Quem anda nos cães há algum tempo sabe que os
Pastores Alemães acima dos 68cm ou são muito bons ou muito maus, excepcionais
ou de fraco préstimo, sendo mais comum o segundo caso diante dos aspectos
morfológico, psicológico e funcional, considerando os problemas inerentes ao
gigantismo (pernaltismo, excesso de peso, panosteíte, displasia, desaprumos,
perca de prontidão, desinteresse, instabilidade psíquica, dificuldades
locomotoras, alteração do andamento preferencial, etc.). Não obstante, e disto
não nos excluímos nós também, qualquer criador de cães de trabalho, depois de
desvendar os segredos da raça, tentará “fazer” um cão maior, mais robusto, mais
fiável e menos nervoso, que no passado já existiu, sem perder a capacidade de
aprendizagem, a graciosidade de andamentos e a polivalência que sempre
caracterizou a raça: um super-cão, à imitação do super-soldado há muito
procurado e ao que sucede na indústria automobilística, onde os modernos jipes alemães
juntam à força a velocidade e a capacidade de manobra dos carros ligeiros.
Inebriada pelo mesmo sonho, rendida aos Pastores
Alemães de outrora, que conheceu na sua infância, nas montanhas da Alemanha,
bons cães familiares, extraordinariamente inteligentes, equilibrados, robustos
e grandes, a Sr.ª Tina Barber decidiu recriá-los nos Estados Unidos da América,
na década de 60 do século passado, valendo-se de linhas europeias de origem
alemã, norte-americanas e canadianas do CPA, estas últimas oriundas das linhas
inglesas que descendiam directamente das teutónicas da primeira metade do
século XX e que se fizeram presentes nos dois grandes conflitos mundiais dessa
época, onde granjearam fama nas múltiplas funções militares que desempenharam.
Esta “nova” raça, ainda não reconhecida pela FCI, ganhou o nome de Shiloh
Shepherd Dog (Pastor de Siloh) por apego pessoal da sua criadora a uma promessa
bíblica. Nos anos 80, no intuito de reduzir a angulação pélvica, aumentar a
ossatura e minorar diversos problemas genéticos, típicos no CPA, optou-se por
acrescentar à raça um pequeno percentual de sangue de Malamute do Alasca,
descendendo o actual Shiloh Shepherd também dele, o que nos pareceu uma medida
acertada, uma vez que os pastores maiores, quando cruzados entre si, ou perdem
algumas características lupinas ou enveredam pelo pernaltismo, menos valias que
obstam à sua prontidão, versatilidade, resistência e capacidade de marcha.
Esta
pequena adição de sangue do Malamute do Alasca, para além de melhor
caracterizar a raça, porque a beneficiou, aumentou-lhe funções e estendeu-lhe
novas atribuições, tornando-a também própria para o reboque de trenós, para o
carregamento de acessórios e para o salvamento a longas distâncias, tanto
dentro como fora de água, sem contudo perder a territorialidade que lhe garante
a guarda de pessoas e rebanhos, coisa difícil de acontecer se o percentual de
sangue Malamute fosse mais alto. Por outro lado, para além do aumento da
robustez, de uma melhor caracterização e de maior resistência às intempéries, o
cão do Alasca ainda contribui para um melhor equilíbrio de carácter, tornando o
de Pastor Siloh mais sociável, auto-confiante e menos sujeito a provocações, o
que o vem tornando próprio para o convívio com crianças e idosos, desenvolvendo
a partir do CPA uma capacidade superior de aprendizagem e uma valentia pouco
vistas. Dócil de trato e de coração generoso, pode vir a constituir-se num
excelente cão de terapia. Em simultâneo, porque é também corajoso, ele é capaz
de dar a sua vida para que a dos seus não se extinga, o que o capacita como
guardião.
Tina Barber, os seus descendentes e seguidores
abraçaram um tarefa hercúlea ao formar o Shiloh Shepherd, porque de imediato se
viram a braços com as diferentes displasias e com a panosteíte, afinal tão
comuns nos cães maiores ou gigantes, o que em nada abona em favor da raça,
constituindo-se inclusive no pior dos seus flagelos. Recentemente foi levado a
cabo um programa exaustivo e detalhado que muito reduziu a incidência da
displasia da anca e do cotovelo. Os últimos dados que nos chegaram indicam que
o percentual de displasia atinge os 8,3% dos indivíduos e que esse valor tende
à redução, o que não deixa de ser uma óptima notícia. Más notícias são as
dissensões entre os criadores da raça, difíceis de acordar quanto à sua evolução,
que com isso tardam o seu reconhecimento pela FCI. Ainda que a displasia venha
a ser irradiada, sobra ainda a panosteíte na fase de crescimento, os problemas
de inchaço e torção, a síndrome do supercrescimento bacteriano do intestino
delgado e a insuficiência pancreática exócrina, heranças maioritariamente
transmitidas pelo CPA e das quais não temos valores estatísticos. Estas
incapacidades ou insuficiências, para quem já criou Pastores Alemães, apesar de
indesejáveis e fruto da endogamia que vem vitimando o cão alemão, não são
motivo para alarme e podem ser suavizadas ou ultrapassadas pelo concurso aos
veterinários. Estamos em crer que a breve trecho serão também eliminadas no
Pastor de Shiloh, já que nem todos padecem desses males.
