sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O CÃO: THE GREAT PRETENDER

O cão é um fingidor por excelência e alguns são mestres nessa arte, o que a ninguém espanta, porque é um predador, vive em constante observação e é objecto dos nossos afectos. Os cães mais acarinhados bem depressa aprendem a ser manhosos, particularmente quando os seus donos são de filosofia antropomórfica, não os contrariam e correm a fazer-lhes todas as vontades. Temos reparado, sem causa de espanto, que os cães com maior capacidade de aprendizagem ou os portadores de um forte impulso ao conhecimento, são os que mais depressa aprendem a ludibriar os seus donos, gorando os seus intentos e conseguindo até mandar neles, como se ao especicismo sucedesse naturalmente o servilismo dos donos.
Diante dos nossos olhos, nesta matéria, temos visto de tudo um pouco, cães a fingirem-se doentes, coxeando ou indiciando otites, a fazerem-se de desentendidos, surdos ou a dormitar, a responderem aos donos para não os ouvirem, acometidos de falsas necessidades fisiológicas para não trabalharem, a deitarem-se de barriga para o ar para não serem incomodados, a atacarem sem ordem e quando menos se espera e daí por aí adiante (o rosário é infindável!). Coube-nos um dos cães mais manhosos que conhecemos, um pastor alemão que tinha que ser enganado antes que nos enganasse, que por força das circunstâncias, se tornou herói da televisão, um camarada único que contrabalançou as alegrias que nos deu com os anos de vida que nos tirou, porque adivinhando o trabalho, jamais o faria, o que tornava impossível qualquer ensaio, muito embora acertasse à primeira e suplantasse a maioria dos pastores que já treinámos.
Bem estaríamos todos, se as manhas caninas se reduzissem à falta de empenho ou ao desprezo pelo trabalho, porque elas vão para além disso e nalguns casos podem até ser letais. E se a despesa sair só aos donos, já virá mal que chegue ao mundo. Na nossa passagem pela reeducação canina, trabalho gratificante que tantas lições nos deu e que por isso mesmo, deveria fazer parte do currículo de qualquer adestrador, encontrámos cães que tudo fizeram para nos eliminar, usando dos mais variados truques para o conseguir. Uns viravam-se para a parede quando os chamávamos e quando os tentávamos pegar caíam-nos em cima, outros pediam-nos festas e tentavam agredir-nos depois. E quem pensar que trabalhos destes são típicos de cães grandes, engana-se redondamente, porque o pior ferimento que sofremos foi obra de um velho Teckel de pêlo cerdoso. Fartámo-nos de encontrar cães que pareciam nem partir um prato mas que, de um momento para o outro, eram capazes de estoirar toda a cristaleira.
Como todos sabemos, a manha canina não tem uma origem genética, é produto ambiental e resultado duma convivência desregrada, que os cães aproveitam para poderem dominar. Existe uma correspondência entre donos inactivos e cães manhosos, entre donos demasiado tolerantes e cães irascíveis. O melhor combate para a manha e para destronar os fingidores é dar-lhes trabalho, recompensá-los quando procedem certo e repreendê-los quando desobedecem. A idade e a obesidade contribuem para o aumento e perpetuação das várias manhas caninas, assim como a ausência de uma liderança efectiva e inquestionável. Apesar de todos os cães poderem ser fingidores, porque o fenómeno não depende só deles, existem raças mais propensas para isso, aquelas cujos criadores alertam os futuros proprietários para a necessidade de experiência e disciplina. A mestiçagem entre lupinos e molossos, os chamados “molossos alupinados”, gera grande número de cães manhosos, notoriamente fingidores e de grande maldade, porque junta à força bruta dos primeiros a instabilidade dos segundos. Quem se encanta com a manha de um cão, depressa se desencantará, porque quando menos esperar, estará a falar para o boneco, o que levanta a seguinte questão: será o adestramento só para os cães? 

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