Da boca dum ex-combatente da guerra colonial, inconformado com a postura
e expectativas da juventude actual, embevecida pelo mundo virtual, ouvimos o
seguinte desabafo em tom profético: “ Qualquer dia os chineses passam por aqui
e apanham-nos à mão, com uma chapada varrerão três e todos se agacharão como
galinhas à passagem do galo!”. Primeiro rimo-nos ao ouvir tal sentença, por ser
caricata, espontânea, incomum e provir de alguém pouco letrado, depois não lhe
achámos graça nenhuma e ficámos a matutar nela, porque grande é a inércia que
abunda nas nossas hostes mais jovens, notoriamente menos tenazes, mais
indecisas e tardias em reagir, quando comparadas com as que tiveram na sua origem.
Exemplo do que acabámos de dizer, e não estamos com isto a apelar
despudoradamente à violência, foi o sucedido com uma proprietária duma cachorra
num jardim, pessoa exercitada e filiada numa modalidade desportiva, que ao ver
dois cães adultos, grandes e furiosos em direcção à sua companheira, para além
de permanecer queda e muda, ainda imobilizou a cadelinha, ao ver-se tomada de
surpresa e sem saber o que fazer. Como resultado do ocorrido, a cachorra acabou
por ser mordida e saiu dali esburacada e a coxear. Do incidente não resultaram
maiores danos porque a dona, ao ver o animal ferido, jogou-o para dentro de um
veículo de caixa aberta e um arrumador de carros acabou por pôr os agressores em fuga. Resta dizer que
a cachorra se encontrava atrelada, que a dona temeu pela sua própria
integridade e o proprietário daqueles cães nunca apareceu.
Este
episódio verídico levanta várias questões relativas ao ensino de donos e cães,
ligados à preparação específica para estes casos e da inteira responsabilidade
das escolas caninas, que têm como dever salvaguardar os seus binómios e
prepará-los para os problemas quotidianos, tanto para os mais comuns como para
os extraordinários, adiantando-lhes procedimentos e rotinas válidos para esse
fim, já que não é garantido que todos os proprietários caninos não temam os
cães de outrem ou algumas raças em particular. Conscientes
dessa dificuldade e cientes que o pânico a ninguém serve, sempre temos
insistido na “Troca de Condutores”, estratégia escolar que os põe todos a
conduzir a totalidade dos cães em classe, os seus e os dos outros, para que a
experiência leve à familiarização e o medo seja finalmente vencido. E nisto
temos sido bem sucedidos!
Preocupados com a defesa dos binómios, nas situações em que ela se torna
imperativa, que afortunadamente são raras, depois da familiarização alcançada,
temos por hábito convidar todos os alunos para a manga ou fato de ataque,
independentemente do seu sexo ou idade, para que conheçam os ataques naturais
dos principais grupos somáticos caninos, tendo o cuidado de escolher-lhes
opositores que lhes garantam o sucesso, para que aprendam a desembaraçar-se, a
defender-se e a ripostar, para futuramente neutralizarem os ataques de que venham
a ser alvo. Convém relembrar que não estamos cá para troçar dos nossos filiados
ou lucrar com as suas menos valias, mas para os capacitar e auxiliar, até
porque, como se depreende, não são as aselhices dos alunos que justificam a
liderança escolar mas a validade das soluções por ela apontadas.
Mas como nem todos têm cães agressivos e capazes de se defenderem, o que
muito nos apraz pela diminuição dos disparates e procura doutras utilidades
caninas, caberá aos donos defendê-los nas circunstâncias em que a sua
integridade seja posta em
causa. Nestes casos, não lhes restando outra opção, até
porque a obediência é a base de todas as disciplinas cinotécnicas, o que muita
gente parece ter esquecido, omitido, adulterado ou desprezado, os donos deverão
imobilizar os seus cães e estabelecer à sua volta ou perímetro de segurança,
colocando-se na sua frente para melhor os protegerem, estabelecendo assim uma
barreira entre eles e os seus possíveis opositores, diante de surpresa e na
impossibilidade de rechaçarem atempadamente aqueles ataques. Quando os cães são
cachorros, de pequeno porte, toys ou miniatura, a melhor opção é pegá-los ao
colo, preferencialmente com o braço esquerdo, libertando o direito e as pernas
para a protecção de ambos. Esta seria a opção certa para o caso que atrás
descrevemos!
Há falta de melhor, a trela é uma arma e já o sabemos há muito. Por isso
fazemo-las agora com 2m de comprido, de entrelaçado marítimo e com um diâmetro
de 14mm (as melhores deverão ter dinema no seu interior), tendo o cuidado de as
rematar com um mosquetão de bronze cromado, com um elo de prisão de 4cm e um
comprimento de 10cm, o que aumenta substancialmente o seu peso, poder de
impacto e dissuasão. Quando os nervos nos traem e a coragem nos falta, podemos
valer-nos da trela, que nunca deverá ser usada como arma de arremesso, porque
não é um “boomerang” e depois de lançada de nada nos valerá face ao possível contra-ataque.
Para quem tem sangue frio e rara precisão, ela poderá ser usada como martelo,
espada ou chicote, caso contrário deverá ser usada em movimento circular e
rápido, o que garantirá aos binómios um diâmetro de segurança com sensivelmente
3.5m. Dependendo da ferocidade, tipo de ataque e número dos cães agressores, o
movimento circular poderá ser vertical ou oblíquo, apontando-se o fecho aos
braços dos cães menos perigosos e à cabeça dos mais furiosos ou passíveis de causar
maior dolo. Em qualquer dos casos recuar está proibido!
Visando ainda
a protecção dos donos face ao ataque de cães alheios, quando estes são
proprietários de cães guardiões, costumamos treinar a sua defesa quando se
encontram na manga como figurantes ou cobaias, soltando os seus companheiros
para que cessem o ataque do cão agressor. É óbvio que tal só deverá ser feito
com cães que juntam à prontidão dos ataques idêntica cessação. A par disto,
para os condutores mais hábeis e carenciados de tais subsídios, ensinamos
diferentes técnicas para a imobilização dos cães. A nossa preocupação com a
protecção dos binómios tem sido bem sucedida e ao longo dos anos nunca tivemos
notícia de algum ter sido ferido ou eliminado, mais, alguns binómios nossos têm
prestado socorro a muitos, vantagens que não escondem a nossa preocupação com a
formação dos condutores. Tradicionalmente uma escola de valentes, não de tontos
ou heróis, a Acendura Brava orgulha-se das suas tradições, mantendo-se irredutível
na defesa de donos e cães, o que nos leva ao agradecimento às diferentes
gerações que connosco dividiram os mesmos ideais.
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