sábado, 24 de janeiro de 2015

SELECÇÃO DE CÃES: QUANDO (-1) X (-1) É IGUAL A 1

Na minha passagem pelo mundo equestre e ao travar contacto com vários criadores de cavalos, tanto a norte como a sul do Equador, invariavelmente, ouvi-lhes dizer que mães ruins geram por vezes excelentes crias, referindo-se à morfologia e à funcionalidade. Na canicultura também testemunhei casos idênticos, não tanto do ponto de vista morfológico mas ao nível do carácter, quando do beneficiamento entre dois cães mansos ou receosos resultaram um ou mais cães valentes. Também pude verificar o contrário, quando do cruzamento de dois progenitores valentes resultou uma prole maioritariamente cobarde, belicosa, instintiva e de menor préstimo, que receosa, não hesitava a atacar por medo, manifestando alguns indivíduos características suicidas, que comprometiam consideravelmente o seu desenvolvimento, apreensão, bem-estar social e uso.
Depois de descobrir que a qualidade das ninhadas dependia mais das mães do que dos pais, percebi que, ao invés de seleccionar progenitores pela excelência do seu impulso à luta, mais importava que fossem seleccionados pelo maior impulso ao conhecimento, visando o seu equilíbrio, desenvolvimento e parceria, facto que me levou a resistir à venda das cadelas, que as desejava de boa ossatura, com bom impulso ao alimento, activas e portadoras de 5 a 6 pares de tetas, mesmo que afáveis, até porque as mais másculas, sendo por norma mães mais descuidadas, tendiam a sujeitar os cachorros precocemente, mordendo-os inclusive antes do desmame, condenando-os ao subdesenvolvimento e tornando-os mais submissos e desconfiados.
Na escolha dos machos sempre segui o mesmo critério, substituindo os de forte impulso ao poder pelos de maior capacidade de aprendizagem, porque de outra forma a sua devolução era eminente, particularmente depois dos cachorros atingirem a maturidade sexual, de terem regrado os seus donos ou terem subjugado algum membro do seu agregado familiar. Escolher cães pela excelência do impulso ao poder é transformar uma fábula num desastre, já que o atavismo, sendo um retrocesso, tem um preço que, justificadamente, poucos se predispõem a pagar.
Considerando os principais impulsos herdados caninos (ao alimento, ao movimento, à defesa, à luta, ao poder e ao conhecimento) e classificando-os de 1 a 5, depois de somadas as características dos seus progenitores, o desejável é que os impulsos ao movimento, alimento e conhecimento atinjam nota máxima (5) e que os restantes não excedam a nota 3, isto no que concerne aos cães de guarda, considerando o acerto no seu uso, porque para animais de companhia, a soma da totalidade dos impulsos não deverá ultrapassar a nota 3, nem os impulsos ao movimento e ao conhecimento excederem a nota 4, considerando o bem estar dos animais, isto em termos gerais, porque cada serviço específico exigirá diferentes valores (ex: cães-guia). Ao contrário do que à partida se julga, a natural disparidade de carácter numa ninhada, embrião do futuro escalonamento social canino, presta-se a maior número de clientes e deseja-se que cada um se sinta feliz com o cão que leva, porque doutro modo bem cedo se livrará dele.
Por razões óbvias, é um tremendo erro isentar os submissos da reprodução, imaginem uma alcateia ou uma matilha constituída somente por “machos alfa” e “fêmeas beta”, certamente teria os dias contados, seria destruída antes de se constituir e se todas fossem assim, toda a espécie desapareceria. Curiosamente, por aquilo que temos visto, experimentado, ouvido, lido e estudado, os submissos apresentam maior curiosidade e versatilidade do que aqueles que apenas usam a força bruta, o que é de extrema importância para autonomia condicionada que esperamos dos nossos cães, visando a sua adaptação e utilidade. Para que nos serviria um lobo desregrado, anti-social, instintivo, resistente à liderança, indiferente a qualquer investidura e despegado? Talvez para ser preso à corrente, viver enjaulado ou dentro de um cercado!
Se um cão muito-dominante poderá beneficiar ou ser beneficiado por uma cadela submissa, no intuito de se alcançarem cachorros equilibrados, jamais nos deveremos valer dum macho ou duma fêmea medrosos para reprodução, porque o legado do medo tende a perpetuar-se e é de difícil solução. O cruzamento entre dois animais muito submissos também não é desejável, porque dessa matriz sempre resultam cachorros predispostos à chantagem emocional e dados a picardias entre iguais, ainda que a manha no seu todo não seja de origem genética. O que importa guardar é que dois animais submissos podem gerar filhotes dominantes, a exemplo da multiplicação na matemática, quando dois números negativos dão um resultado positivo, facto que fica a dever-se à sobrevivência das espécies, à adaptação a que ela obriga e ao particular social dos cães. No entanto, visando a homogeneidade das ninhadas, melhor servirá o beneficiamento entre um dominante e um submisso. Oportunamente retornaremos a este assunto.

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