quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

PASTOR DE SHILOH: SUPER-CÃO OU DECEPÇÃO?

Quem anda nos cães há algum tempo sabe que os Pastores Alemães acima dos 68cm ou são muito bons ou muito maus, excepcionais ou de fraco préstimo, sendo mais comum o segundo caso diante dos aspectos morfológico, psicológico e funcional, considerando os problemas inerentes ao gigantismo (pernaltismo, excesso de peso, panosteíte, displasia, desaprumos, perca de prontidão, desinteresse, instabilidade psíquica, dificuldades locomotoras, alteração do andamento preferencial, etc.). Não obstante, e disto não nos excluímos nós também, qualquer criador de cães de trabalho, depois de desvendar os segredos da raça, tentará “fazer” um cão maior, mais robusto, mais fiável e menos nervoso, que no passado já existiu, sem perder a capacidade de aprendizagem, a graciosidade de andamentos e a polivalência que sempre caracterizou a raça: um super-cão, à imitação do super-soldado há muito procurado e ao que sucede na indústria automobilística, onde os modernos jipes alemães juntam à força a velocidade e a capacidade de manobra dos carros ligeiros.
Inebriada pelo mesmo sonho, rendida aos Pastores Alemães de outrora, que conheceu na sua infância, nas montanhas da Alemanha, bons cães familiares, extraordinariamente inteligentes, equilibrados, robustos e grandes, a Sr.ª Tina Barber decidiu recriá-los nos Estados Unidos da América, na década de 60 do século passado, valendo-se de linhas europeias de origem alemã, norte-americanas e canadianas do CPA, estas últimas oriundas das linhas inglesas que descendiam directamente das teutónicas da primeira metade do século XX e que se fizeram presentes nos dois grandes conflitos mundiais dessa época, onde granjearam fama nas múltiplas funções militares que desempenharam. Esta “nova” raça, ainda não reconhecida pela FCI, ganhou o nome de Shiloh Shepherd Dog (Pastor de Siloh) por apego pessoal da sua criadora a uma promessa bíblica. Nos anos 80, no intuito de reduzir a angulação pélvica, aumentar a ossatura e minorar diversos problemas genéticos, típicos no CPA, optou-se por acrescentar à raça um pequeno percentual de sangue de Malamute do Alasca, descendendo o actual Shiloh Shepherd também dele, o que nos pareceu uma medida acertada, uma vez que os pastores maiores, quando cruzados entre si, ou perdem algumas características lupinas ou enveredam pelo pernaltismo, menos valias que obstam à sua prontidão, versatilidade, resistência e capacidade de marcha.
Esta pequena adição de sangue do Malamute do Alasca, para além de melhor caracterizar a raça, porque a beneficiou, aumentou-lhe funções e estendeu-lhe novas atribuições, tornando-a também própria para o reboque de trenós, para o carregamento de acessórios e para o salvamento a longas distâncias, tanto dentro como fora de água, sem contudo perder a territorialidade que lhe garante a guarda de pessoas e rebanhos, coisa difícil de acontecer se o percentual de sangue Malamute fosse mais alto. Por outro lado, para além do aumento da robustez, de uma melhor caracterização e de maior resistência às intempéries, o cão do Alasca ainda contribui para um melhor equilíbrio de carácter, tornando o de Pastor Siloh mais sociável, auto-confiante e menos sujeito a provocações, o que o vem tornando próprio para o convívio com crianças e idosos, desenvolvendo a partir do CPA uma capacidade superior de aprendizagem e uma valentia pouco vistas. Dócil de trato e de coração generoso, pode vir a constituir-se num excelente cão de terapia. Em simultâneo, porque é também corajoso, ele é capaz de dar a sua vida para que a dos seus não se extinga, o que o capacita como guardião.
Tina Barber, os seus descendentes e seguidores abraçaram um tarefa hercúlea ao formar o Shiloh Shepherd, porque de imediato se viram a braços com as diferentes displasias e com a panosteíte, afinal tão comuns nos cães maiores ou gigantes, o que em nada abona em favor da raça, constituindo-se inclusive no pior dos seus flagelos. Recentemente foi levado a cabo um programa exaustivo e detalhado que muito reduziu a incidência da displasia da anca e do cotovelo. Os últimos dados que nos chegaram indicam que o percentual de displasia atinge os 8,3% dos indivíduos e que esse valor tende à redução, o que não deixa de ser uma óptima notícia. Más notícias são as dissensões entre os criadores da raça, difíceis de acordar quanto à sua evolução, que com isso tardam o seu reconhecimento pela FCI. Ainda que a displasia venha a ser irradiada, sobra ainda a panosteíte na fase de crescimento, os problemas de inchaço e torção, a síndrome do supercrescimento bacteriano do intestino delgado e a insuficiência pancreática exócrina, heranças maioritariamente transmitidas pelo CPA e das quais não temos valores estatísticos. Estas incapacidades ou insuficiências, para quem já criou Pastores Alemães, apesar de indesejáveis e fruto da endogamia que vem vitimando o cão alemão, não são motivo para alarme e podem ser suavizadas ou ultrapassadas pelo concurso aos veterinários. Estamos em crer que a breve trecho serão também eliminadas no Pastor de Shiloh, já que nem todos padecem desses males.
