Como preâmbulo à temática, para melhor entendermos
o nosso trabalho, importa desnudar o cão, os seus objectivos e processos
utilizados. Os cães nascem para sobreviver, a sobrevivência é o seu objectivo
principal, a procura do alimento é a sua tarefa prioritária. Por causa disto,
com a domesticação, o homem, ao tornar-se no dono da comida, transformou-se no
patrão do cão. Daqui se antevê, que a amizade canina não é desinteressada,
porque se encontra alicerçada nesta relação de dependência. Que outra razão
haverá, para o apego automático dos cães vadios àqueles que os socorrem? Porque
não consentimos que outros alimentem os nossos cães? O que torna a recusa de
engodos imperiosa, para além da sobrevivência canina? Onde estiver a comida, aí
estará a afeição do cão e graças à recompensa, permanecerá ao nosso lado pronto
para nos agradar.
Existe uma relação entre a predação canina e as
disciplinas cinotécnicas, um aproveitamento objectivo dos cinco momentos que
constituem o seu modo de caçar, a saber: a procura, a detecção, a perseguição,
a captura e o transporte. Os criadores das actuais raças caninas potenciaram
algumas destas acções em prejuízo de outras, criando incapacidades e
desequilíbrios. Cabe ao adestramento reequilibrar, caso o consiga, os cães que
lhe são entregues, devolvendo-lhes o seu modo original de actuação. Para cada
momento se criou um cão, para cada raça uma atribuição e nisto o cão ficou mais
pobre. Com a contribuição da evolução das espécies, o homem conseguiu, nestes
últimos 130 anos, transformar um lobo num passarinho de 4 patas (cães-toy). À
excepção dos retrievers e de alguns bracóides, a maioria dos cães perdeu a
capacidade de transportar, necessitando do amparo que só a gula pode oferecer.
Não será o cão moderno um bucho anafado de biscoitos? Do instinto de caça só
sobrou a recompensa e a presa adquiriu outras formas. Agora a história deverá
ser contada ao contrário, do fim para o princípio, tirando-se partido
experiência directa, da memória afectiva e do reforço positivo. Só a recompensa
poderá valer ao transporte.
Entendemos por transporte a recolha e entrega de um
ou mais objectos, por parte do cão, debaixo de ordem e com destino definido,
visando acções binomais prà prestação de socorro. Este trabalho resulta do
aproveitamento dos instintos de caça e presa, e procura transformar a predação
em acções de salvamento e resgate. Existe uma clara distinção entre cães
transportadores e carregadores, os primeiros transportam os utensílios na boca,
os outros carregam-nos mediante atavios próprios par o efeito. Apesar da
diferença operativa, as duas especialidades são parte integrante do mesmo
objectivo: o salvamento. Mas se ambas contribuem para o mesmo fim, também a sua
finalidade pode ser alterada, estender-se a usos distantes do seu propósito
original. Qual a importância do transporte? Não existe cão de trabalho sem
transporte, porque o fim útil do treino é a divisão de tarefas – a
complementaridade. Não espelhará o transporte a cumplicidade exigível a um
binómio? Um carpinteiro ensinará o seu cão a buscar-lhe as ferramentas, um
pastor a tocar as suas vacas ou ovelhas, o cão doméstico entregará os chinelos
ao dono, carregará o seu jornal e transportará o saco do lixo para o contentor.
Quando
começa o seu treino? O transporte começa no consentimento do espólio canino, é
reforçado através do churro e dos brinquedos, sendo próprio do ciclo infantil
que decorre dos 45 aos 120 dias. A acção começa por ser doméstica, potencia-se
na escola e desfruta-se no lar. Os seus benefícios podem ser restritos ou
abrangentes, dependendo do uso que lhe queiramos dar. Quando deixaremos de
exigir essa tarefa a um cão? Quando tal lhe for penoso e ponha em risco o seu
bem-estar físico e psicológico. Normalmente os cães são dispensados da tarefa
quando atingem os 8 anos de idade. Os mais fracos deverão terminá-la
atempadamente. De qualquer modo, quando os cães chegam aos 6 anos, diminuímos a
frequência e o peso da carga, particularmente àqueles com uma esperança média
de vida de 10 anos. Como treinaremos? O transporte acontece da perseguição para
os objectos estáticos, das formas anatómicas para as mais complexas, das pegas
mais macias para as mais duras, dos objectos equilibrados para os
desequilibrados, dos mais leves para os mais pesados com diferentes diâmetros.
Qual a força de transporte de um cão médio? Um cão
médio aumenta a sua força de transporte, dos 2 para os 36 meses, quarenta
vezes, não devendo abocanhar e transportar objectos com peso superior a 30% do
seu peso corporal. Quanto deverão pesar os objectos destinados aos cachorros?
Dos 45 aos 120 dias – 2% do seu peso corporal (300gr), dos120 aos 180 dias – 3%
do seu peso corporal (600gr), dos 180 aos 240 dias – 5% do seu peso corporal
(1Kg). Os valores dos pesos consideraram o crescimento médio de um exemplar
CPA. Contudo, o percentual indicado é válido para todos os cachorros. E os
destinados aos cães adultos? Depois da maturidade sexual, os cães jovens serão
convidados para um esforço maior. Dos 8 meses aos 12 meses – até 10% do seu
peso corporal (3Kg), dos 12 aos 18 meses – até 15% do seu peso corporal
(5.25Kg), dos 18 aos 24 meses – até 25% do seu peso corporal (9.5Kg), dos 24
aos 36 meses – até 30% do seu peso corporal (12Kg). Os valores referenciados em
quilos consideraram um cão de 40Kgs de peso. No entanto, o percentual indicado
é válido para quase todos os cães.