Quanto mais conhecemos sobre o que disse e fez
saber Tina Barber, mais lhe enaltecemos os seus propósitos na criação desta
raça, porque pôs o dedo na ferida e quis sará-la, demonstrando ao mesmo tempo
um algum conhecimento do CPA (mais por observação do que pela experiência),
criando uma via alternativa para a salvaguarda dos Pastores Alemães do passado,
conservando no Shiloh Shepherd a sua ancestral capacidade de aprendizagem e
robustez há muito desaparecidas, conseguindo com isso eliminar os tremeliques
visíveis nos CPA’s contemporâneos, demasiado nervosos, sensíveis, instáveis,
imprevisíveis e irritadiços, lembrando os seus primos belgas que grassam agora
por toda a parte. A via criada por Tina Barber não é única para o mesmo
propósito, porque o cruzamento do CPA com cães orientais tem-se revelado também
excelente, nomeadamente os híbridos CPA X Chow-.Chow, opção que experimentámos
e da qual alcançámos excelentes resultados, como foi o caso do Afonso, mais
conhecido na Acendura como o “Cão Computador”, que juntava à extraordinária
capacidade de aprendizagem um carácter impoluto e incorruptível,
características que lhe garantiam uma funcionalidade e autonomia notáveis.
Sobre esta temática vale a pena ler o que Konrad Lorenz fez saber acerca dos
seus experimentos.
Mas tornemos ao Pastor de Shiloh, um cão
rectangular com dois tipos de pelagem (curta e comprida), uniforme ou bicolor,
com uma grande variedade de cores e combinações, que lhe irão possibilitar a
prestação e a sua camuflagem em qualquer ponto do globo, ecossistema e
amplitude térmica (desde que escolhido de acordo), capaz de efectuar resgates e
salvamentos em águas mais frias, onde outros não se sentirão tão à vontade, um
exímio, resistente e rápido marchador que pode ser também usado como cão de
tracção ou de carga, graças à sua envergadura e peso (os machos pesam entre 54
e 65kg e as fêmeas entre 45.5 e 54.5kg, aceitando-se para os primeiros o peso
mínimo de 50.skg e para as últimas 36kg). A altura nos machos oscila entre 71 e
76cm e nas fêmeas entre 66 e 71cm, subsistindo ainda alguns indivíduos
notoriamente mais altos em ambos os sexos na mesma proporção ou desproporção
que a encontrada no Pastor Alemão (entre +15 e +23%). Ao momento, as diferenças
entre os estalões das duas raças não são muitos significativas, diferindo
essencialmente no comportamento, tamanho e envergadura, porque o Shiloh é mais
equilibrado de carácter, mais alto e mais robusto, o que se compreende diante do
propósito inicial da raça, a recriação dos antigos pastores alemães.
Pondo a mão em seara alheia e sabendo-se da
validade das diferentes opiniões, achamos que, à luz do propósito inicial da
raça, determinadas regras na transmissão cromática do Pastor de Shiloh deveriam
cingir-se às acontecidas entre os Pastores Alemães, para que não surjam
exemplares estranhos ou raros, como é o caso mal conseguido dos Shiloh Panda,
que a continuar, obrigará a uma subvariedade ou aos limiares de uma nova raça.
Para além disso, estranhamos o focinho demasiado
escorrido de alguns exemplares, fenómeno que atribuímos aos pastores alemães
utilizados na sua formação, a lembrar mais o do “Rattus Norvegicus” do que o
transmitido pelo Malamute do Alasca, o que lhes dá um aspecto de muito gastos
ou envelhecidos (felizmente não são todos). As discussões em torno do Pastor de
Shiloh pecam por falta de objectividade e os seus criadores de igual pecado.
Pensamos que falta à raça uma maior caracterização e uniformidade, que para
além da sua versatilidade, deverá ser criada com propósitos específicos visando
a sua utilidade e continuidade. O Shiloh Shepherd, longe de ser uma decepção, é
um super-cão em formação e já tem alguns protótipos, falta produzi-lo para o
uso que garantirá as suas mais-valias. Se o Sec. XIX formou as diferentes raças caninas e o XX foi
caracterizado pela endogamia, porque os homens aprendem com os erros, o XXI
será certamente o da hibridação, tal qual se baralham as cartas para se dar de
novo, para que as mazelas do passado e do presente não se perpetuem no futuro.
Tina Barber teve um sonho e começou a construí-lo, caberá agora aos novos
criadores continuá-lo ou abandoná-lo. Independentemente da opção tomada, o
objectivo só poderá ser o de produzir um cão melhor. Oxalá consigam! A
canicultura agradece e os criadores de Pastor Alemão ficam na expectativa.
Nós por cá (Acendura Brava), mais conservadores e
menos ambiciosos, mais oficinais do que idílicos, agarrados aos nossos
pergaminhos e gratos pelo que recebemos, apesar de já termos abandonado a
criação, continuaremos a defender e a aconselhar uma política de “quadro
aberto” para a perpetuação do Cão de Pastor Alemão, sem infusão doutras raças e
baseada na contribuição de todas as variedades cromáticas presentes na raça,
dominantes, recessivas e outras quase desaparecidas, como é caso dos cães cor
de areia, também descritos como dourados ou de manto vermelho, ainda presentes
nas linhas inglesas e nas do Leste europeu, sobre os quais falaremos brevemente
e que ainda surgem no Pastor de Shiloh, porque queremos ligar o passado ao
futuro evitando os erros do presente. Diante do que tem sido feito e
considerando as mais-valias do Lobo Checo, do Lobo Italiano e dos Pastores
Holandeses, enquanto alternativas para o melhoramento do CPA, a opção
norte-americana do Pastor de Shiloh parece-nos a mais credível, porque já a
experimentámos e não produz, a exemplo dos outros que atrás mencionámos,
exemplares semi-lobos, instintivos, desconfiados, deficitários de préstimo, encerrados
em si mesmos e de difícil parceria, contrariamente ao Pastor Alemão, um cão
para todos, versátil, seguro, fácil de conduzir, esforçado, alegre, disponível
e companheiro, um genuíno cão popular.
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