Quanto mais conhecemos sobre o que disse e fez saber Tina Barber, mais lhe enaltecemos os seus propósitos na criação desta raça, porque pôs o dedo na ferida e quis sará-la, demonstrando ao mesmo tempo um algum conhecimento do CPA (mais por observação do que pela experiência), criando uma via alternativa para a salvaguarda dos Pastores Alemães do passado, conservando no Shiloh Shepherd a sua ancestral capacidade de aprendizagem e robustez há muito desaparecidas, conseguindo com isso eliminar os tremeliques visíveis nos CPA’s contemporâneos, demasiado nervosos, sensíveis, instáveis, imprevisíveis e irritadiços, lembrando os seus primos belgas que grassam agora por toda a parte. A via criada por Tina Barber não é única para o mesmo propósito, porque o cruzamento do CPA com cães orientais tem-se revelado também excelente, nomeadamente os híbridos CPA X Chow-.Chow, opção que experimentámos e da qual alcançámos excelentes resultados, como foi o caso do Afonso, mais conhecido na Acendura como o “Cão Computador”, que juntava à extraordinária capacidade de aprendizagem um carácter impoluto e incorruptível, características que lhe garantiam uma funcionalidade e autonomia notáveis. Sobre esta temática vale a pena ler o que Konrad Lorenz fez saber acerca dos seus experimentos.
Mas tornemos ao Pastor de Shiloh, um cão rectangular com dois tipos de pelagem (curta e comprida), uniforme ou bicolor, com uma grande variedade de cores e combinações, que lhe irão possibilitar a prestação e a sua camuflagem em qualquer ponto do globo, ecossistema e amplitude térmica (desde que escolhido de acordo), capaz de efectuar resgates e salvamentos em águas mais frias, onde outros não se sentirão tão à vontade, um exímio, resistente e rápido marchador que pode ser também usado como cão de tracção ou de carga, graças à sua envergadura e peso (os machos pesam entre 54 e 65kg e as fêmeas entre 45.5 e 54.5kg, aceitando-se para os primeiros o peso mínimo de 50.skg e para as últimas 36kg). A altura nos machos oscila entre 71 e 76cm e nas fêmeas entre 66 e 71cm, subsistindo ainda alguns indivíduos notoriamente mais altos em ambos os sexos na mesma proporção ou desproporção que a encontrada no Pastor Alemão (entre +15 e +23%). Ao momento, as diferenças entre os estalões das duas raças não são muitos significativas, diferindo essencialmente no comportamento, tamanho e envergadura, porque o Shiloh é mais equilibrado de carácter, mais alto e mais robusto, o que se compreende diante do propósito inicial da raça, a recriação dos antigos pastores alemães.
Pondo a mão em seara alheia e sabendo-se da validade das diferentes opiniões, achamos que, à luz do propósito inicial da raça, determinadas regras na transmissão cromática do Pastor de Shiloh deveriam cingir-se às acontecidas entre os Pastores Alemães, para que não surjam exemplares estranhos ou raros, como é o caso mal conseguido dos Shiloh Panda, que a continuar, obrigará a uma subvariedade ou aos limiares de uma nova raça.
Para além disso, estranhamos o focinho demasiado escorrido de alguns exemplares, fenómeno que atribuímos aos pastores alemães utilizados na sua formação, a lembrar mais o do “Rattus Norvegicus” do que o transmitido pelo Malamute do Alasca, o que lhes dá um aspecto de muito gastos ou envelhecidos (felizmente não são todos). As discussões em torno do Pastor de Shiloh pecam por falta de objectividade e os seus criadores de igual pecado. Pensamos que falta à raça uma maior caracterização e uniformidade, que para além da sua versatilidade, deverá ser criada com propósitos específicos visando a sua utilidade e continuidade. O Shiloh Shepherd, longe de ser uma decepção, é um super-cão em formação e já tem alguns protótipos, falta produzi-lo para o uso que garantirá as suas mais-valias. Se o Sec. XIX  formou as diferentes raças caninas e o XX foi caracterizado pela endogamia, porque os homens aprendem com os erros, o XXI será certamente o da hibridação, tal qual se baralham as cartas para se dar de novo, para que as mazelas do passado e do presente não se perpetuem no futuro. Tina Barber teve um sonho e começou a construí-lo, caberá agora aos novos criadores continuá-lo ou abandoná-lo. Independentemente da opção tomada, o objectivo só poderá ser o de produzir um cão melhor. Oxalá consigam! A canicultura agradece e os criadores de Pastor Alemão ficam na expectativa.
Nós por cá (Acendura Brava), mais conservadores e menos ambiciosos, mais oficinais do que idílicos, agarrados aos nossos pergaminhos e gratos pelo que recebemos, apesar de já termos abandonado a criação, continuaremos a defender e a aconselhar uma política de “quadro aberto” para a perpetuação do Cão de Pastor Alemão, sem infusão doutras raças e baseada na contribuição de todas as variedades cromáticas presentes na raça, dominantes, recessivas e outras quase desaparecidas, como é caso dos cães cor de areia, também descritos como dourados ou de manto vermelho, ainda presentes nas linhas inglesas e nas do Leste europeu, sobre os quais falaremos brevemente e que ainda surgem no Pastor de Shiloh, porque queremos ligar o passado ao futuro evitando os erros do presente. Diante do que tem sido feito e considerando as mais-valias do Lobo Checo, do Lobo Italiano e dos Pastores Holandeses, enquanto alternativas para o melhoramento do CPA, a opção norte-americana do Pastor de Shiloh parece-nos a mais credível, porque já a experimentámos e não produz, a exemplo dos outros que atrás mencionámos, exemplares semi-lobos, instintivos, desconfiados, deficitários de préstimo, encerrados em si mesmos e de difícil parceria, contrariamente ao Pastor Alemão, um cão para todos, versátil, seguro, fácil de conduzir, esforçado, alegre, disponível e companheiro, um genuíno cão popular.

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