Na minha passagem pelo mundo equestre e ao travar contacto com vários
criadores de cavalos, tanto a norte como a sul do Equador, invariavelmente,
ouvi-lhes dizer que mães ruins geram por vezes excelentes crias, referindo-se à
morfologia e à funcionalidade. Na canicultura também testemunhei casos idênticos,
não tanto do ponto de vista morfológico mas ao nível do carácter, quando do
beneficiamento entre dois cães mansos ou receosos resultaram um ou mais cães
valentes. Também pude verificar o contrário, quando do cruzamento de dois
progenitores valentes resultou uma prole maioritariamente cobarde, belicosa,
instintiva e de menor préstimo, que receosa, não hesitava a atacar por medo,
manifestando alguns indivíduos características suicidas, que comprometiam consideravelmente
o seu desenvolvimento, apreensão, bem-estar social e uso.
Depois de descobrir que a qualidade das ninhadas dependia mais das mães
do que dos pais, percebi que, ao invés de seleccionar progenitores pela
excelência do seu impulso à luta, mais importava que fossem seleccionados pelo
maior impulso ao conhecimento, visando o seu equilíbrio, desenvolvimento e
parceria, facto que me levou a resistir à venda das cadelas, que as desejava de
boa ossatura, com bom impulso ao alimento, activas e portadoras de 5 a 6 pares de tetas, mesmo que
afáveis, até porque as mais másculas, sendo por norma mães mais descuidadas,
tendiam a sujeitar os cachorros precocemente, mordendo-os inclusive antes do
desmame, condenando-os ao subdesenvolvimento e tornando-os mais submissos e
desconfiados.
Na escolha dos machos sempre segui o
mesmo critério, substituindo os de forte impulso ao poder pelos de maior
capacidade de aprendizagem, porque de outra forma a sua devolução era eminente,
particularmente depois dos cachorros atingirem a maturidade sexual, de terem
regrado os seus donos ou terem subjugado algum membro do seu agregado familiar.
Escolher cães pela excelência do impulso ao poder é transformar uma fábula num
desastre, já que o atavismo, sendo um retrocesso, tem um preço que, justificadamente,
poucos se predispõem a pagar.
Considerando os principais impulsos
herdados caninos (ao alimento, ao movimento, à defesa, à luta, ao poder e ao
conhecimento) e classificando-os de 1
a 5, depois de somadas as características dos seus
progenitores, o desejável é que os impulsos ao movimento, alimento e
conhecimento atinjam nota máxima (5) e que os restantes não excedam a nota 3,
isto no que concerne aos cães de guarda, considerando o acerto no seu uso,
porque para animais de companhia, a soma da totalidade dos impulsos não deverá
ultrapassar a nota 3, nem os impulsos ao movimento e ao conhecimento excederem
a nota 4, considerando o bem estar dos animais, isto em termos gerais, porque
cada serviço específico exigirá diferentes valores (ex: cães-guia). Ao
contrário do que à partida se julga, a natural disparidade de carácter numa
ninhada, embrião do futuro escalonamento social canino, presta-se a maior
número de clientes e deseja-se que cada um se sinta feliz com o cão que leva,
porque doutro modo bem cedo se livrará dele.
Por razões óbvias, é um tremendo erro
isentar os submissos da reprodução, imaginem uma alcateia ou uma matilha
constituída somente por “machos alfa” e “fêmeas beta”, certamente teria os dias
contados, seria destruída antes de se constituir e se todas fossem assim, toda
a espécie desapareceria. Curiosamente, por aquilo que temos visto, experimentado,
ouvido, lido e estudado, os submissos apresentam maior curiosidade e
versatilidade do que aqueles que apenas usam a força bruta, o que é de extrema
importância para autonomia condicionada que esperamos dos nossos cães, visando
a sua adaptação e utilidade. Para que nos serviria um lobo desregrado, anti-social,
instintivo, resistente à liderança, indiferente a qualquer investidura e
despegado? Talvez para ser preso à corrente, viver enjaulado ou dentro de um
cercado!
Se um cão muito-dominante poderá beneficiar ou ser beneficiado por uma cadela
submissa, no intuito de se alcançarem cachorros equilibrados, jamais nos
deveremos valer dum macho ou duma fêmea medrosos para reprodução, porque o
legado do medo tende a perpetuar-se e é de difícil solução. O cruzamento entre
dois animais muito submissos também não é desejável, porque dessa matriz sempre
resultam cachorros predispostos à chantagem emocional e dados a picardias entre
iguais, ainda que a manha no seu todo não seja de origem genética. O que
importa guardar é que dois animais submissos podem gerar filhotes dominantes, a
exemplo da multiplicação na matemática, quando dois números negativos dão um
resultado positivo, facto que fica a dever-se à sobrevivência das espécies, à
adaptação a que ela obriga e ao particular social dos cães. No entanto, visando
a homogeneidade das ninhadas, melhor servirá o beneficiamento entre um
dominante e um submisso. Oportunamente retornaremos a este assunto.
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