Não
poderão carregar mais peso? Não devem, devido ao esforço articular, às mudanças
de velocidade e ao aumento da frequência dos seus ritmos vitais. É importante
não esquecer, que a prestação de socorro não acontece somente em pisos planos,
pode passar pelo subir de uma rampa ou escada, pelo saltar de uma vala ou
barreira. O peso a transportar deverá considerar as dificuldades próprias de
cada percurso, tendo em conta a salvaguarda do animal e só depois a sua
capacidade de resolução. Rotineiramente, o trabalho laboratorial é desenvolvido
sobre os obstáculos do perímetro exterior da pista. Os cães mais robustos, com
pesos superiores a 35Kg, conseguem arrastar cargas até 70% do seu peso
corporal. Os grandes molossos e os portadores de mandíbulas fortes, podem
tornar-se bons transportadores? Podem e geralmente fazem-no sem grandes
dificuldades. Eles não são transportadores natos, mas genuínos cães de captura.
Há que ensiná-los de imediato a não retraçar os objectos, coisa que
naturalmente fazem para enterrar os dentes, no intuito de os estilhaçar. Apesar
de conseguirem levantar mais peso que os demais, cansam-se mais rápido e
interrompem as acções. Na prática, não devem transportar objectos com mais de
15% do seu peso corporal. Que cães não deverão ser convidados para o
transporte? Os cães estruturalmente côncavos, os portadores de assimetrias
articulares, os de ritmos vitais elevados, os fustigados pela epilepsia e pela
displasia, os convalescentes e idosos. Também os obesos e os pernaltos.
Como proceder com um cão que nunca transportou?
Como se tivesse 45 dias de idade, desenvolvendo a cumplicidade e suscitando o
interesse, recompensando sempre que necessário e premiando todo e qualquer
progresso. Os brinquedos não são do cão, são do dono e devem suscitar a cobiça
do animal. Eles não devem ser entregues ao cão, mas anunciar a chegada do seu
líder, ter o seu odor e ser objecto da sua estima. Devem constituir-se em fruto
proibido e apetecível, algo que divide com o dono. Existe algum tipo de cão
mais vocacionado para o transporte? Todos os cães podem ser transportadores e
devem fazê-lo de acordo com o seu peso, tipo de mordedura e morfologia. O cão
típico de transporte oscila entre os 27 e os 40kgs de peso, é normalmente
rectangular, com pouco elevado de cabeça, de dorso paralelo ao solo e de média
angulação. Apresenta eixos locomotores paralelos e geralmente tem pé de lebre.
O seu focinho é forte e de extensão igual à do crânio. Os cães que
tendencialmente incorrem no efeito campainha, com a cabeça nivelada pela linha
do dorso, apresentam uma predisposição natural para este trabalho. O cão
destinado ao transporte necessita de ter o peito forte e desenvolvido, um
perímetro torácico acima dos 85cms e ser convergente de mãos.
Depois de alcançado o transporte, qual é a meta
seguinte? Abocanhar e transportar objectos estáticos distantes, debaixo de
ordem expressa, segundo indicação do dono, a quem prontamente os entregará. A
capacidade de diferenciar os objectos, fica a dever-se mais ao dono do que ao
impulso ao conhecimento canino, por força da sua paciência, insistência e
generosidade na recompensa, a menos que o animal pertença a uma raça criada
para esse fim. Como sabemos que a selecção canina raramente atenta para a
importância do impulso ao conhecimento, ignorando-o muitas vezes, caberá aos
proprietários dos cachorros operar o seu desenvolvimento, acção possível pela
experiência variada e rica, no acompanhamento objectivo dos seus ciclos
infantis. O cão deverá conhecer os objectos pelo nome. Como operaremos essa “
experiência variada e rica”? Se um cão é rico em espólio, a tarefa encontra-se
facilitada, basta sugerir a sua identificação. Quando tal não acontece, o
espólio deverá ser enriquecido por brinquedos apelativos, de diferentes formas,
texturas e pegas, com sons diferenciados e distintas progressões. Felizmente
existe no mercado um grande número de brinquedos pedagógicos. Se o desprezo
pela identificação se verificar, a recompensa tende a vencê-lo. Mas se a
dificuldade de mantiver, urge relacionar cada objecto com uma acção do agrado
do cão. Os cães não agarram a trela quando desejam ir à rua?
Como se
classificam os transportadores? Os cães são classificados pela capacidade de
diferenciar os objectos que transportam. A classificação encontra-se assim
distribuída: até 3 objectos, o rendimento do cão é considerado medíocre, de 4 a 5 objectos – médio, de 6 a 7 objectos – médio alto, de
8 a 10
objectos – superior. Para além disso, o cão é considerado extraordinário e o
dono não deixará de o ser. Há notícia de cães que conseguiram identificar
algumas dezenas de ovelhas. Existem algumas provas para transportadores?
Actualmente não existem provas específicas de transporte. Apesar disso, ele
está presente em diversas provas de obediência e pistagem, ainda que de modo
suave. Exemplo disso é o transporte do haltere no schutzhund e a procura do
brinquedo no COB (Certificado de Obediência Básica). Tal qual a técnica de
condução, o transporte não é uma disciplina, mas sim um complemento curricular,
uma ferramenta indispensável aos cães de resgate e salvamento.
Sem comentários:
Enviar um comentário