domingo, 2 de novembro de 2014

O GROENENDAEL: TERNURA E VALENTIA

Na peregrinação que temos empreendido pelo mundo canino, caminhada exausta mas ao mesmo tempo revigorante, o Groenendael sempre nos vem à memória, por ser único e tão diferente dos restantes Pastores Belgas, um asceta que junta à ternura a valentia, um companheiro muitas vezes preterido e mal empregue, porque é humilde, rústico e dedicado. Haverá uma idade para se ter um Groenendael? Sim há! Muito embora se preste tanto para crianças como para gente madura, porque é cúmplice e activo. Contudo, será melhor compreendido, apreciado e aproveitado pelos que o tempo depurou, gente que aprendeu a amar e a conhecer-se, que não se prende a futilidades e sabe o que procura. E dizemos isto porque é um cão sensível, naturalmente preocupado com o dono e ávido em o satisfazer. Se a comunicação telepática entre homens e cães for possível, o que julgamos já ter visto, ela será facilitada pelo contributo dum Groenendael.
Quando comparado com os seus irmãos de raça, ele é mais seguro e menos explosivo que o Malinois, mais previsível e menos instintivo que o Tervuren e mais solícito e menos apático que o Laekenois. Podemos ainda compará-lo com o Pastor Alemão, para melhor o compreender e dar conhecer, na possibilidade, para muitos mais do que certa e que aceitamos, das duas raças terem uma origem próxima, dividida ou comum. Como as diferenças morfológicas são evidentes, não as consideraremos aqui, apesar de muitos ignorarem que existem pastores alemães negros e os tratarem ainda hoje como pastores belgas, o que não deixa de ser uma afronta para os criadores duns e doutros. Ambos aprendem sem dificuldade e rapidamente, mas o Groenendael exige mais delicadeza e mais evolui pela afectividade do que pela mecanicidade das acções, acusa mais o castigo e amua facilmente, porque é mais sensível e menos autónomo que o cão alemão, o que imediatamente torna indesejável qualquer dono colérico, bipolar ou violento, assim como métodos e pedagogias baseados na coerção. Como o Groenendael é mais confiado do que bruto, a privação da alegria transformá-lo-á, consoante os casos, num contestatário, num arruaceiro, num autómato ou num zombie de quatro patas.
Trabalhar um Groenendael é uma arte, um namoro que induzirá a uma paixão permanente, baseado em ritos que não dispensam o estudo recíproco, a tolerância, a paciência e a entrega, aproveitando-se assim a sua vivacidade, energia, disponibilidade e atenção, que doutro modo poderão, como tantas vezes já vimos, levá-lo à instabilidade, ao medo ou à agressividade desmedida, denunciados pela sua postura e expressões mímicas. No que à aptidão para a guarda diz respeito, ao contrário de muitos pastores alemães, e cada vez são mais, que inicialmente não dispensam a provocação, o dolo ou a fuga do agressor, porque é observador e zeloso do dono, a sua investidura é quase automática e dispensa maiores delongas ou preparos. No entanto, não deverá constituir-se numa arma pronta a disparar e sem travamento, o que normalmente acontece por incúria dos seus proprietários e treinadores, que desconsiderando o seu particular individual, estabelecem a confusão que instala o disparate.
Verdade seja dita, a sua versatilidade é inferior à encontrada no Pastor Alemão e resiste com mais facilidade à novidade, porque é mais desconfiado e cedo procura o status que lhe garante a aprovação. Diante desta dificuldade, se o seu Groenendael não se destina a qualquer tipo de competição, durante os seus ciclos infantis e juvenis, o treino a ministrar-lhe deverá recair sobre a obediência dinâmica em detrimento da estática, para que o desenvolvimento físico seja acompanhado pelo cognitivo, melhorando desse modo a sua capacidade de aprendizagem, já que a sua plasticidade é menor devido à precocidade. Se nessa altura insistirmos ou privilegiarmos os comandos de travamento, o cão perderá estímulo e motivação, assumirá o travamento como modo de vida, desprezará boa parte do seu manancial genético, tornar-se-á incaracterístico e perderá qualidade de vida, porque nasceu activo, pleno de energia, vigilante e veloz. Há que estabelecer aqui o são equilíbrio entre as expectativas dos donos e as necessidades biológicas dos cães.
Naturalmente bem aprumado, portador de uma biomecânica invejável e dotado de pouco peso para o seu porte (- 22% para um Pastor Alemão com a mesma altura), o Groenendael é um atleta de eleição, não apresentando quaisquer restrições físicas após a consolidação do seu esqueleto. Ele é um dos raros corredores caninos que ostenta pé-de-gato, o que lhe garante sensivelmente a mesma celeridade em diferentes tipos de piso. Mas como nem tudo são rosas, importa salvaguardá-lo dos excessos de valentia e alertá-lo para os perigos, porque uma vez embalado, “vai a todas” e desconsidera o risco. A título de curiosidade adianta-se que, ocasionalmente e agora com muito menos frequência, do beneficiamento entre dois Groenendael podem surgir exemplares totalmente brancos, facto que não causa estranheza a quem já criou pastores alemães.
Terminamos dizendo que Groenendael é fiel e incorruptível como poucos, um companheiro que derrama e exige ternura, um valente que conserva a humildade e que sempre se prontifica para o que der e vier. Saber apreciá-lo é um dom, comunicar com ele um prazer e conduzi-lo é alcançar a fusão de sentimentos. O seu nome significa “pequeno vale negro” em Flamengo, numa alusão a proximidade da floresta por onde proliferou. Foi a primeira variedade dos pastores belgas a ser reconhecida e foi o mais popular deles até ao advento do Malinois. Quem tem amor para dar, tem muito para receber de um Groenendael. Triste é ter um deles e não se aperceber disso!

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