Na peregrinação que temos empreendido pelo mundo
canino, caminhada exausta mas ao mesmo tempo revigorante, o Groenendael sempre
nos vem à memória, por ser único e tão diferente dos restantes Pastores Belgas,
um asceta que junta à ternura a valentia, um companheiro muitas vezes preterido
e mal empregue, porque é humilde, rústico e dedicado. Haverá uma idade para se
ter um Groenendael? Sim há! Muito embora se preste tanto para crianças como
para gente madura, porque é cúmplice e activo. Contudo, será melhor
compreendido, apreciado e aproveitado pelos que o tempo depurou, gente que
aprendeu a amar e a conhecer-se, que não se prende a futilidades e sabe o que
procura. E dizemos isto porque é um cão sensível, naturalmente preocupado com o
dono e ávido em o satisfazer. Se a comunicação telepática entre homens e cães
for possível, o que julgamos já ter visto, ela será facilitada pelo contributo
dum Groenendael.
Quando comparado com os seus irmãos de raça, ele é
mais seguro e menos explosivo que o Malinois, mais previsível e menos
instintivo que o Tervuren e mais solícito e menos apático que o Laekenois.
Podemos ainda compará-lo com o Pastor Alemão, para melhor o compreender e dar
conhecer, na possibilidade, para muitos mais do que certa e que aceitamos, das
duas raças terem uma origem próxima, dividida ou comum. Como as diferenças
morfológicas são evidentes, não as consideraremos aqui, apesar de muitos
ignorarem que existem pastores alemães negros e os tratarem ainda hoje como
pastores belgas, o que não deixa de ser uma afronta para os criadores duns e
doutros. Ambos aprendem sem dificuldade e rapidamente, mas o Groenendael exige
mais delicadeza e mais evolui pela afectividade do que pela mecanicidade das
acções, acusa mais o castigo e amua facilmente, porque é mais sensível e menos
autónomo que o cão alemão, o que imediatamente torna indesejável qualquer dono
colérico, bipolar ou violento, assim como métodos e pedagogias baseados na
coerção. Como o Groenendael é mais confiado do que bruto, a privação da alegria
transformá-lo-á, consoante os casos, num contestatário, num arruaceiro, num
autómato ou num zombie de quatro patas.
Trabalhar um Groenendael é uma arte, um namoro que
induzirá a uma paixão permanente, baseado em ritos que não dispensam o estudo
recíproco, a tolerância, a paciência e a entrega, aproveitando-se assim a sua
vivacidade, energia, disponibilidade e atenção, que doutro modo poderão, como
tantas vezes já vimos, levá-lo à instabilidade, ao medo ou à agressividade
desmedida, denunciados pela sua postura e expressões mímicas. No que à aptidão
para a guarda diz respeito, ao contrário de muitos pastores alemães, e cada vez
são mais, que inicialmente não dispensam a provocação, o dolo ou a fuga do
agressor, porque é observador e zeloso do dono, a sua investidura é quase
automática e dispensa maiores delongas ou preparos. No entanto, não deverá
constituir-se numa arma pronta a disparar e sem travamento, o que normalmente
acontece por incúria dos seus proprietários e treinadores, que desconsiderando
o seu particular individual, estabelecem a confusão que instala o disparate.
Verdade seja dita, a sua versatilidade é inferior à
encontrada no Pastor Alemão e resiste com mais facilidade à novidade, porque é
mais desconfiado e cedo procura o status que lhe garante a aprovação. Diante
desta dificuldade, se o seu Groenendael não se destina a qualquer tipo de
competição, durante os seus ciclos infantis e juvenis, o treino a ministrar-lhe
deverá recair sobre a obediência dinâmica em detrimento da estática, para que o
desenvolvimento físico seja acompanhado pelo cognitivo, melhorando desse modo a
sua capacidade de aprendizagem, já que a sua plasticidade é menor devido à
precocidade. Se nessa altura insistirmos ou privilegiarmos os comandos de
travamento, o cão perderá estímulo e motivação, assumirá o travamento como modo
de vida, desprezará boa parte do seu manancial genético, tornar-se-á
incaracterístico e perderá qualidade de vida, porque nasceu activo, pleno de
energia, vigilante e veloz. Há que estabelecer aqui o são equilíbrio entre as
expectativas dos donos e as necessidades biológicas dos cães.
Naturalmente bem aprumado, portador de uma biomecânica
invejável e dotado de pouco peso para o seu porte (- 22% para um Pastor Alemão
com a mesma altura), o Groenendael é um atleta de eleição, não apresentando
quaisquer restrições físicas após a consolidação do seu esqueleto. Ele é um dos
raros corredores caninos que ostenta pé-de-gato, o que lhe garante
sensivelmente a mesma celeridade em diferentes tipos de piso. Mas como nem tudo
são rosas, importa salvaguardá-lo dos excessos de valentia e alertá-lo para os
perigos, porque uma vez embalado, “vai a todas” e desconsidera o risco. A
título de curiosidade adianta-se que, ocasionalmente e agora com muito menos
frequência, do beneficiamento entre dois Groenendael podem surgir exemplares
totalmente brancos, facto que não causa estranheza a quem já criou pastores
alemães.
Terminamos dizendo que Groenendael é fiel e
incorruptível como poucos, um companheiro que derrama e exige ternura, um
valente que conserva a humildade e que sempre se prontifica para o que der e vier.
Saber apreciá-lo é um dom, comunicar com ele um prazer e conduzi-lo é alcançar
a fusão de sentimentos. O seu nome significa “pequeno vale negro” em Flamengo,
numa alusão a proximidade da floresta por onde proliferou. Foi a primeira
variedade dos pastores belgas a ser reconhecida e foi o mais popular deles até
ao advento do Malinois. Quem tem amor para dar, tem muito para receber de um
Groenendael. Triste é ter um deles e não se aperceber disso!
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