Não
foi a autonomia canina que presidiu à escolha inicial dos cães pelos homens, muito
pelo contrário, pois valeram-se dos mais novos e dóceis, subornando-os
descaradamente ao ponto de se tornarem dependentes e aceitarem o cativeiro a
troco da barriga cheia, tarefa ainda facilitada pelo seu sentimento gregário.
Actualmente, entre os treinadores de cães de utilidade, muito se fala da
necessidade da autonomia canina, agora condicionada, visando a sobrevivência dos
animais em situações extremas, para que consigam sobreviver até serem
resgatados, ocasiões em que se verão obrigados a caçar para comer por ausência
de outras fontes de alimento. Qualquer cão é capaz de correr atrás de uma
galinha ou de um coelho e matá-los, mas poucos cães matarão para comer, mesmo
nas situações mais adversas e quando impelidos pelo instinto de sobrevivência.
Os cães, enquanto animais de hábitos, têm poucos instintos e não os seguem
cegamente, o que os leva à procura da ajuda humana ao contrário da auto-suficiência
visível nos lobos.
Como
se depreende, para que um animal goze de uma verdadeira autonomia, é necessário
que seja auto-suficiente e seja capaz de matar para comer, assim como suportar
alguns dias de privação do alimento, exactamente os mesmos que os machos
suportam durante os cios das cadelas entre o proestro e o cio propriamente dito
(estro), período que normalmente tem um duração de oito dias. A instituição do
dia de jejum semanal prepara os cães para uma eventual falta de alimento, para
além de trazer outros importantes benefícios tanto para a saúde quando como
para o seu desempenho atlético. De qualquer modo, devido aos riscos que corre,
qualquer cão médio em fuga ou desaparecido com 8% do seu peso a menos e sem
reservas de gordura, pode rapidamente entrar em colapso e isso ser-lhe fatal. Do
mesmo modo, os cães destinados a provas desportivas ou sujeitos a trabalho
continuado, para quem o peso pode ser um estorvo, não deverão ser convidados
para esses esforços quando o seu peso for inferior a 91,56%
do seu peso habitual ou do indicado pelo estalão da raça.
Promover
a maior autonomia de um cão visando a sua sobrevivência requer tempo e engloba
múltiplas preparações e detalhes, porque sem a rusticidade necessária jamais
conseguirá ultrapassar satisfatoriamente os desafios colocados à sua sobrevivência,
rusticidade essa que é primeiro genética e depois potenciada pelo treino,
porque nem todas as raças caninas manipuladas pelo homem possuem esta
qualidade, estando por isso condenadas a desaparecer se lhes faltar o auxílio
humano. E nesta capacitação, penso que ninguém duvida, são os cães de raça
indefinida mais habilitados, porque não carregam os fardos da consanguinidade e
da endogamia, factores inibidores por excelência da rusticidade desejável.
Como
não há e não se consegue preparar um cão para a universalidade dos
ecossistemas, cada a um deverá ser preparado para o ecossistema particular onde
desempenhará as suas funções, depois de previamente considerada a sua adaptação,
as suas características morfológicas e carácter. A geografia do terreno, o seu
clima, a sua fauna e a sua flora são factores a considerar e a reproduzir no
treino para que não venham a causar estranheza no animal. A geografia do terreno
indicar-nos-á, entre várias coisas, o tamanho do cão a utilizar, a sua
capacidade pulmonar, a frequência dos seus ritmos vitais, o tipo de pés
indicados (de gato ou de lebre), a densidade e a côr do seu manto, e da
necessidade ou não de um cão com características anfíbias. Escusado será dizer
que o animal deverá ser portador de uma excelente máquina sensorial, porque
doutro modo, ao ser incapaz de caçar, estará condenado a morrer à míngua. Ao
ter conhecimento do terreno, e isso é uma tarefa prioritária, o cão depressa
descobrirá onde e como poderá saciar a sua sede.
Só depois de se proceder ao necessário casamento entre o cão e o ecossistema, se procederá à preparação específica do animal, adaptando-o e protegendo-o de modo a levar vantagem sobre as dificuldades que irá encontrar e que o treino obrigatoriamente reproduzirá. Apesar de não ser automático e de necessitar de maior ou menor tempo de adaptação, o cão acostumar-se-á ao terreno e às condições climatéricas que passaram a ser suas conhecidas e para as quais já arranjou defesas. Numa expedição com um cão em que se pretende que o animal seja auto-suficiente, os pensos anteriores à jornada deverão ser gradualmente alterados até se chegar à raw food, habilitando em simultâneo o animal a caçar. Cães propensos a problemas digestivos não deverão ser convidados para esforços destes ou para habilitações de sobrevivência porque correm sério risco de vida. Brevemente ministraremos cursos de sobrevivência para binómios, onde explicaremos com maior rigor o que aqui muito sintetizámos, formações destinadas a todos os interessados, quer sejam alunos desta escola ou não, desde que aprovados pela direcção desta Até lá!
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