domingo, 2 de novembro de 2014

MEIO POR MEIO E CALDO ENTORNADO!

Vamos lá falar de Terriers, ainda que sucintamente, dos grandes e dos pequenos, do seu particular e legado genético, originalmente caçadores e cães para a matança, de acordo com os propósitos dos seus criadores-fundadores. O termo “terrier”, que se julga oriundo do francês e advindo do substantivo latino “terra”, aplica-se a um grupo de raças caninas, primeiro desenvolvidas nas Ilhas Britânicas, caçadoras, corajosas, resistentes, com personalidade vincada, energéticas e de natureza mais ou menos agressiva, geralmente constituídas por pequenos animais destinados a caçar ratos, martas, coelhos, lontras e raposas dentro das suas tocas ou covis (no subsolo). O maior dos terriers é o Terrier Russo Negro de quem falámos na edição anterior, descendente directo do Airedale Terrier, então o maior cão deste grupo. O mais pequeno de todos é o Yorkshire Terrier, de origem escocesa e que veio a proliferar em Inglaterra graças à Revolução Industrial. Consta-se que o tamanho dos primeiros terriers se encontra ligado a uma lei inglesa, lavrada no Sec XI, que não permitia aos servos e aos trabalhadores manterem cães com uma altura superior a 7 polegadas (17. 78cm), já que os servos não tinham direito a caçar para a sua subsistência. A conferência da altura dos cães era feita pelos guardas das florestas reais, pela passagem de todos eles por um aro metálico com a medida atrás mencionada. De qualquer modo, a selecção propriamente dita dos terriers, virá só a acontecer no Sec.XIX.
A exemplo do Yorkshire, a maioria dos terriers actuais sofreu profundas alterações para se transformarem em animais de companhia, como são os casos do Bull Terrier, do Cairn Terrier e do West Higland White Terrier, entre outros. O Terrier Alemão de caça (Deutscher Jagdterrier), resultante do cruzamento com cães ingleses de toca e que é um regresso ao ancestral terrier inglês de pêlo duro, mantém inalteráveis as características originais dos terriers, ao ponto de muitos o considerarem malvado, por ser extremamente combativo,  impetuoso e ser notoriamente agressivo. Como se depreende, ele não pode se entendido como um animal de companhia. Essencialmente caçador, apesar das suas reduzidas dimensões (40cm e de 9 a 10Kg), ele enfrenta com a mesma disposição e sucesso, tanto animais de toca como javalis, gamos e raposas. Segundo alguns especialistas, também o Dobermann recebeu infusão de sangue terrier, particularmente dum muito comum na Alemanha do Sec.XIX: o Terrier Preto-fogo, que ao afiná-lo, libertou-o da morfologia tosca que tinha até então.
 É chegada a altura de falarmos de um terrier muito especial: o Kerry Blue Terrier, uma raça originária da Irlanda e ali reconhecida desde 1922. Apesar de maioritariamente usada para caçar ratos e à toca, ela prestou-se também ao pastoreio de gado bovino e ovino, fornecendo ainda guardiões de pessoas e bens. Hoje o Kerry Blue transformou-se num animal de exposição e companhia, apesar de conservar quase intactas as características visíveis em todos os terriers, o que infelizmente tem votado alguns dos seus exemplares às arenas de luta, animais decididamente em más mãos, a despeito da sua altura e envergadura (de 44 a 50cm e de 15 a 18kg). O que torna este cão especial, e entre os terriers é caso único, é o facto de nascer negro e assim permanecer até aos 2 anos de idade, altura em que muda de cor e passa a ser cinzento (azul).
Deixemos a Irlanda e voltemo-nos para Inglaterra. Pondo de parte as curiosidades, é hora de nos debruçarmos sobre o “caldo entornado”, da infusão de sangue terrier nalgumas raças caninas actuais, com propósitos nem sempre louváveis e que têm contribuído de sobremaneira para o holocausto dos cães, ao rotulá-los de perigosos e sujeitá-los à morte. Proibido o “Bull Baiting” pelo Parlamento Inglês no ano de 1835, que ao tempo era considerado um desporto e que consistia no combate entre toiros e bulldogs, os criadores caninos que apreciavam a violência daqueles combates sangrentos, apostaram na luta de cães, valendo-se primeiro do bulldog e misturando-lhe depois sangue terrier, alcançaram os “Half and Half” (meio por meio) e os Pit Dogs ou Bull and Terriers, cães de pequeno porte, lutadores até à morte, que juntavam à elevada força física maior agilidade, sendo portadores de grande bravura, maior tolerância à dor e grande afeição pelos seus proprietários. Estes cães foram ainda utilizados para matar ratos, cujas pragas eram comuns naquela época. Posteriormente chegaram aos Estados Unidos, onde executaram funções de guarda e pastoreio, para além de serem usados como cães de briga e de terem sido solicitados para a caça grossa. Em 1898, os cães do tipo físico “Bull and Terrier” ou “Half and Half”, foram ali reconhecidos pelo UKC e designados como “American Pit Bull Terriers”. Com o decorrer do tempo, os “Bull Terriers” diferenciaram-se e deram origem ao “Staffordshire Bull Terrier”, ao “Bull Terrier”, ao Irish Staffordshire Bull Terrier” e ao “Pit Bull”, não alçando este último um padrão de estética, sendo apenas diferenciado pelo seu temperamento.
Diante deste panorama, é preciso não ter vergonha na cara ou ter a memória curta, quando os nossos aliados da “Velha Albion” nos acusam de crueldade por causa das touradas. E como as conversas são como as cerejas, uma puxa pela outra, vale a pena falar do “Airedale Terrier”, uma raça oriunda do Reino Unido, a maior dos terriers até ter contribuído para o aparecimento do “Terrier Negro Russo”, que devido ao seu tamanho, se tornou imprópria para caçar no subsolo, merecendo o “Airedale” o título de “Rei dos Terriers”. Criada a partir dos cruzamentos entre o “Old English Broken-Haired” e o “Cão de Lontra”, a raça foi primeiro designada por de “Water Side Terrier”. Não obstante ser teimoso, de difícil sociabilização e dado a brigas, características que o tornaram pouco popular como cão de companhia, o “Airedale” tem vindo a ser usado como cão de guarda e de polícia, graças à sua versatilidade e coragem, altura e envergadura, medindo entre os 58 e os 61cm e podendo chegar aos 23kg de peso. Agora todos podemos compreender porque razão os russos optaram pela cor negra e o misturaram com  o “Terra Nova” e os “Cães de Água Moscovitas” para a obtenção do seu super-soldado canino -  o “Terrier Negro Russo”. Não fora assim, como o controlariam?
Subtraindo as variedades manifestamente mais violentas, para o bem geral e desgosto de uns quantos, os terriers têm vindo a ser amansados gradualmente e seleccionados pelos mais dóceis, para que alcancem o estatuto de animais de companhia e com isso tenham mais procura. Não obstante, um terrier, por mais pequeno que seja, quando levado da breca, pode fazer muitos estragos ou provocar grandes desacatos, graças à excepção ou a algum resquício atávico. E uma coisa é certa: quanto mais terrier, mais difícil de treinar do modo convencional, já que é mais rico em instintos do que em personalidade. Contudo, ele pode ser um melhorador de raças e tem vindo a ser usado para isso, quando associado a cães manifestamente territoriais, com melhor ligação aos donos e com superior capacidade de aprendizagem.

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