O facto
histórico que vamos aqui narrar, uma americanice condenada ao fiasco e até há
bem pouco tempo guardada em segredo, aconteceu na “Cat Island”, uma ilha em
forma de “T”, na foz do Mississípi e defronte para o Golfo do México, nas
chamadas ilhas barreiras. A particularidade do seu clima tropical,
extraordinariamente quente e húmido, presidiu à sua escolha, por ser semelhante
ao encontrado nas ilhas do Pacífico, então ocupadas pelo Exército Imperial
Japonês. Estamos em plena II Guerra
Mundial e os Estados Unidos ponderam várias formas para invadir o Japão, de
modo a evitar um banho de sangue, já que os soldados japoneses lutariam até ao
último homem pela defesa do seu território. Como é sabido, a opção adoptada foi
a do lançamento de duas bombas atómicas, uma sobre Hiroshima e outra sobre
Nagasaki, ocorridos respectivamente a 6 e 9 de Agosto de 1945.
No meio disto tudo aparece um refugiado suíço, a viver nos Estados
Unidos, de nome William A. Prestre, de quem pouco ou nada se sabe, com uma
proposta tentadora, que foi considerada e levada a cabo na ilha que atrás
mencionámos, um plano para invadir as ilhas japonesas com cães, certo que os
animais seriam capazes de diferenciar os soldados japoneses pela aparência e pela
diferença de odor, arrancando-os dos seus bunkers, casamatas, trincheiras e
abrigos. O adestramento desses cães começou em Novembro de 1942 e terminou a 02
de Fevereiro de 1943, altura em que o plano foi abandonado, após o fracasso das
duas demonstrações consentidas ao visionário suíço pelos responsáveis do
Exército Norte-americano. Nunca mais se soube nada dele, partiu sem deixar
rasto.
Para o
efeito foram aproveitados cães oriundos da requisição civil e recrutados em
segredo 25 soldados nipo-americanos. Como os cães ali chegados não obedeceram a
nenhuma pré-selecção, acabaram por ser ali testados, seleccionados e treinados,
sendo os excluídos aproveitados para outros serviços e especialidades. Sem
saberem ao que iam, coube aos soldados nipo-americanos, vestidos com fardas
japonesas, o papel de cobaias ou mais objectivamente de iscas humanas. Estes
homens passavam metade dos dias a lutar e a ser mordidos, a esconder-se e a ser
perseguidos pelos cães. Depois disso, abandonavam o local dos simulacros e iam
para uma embarcação que se encontrava ao largo daquela ilha, curar as lesões e
pescar. O que sabemos hoje acerca deste plano bizarro e adestramento sui generis, deve-se,
em primeiro lugar, ao testemunho de um dos soldados nipo-americanos que nele
participou: Ray Nosaka, na foto abaixo, debaixo dum nevão e instalado no Camp
McCoy, antes de ser recrutado para a Cat Island.
Apesar do
mal sucedido helvético ter dito que conseguiria treinar 30.000 cães para formar
uma equipa de assalto às ilhas japonesas, apenas 400 manifestaram parcialmente
alguma propensão para isso e a maioria deles viria a ser transformada em cães
transportadores de pombos-correios, cães-pisteiros e de patrulha, havendo
outros que acabaram especializados na detecção de minas e outros usados como
cães-bomba. Porque falhou o Plano do Sr. William Prestre? Não conseguiriam os
cães diferenciar os japoneses pelo odor? Na teoria, o plano tinha tudo para dar
certo mas na prática seria impossível, porque debaixo das explosões, do
ribombar das armas pesadas, do fogo da metralha, do odor a pólvora e da
movimentação evasiva dos soldados de ambos os lados, tanto na frente como na
retaguarda, seria muito difícil identificar as presas certas. Por outro lado, avançando-se
a hipótese dos cães funcionarem como guarda avançada ou tropa de assalto,
trabalhando isoladamente com os soldados nipónicos acoitados em “ninhos de
atiradores” ou em bunkers, ainda que os detectassem, faltar-lhes-ia estímulo para
os atacarem e facilmente acabariam eliminados, por ausência de provocação,
interferência da matilha animal e omissão da liderança.
É evidente
que qualquer cão pode ser utilizado para dar caça a uma raça humana em
particular e que isso acontece maioritariamente pelo odor (o nariz dos cães
funciona como um verdadeiro extractor de odores), tarefa facilitada se esses
indivíduos tiverem um comportamento padrão diante de determinadas
circunstâncias, do conhecimento prévio dos cães, entendido por eles como
provocação e objecto de treino aturado, desde que as presas a capturar se
diferenciem e se encontrem em minoria, constituídas em alvo perecível e
perfeitamente identificável. E isso aconteceu em quase todas as guerras. Estamos
em crer, inclusive, que a “erudição de Prestre” teve como fundamento os experimentos
ocorridos na I Grande Guerra (1914-1918).
Hoje Cat
Island é uma reserva natural de eleição e um destino turístico para os biólogos
e amantes da natureza. Das estruturas que serviram de base ao “plano de invasão
canino do Japão” pouco ou nada sobrou, especialmente depois da passagem de
sucessivos tornados. Fica para a história o sonho de um suíço mais louco do que
excêntrico, de um adestrador civil a quem, em má hora, os militares americanos deram
ouvidos, quando lhes fez crer que sucessivas vagas isoladas de galgos,
cães-lobos e dogs alemães, seriam capazes de levar de vencida a infantaria
entrincheirada do Exército Imperial Japonês. Tudo isto parece tirado da ficção
mas aconteceu numa ilha do Mississípi, quando importava poupar vidas humanas.
Os verdadeiros heróis da história foram os soldados nipo-americanos, primeiro
oriundos dos campos de internamento que, para provarem o seu patriotismo, se
sujeitaram aos caprichos dos homens e aos mimos daqueles cães.
Sem comentários:
Enviar um comentário