Vamos lá falar de Terriers, ainda que sucintamente, dos grandes e dos pequenos, do seu particular e legado genético, originalmente caçadores e cães para a matança, de acordo com os propósitos dos seus criadores-fundadores. O termo “terrier”, que se julga oriundo do francês e advindo do substantivo latino “terra”, aplica-se a um grupo de raças caninas, primeiro desenvolvidas nas Ilhas Britânicas, caçadoras, corajosas, resistentes, com personalidade vincada, energéticas e de natureza mais ou menos agressiva, geralmente constituídas por pequenos animais destinados a caçar ratos, martas, coelhos, lontras e raposas dentro das suas tocas ou covis (no subsolo). O maior dos terriers é o Terrier Russo Negro de quem falámos na edição anterior, descendente directo do Airedale Terrier, então o maior cão deste grupo. O mais pequeno de todos é o Yorkshire Terrier, de origem escocesa e que veio a proliferar em Inglaterra graças à Revolução Industrial. Consta-se que o tamanho dos primeiros terriers se encontra ligado a uma lei inglesa, lavrada no Sec XI, que não permitia aos servos e aos trabalhadores manterem cães com uma altura superior a 7 polegadas (17. 78cm), já que os servos não tinham direito a caçar para a sua subsistência. A conferência da altura dos cães era feita pelos guardas das florestas reais, pela passagem de todos eles por um aro metálico com a medida atrás mencionada. De qualquer modo, a selecção propriamente dita dos terriers, virá só a acontecer no Sec.XIX.
A exemplo do Yorkshire, a maioria dos terriers actuais sofreu profundas
alterações para se transformarem em animais de companhia, como são os casos do
Bull Terrier, do Cairn Terrier e do West Higland White Terrier, entre outros. O
Terrier Alemão de caça (Deutscher Jagdterrier), resultante do cruzamento com cães
ingleses de toca e que é um regresso ao ancestral terrier inglês de pêlo duro,
mantém inalteráveis as características originais dos terriers, ao ponto de
muitos o considerarem malvado, por ser extremamente combativo, impetuoso e ser notoriamente agressivo. Como
se depreende, ele não pode se entendido como um animal de companhia. Essencialmente
caçador, apesar das suas reduzidas dimensões (40cm e de 9 a 10Kg), ele enfrenta com a
mesma disposição e sucesso, tanto animais de toca como javalis, gamos e
raposas. Segundo alguns especialistas, também o Dobermann recebeu infusão de
sangue terrier, particularmente dum muito comum na Alemanha do Sec.XIX: o
Terrier Preto-fogo, que ao afiná-lo, libertou-o da morfologia tosca que tinha
até então.
É chegada a altura de falarmos de um terrier muito especial: o Kerry
Blue Terrier, uma raça originária da Irlanda e ali reconhecida desde 1922.
Apesar de maioritariamente usada para caçar ratos e à toca, ela prestou-se
também ao pastoreio de gado bovino e ovino, fornecendo ainda guardiões de
pessoas e bens. Hoje o Kerry Blue transformou-se num animal de exposição e
companhia, apesar de conservar quase intactas as características visíveis em
todos os terriers, o que infelizmente tem votado alguns dos seus exemplares às
arenas de luta, animais decididamente em más mãos, a despeito da sua altura e
envergadura (de 44 a
50cm e de 15 a
18kg). O que torna este cão especial, e entre os terriers é caso único, é o
facto de nascer negro e assim permanecer até aos 2 anos de idade, altura em que
muda de cor e passa a ser cinzento (azul).
Deixemos a Irlanda e voltemo-nos para Inglaterra. Pondo de parte as
curiosidades, é hora de nos debruçarmos sobre o “caldo entornado”, da infusão
de sangue terrier nalgumas raças caninas actuais, com propósitos nem sempre
louváveis e que têm contribuído de sobremaneira para o holocausto dos cães, ao
rotulá-los de perigosos e sujeitá-los à morte. Proibido o “Bull Baiting” pelo
Parlamento Inglês no ano de 1835, que ao tempo era considerado um desporto e
que consistia no combate entre toiros e bulldogs, os criadores caninos que
apreciavam a violência daqueles combates sangrentos, apostaram na luta de cães,
valendo-se primeiro do bulldog e misturando-lhe depois sangue terrier, alcançaram
os “Half and Half” (meio por meio) e os Pit Dogs ou Bull and Terriers, cães de
pequeno porte, lutadores até à morte, que juntavam à elevada força física maior
agilidade, sendo portadores de grande bravura, maior tolerância à dor e grande
afeição pelos seus proprietários. Estes cães foram ainda utilizados para matar
ratos, cujas pragas eram comuns naquela época. Posteriormente chegaram aos
Estados Unidos, onde executaram funções de guarda e pastoreio, para além de
serem usados como cães de briga e de terem sido solicitados para a caça grossa.
Em 1898, os cães do tipo físico “Bull and Terrier” ou “Half and Half”, foram
ali reconhecidos pelo UKC e designados como “American Pit Bull Terriers”. Com o
decorrer do tempo, os “Bull Terriers” diferenciaram-se e deram origem ao
“Staffordshire Bull Terrier”, ao “Bull Terrier”, ao Irish Staffordshire Bull
Terrier” e ao “Pit Bull”, não alçando este último um padrão de estética, sendo
apenas diferenciado pelo seu temperamento.
Diante
deste panorama, é preciso não ter vergonha na cara ou ter a memória curta,
quando os nossos aliados da “Velha Albion” nos acusam de crueldade por causa
das touradas. E como as conversas são como as cerejas, uma puxa pela outra,
vale a pena falar do “Airedale Terrier”, uma raça oriunda do Reino Unido, a maior
dos terriers até ter contribuído para o aparecimento do “Terrier Negro Russo”,
que devido ao seu tamanho, se tornou imprópria para caçar no subsolo, merecendo
o “Airedale” o título de “Rei dos Terriers”. Criada a partir dos cruzamentos
entre o “Old English Broken-Haired” e o “Cão de Lontra”, a raça foi primeiro
designada por de “Water Side Terrier”. Não obstante ser teimoso, de difícil
sociabilização e dado a brigas, características que o tornaram pouco popular
como cão de companhia, o “Airedale” tem vindo a ser usado como cão de guarda e
de polícia, graças à sua versatilidade e coragem, altura e envergadura, medindo
entre os 58 e os 61cm e podendo chegar aos 23kg de peso. Agora todos podemos
compreender porque razão os russos optaram pela cor negra e o misturaram com o “Terra Nova” e os “Cães de Água Moscovitas”
para a obtenção do seu super-soldado canino -
o “Terrier Negro Russo”. Não fora assim, como o controlariam?
Subtraindo
as variedades manifestamente mais violentas, para o bem geral e desgosto de uns
quantos, os terriers têm vindo a ser amansados gradualmente e seleccionados
pelos mais dóceis, para que alcancem o estatuto de animais de companhia e com
isso tenham mais procura. Não obstante, um terrier, por mais pequeno que seja,
quando levado da breca, pode fazer muitos estragos ou provocar grandes
desacatos, graças à excepção ou a algum resquício atávico. E uma coisa é certa:
quanto mais terrier, mais difícil de treinar do modo convencional, já que é mais rico em instintos
do que em
personalidade. Contudo , ele pode ser um melhorador de raças e
tem vindo a ser usado para isso, quando associado a cães manifestamente
territoriais, com melhor ligação aos donos e com superior capacidade de
aprendizagem.
Sem comentários:
Enviar um comentário