar, a quem não reconheciam qualquer autoridade para comandar os seus destinos, fenómeno muito comum no tempo em que os cães eram ensinados por uma terceira pessoa, geralmente contratada e longe dos olhares dos donos. Com ou sem o consentimento dos proprietários dos animais e quando não desse muito trabalho, na maioria dos casos para seu próprio gozo, os contratados punham os cães a morder, ensinando depois os donos a fazê-lo, o que ordinariamente resultava num tremendo disparate, uma vez que a cessação dos ataques não era tão pronta quanto o seu lançamento. Ataque após ataque, as dificuldades aumentavam e os cães passavam a agir por modo próprio, ensurdecendo-se e revoltando-se contra o controlo dos donos, que carentes de autoridade, com pouca ou nenhuma experiência e portadores de um perfil psicológico impróprio, acabavam presas ou cobaias dos seus próprios cães, temendo pela sua vida quando debaixo do mesmo tecto – o problema persiste até aos nossos dias!

Como não se consegue impedir um psicopata de ter filhos na sociedade em que vivemos, do mesmo modo não se pode impedir que qualquer um compre indiscriminadamente um cão, bastando para isso ter dinheiro para o comprar, por mais contra-indicado que seja o animal naquele dono ao ponto de se constituir num divórcio pré-anunciado. Cães duros dificilmente se compadecem de donos inseguros e complacentes, indecisos e temerosos, gente que foge desesperadamente a qualquer tipo de confrontação, grei de paz e não de guerra, que os cães acabarão por dominar graças à sua impropriedade, excelentes companheiros que não nasceram para liderar cães agressivos ou preparados para atacar. Por alguma razão, os condutores mandatados para comandar cães assim - os profissionais - e não são todos, sempre acabarão por ser objecto de alguma selecção. Sim, caros leitores, sempre que iniciamos um processo de treino, estamos a adequar cães e donos para que se entendam e alcancem a comunhão de objectivos, pois ensinamos binómios, não donos e cães isoladamente. Debaixo deste conceito e atendendo também ao bom senso, não podemos ensinar aos cães qualquer disciplina, comando ou utilidade que esteja para além do controlo dos seus donos, o que a acontecer levará à destruição dos binómios pela inversão da liderança, dispondo-se os donos às ordens dos animais.

Como nem todos os cães servem para toda a gente e vice-versa, na hora de escolher um, mais do que trazer aquele que mais me encanta, importa escolher o que melhor se adequa ao meu feito e modo de vida, características físicas, disponibilidade e expectativas, caso contrário podemos assistir ao casamento forçado entre o insatisfeito e o infeliz, uniões que continuam a engrossar de sobremaneira as fileiras da reeducação canina. Ao longo da minha carreira fartei-me de ouvir gente a reclamar por cães de guarda que nada tinha de seu para guardar a não ser as suas maluqueiras. Concluindo, perante donos inapropriados, os seus cães não deverão ser ensinados a defender e a atacar, o que poderá ter como consequências o dolo e a morte dos donos e de terceiros. Treinador que brincar com o assunto está, ainda que levianamente, a subsidiar o crime e a produzir algozes, a potenciar um comportamento social assassino que não consegue dominar.

(1)O termo “Pomba-Mansa”, primeiro aplicado a uma estudante de medicina chamada Dulce, aplica-se entre nós aos condutores pacíficos, de bem com a vida, amantes da concórdia e avessos a conflitos, que nos procuram para alcançar cães com as mesmas características.

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