Vivemos debaixo do mau hábito da separação compulsiva dos distintos grupos etários, política que enfraquece o homem no seu todo e que tende a rebentar com a família, núcleo indispensável para o bem-estar, formação e equilíbrio dos indivíduos que a constituem. E neste flagelo de graves consequências sociais, são os idosos e as crianças quem mais sofre os seus horrores, talvez por necessitarem de maior acompanhamento e os outros andarem demasiado ocupados, raramente com tempo pra si próprios. A maioria dos idosos acabará nos lares que anunciam o inevitável e as crianças verão o calor familiar substituído por escolas ou instituições tornadas apelativas, onde permanecerão a maior parte dos seus dias, como pintos ou leitões em unidades de produção a aguardar transferência. Com alguma sorte, ainda verão os seus pais à noitinha (se ainda viverem juntos), nos fins-de-semana e nas férias, isto se não tiverem actividades extracurriculares e não forem recambiados para um longínquo clube de férias, tido como de aventura diante da sua desventura. As alterações promovidas pelo trabalho na sociedade contemporânea e as substituições que ele provoca, até parecem naturais pela sua aceitação, como se sempre houvéssemos vivido assim ou descoberto agora a melhor forma de vida. À imitação das caixas de correio num prédio de inquilinos, cada idade tem a sua box e a cada uma corresponde um estigma. Marcados por esta influência, também os centros de treino caninos dispensaram o concurso das crianças ao longo dos anos, acabando somente por se lembrar delas quando o fim terapêutico canino se tornava imperativo, o que aponta para uma patacoada social e pedagógica de grande monta. No passado também procedemos assim e afastámos os infantes das nossas actividades, mas depois de verificarmos o carácter impessoal vigente na sociedade e de repararmos na ausência de parâmetros a que ele levou, mudámos a nossa atitude neste últimos vinte anos e passámos de polícias para barqueiros, auxiliando os infantes na travessia do sonho para a realidade, aceitando-os a partir dos seis anos de idade. Dispensar as crianças do adestramento é um cruel atentado contra a condição humana e é um crime ainda maior para aqueles que se dizem seguidores do método da precocidade, que sabem da importância da experiência variada e rica neste ciclo etário. Aos primeiros agradecemos que se informem e aos segundos perguntaremos: só os cães nos interessam? Nada impede que o adestramento se transforme numa psicoterapia lúdica e contribua para o salutar desenvolvimento da personalidade nos infantes, acompanhando as suas mudanças graduais de comportamento e auxiliando-os na aquisição das bases da sua personalidade. A ideia de um centro de treino exclusivamente para maduros, porque se constitui numa pedra de tropeço prà unidade, mais cedo ou mais tarde, será uma tertúlia destinada à auto-destruição, ainda que de início se mostre bastante concorrida. Não podemos dizer que amamos os nossos alunos se desprezarmos os seus filhos ou não nos prontificarmos para ajudá-los. Tanto podemos ajudá-los em classes integradas e a partir dos cães em treino, como aceitá-los como condutores dos seus inseparáveis amigos, acções que contribuirão para o seu amadurecimento social, emocional e cognitivo, transmitindo-lhes regras e padrões de comportamento básicos de acordo com o seu desenvolvimento psicológico. E como o adestramento é dinâmico e a as transformações físicas acompanham o desenvolvimento intelectual, a prática cinotécnica, para além de os ajudar no discernimento entre as acções certas ou erradas, irá ainda contribuir para a melhoria da sua coordenação motora, aumentar a sua capacidade de resolução e subsidiar outros aspectos importantes ligados ao seu pleno desenvolvimento. Sim, o adestramento pode dar combate aos seus transtornos emocionais, diminuir o índice das neuroses infantis, ajudar no ultrapassar de transtornos emocionais e suprir algumas carências de vária ordem. Isto se pedagogicamente agirmos certo e com a colaboração dos pais, enquanto seus companheiros de jornada e agentes de ensino primordiais. Se o adestramento não for para a família, terá que dividir o seu tempo com ela e mais cedo do que se julga, acabará preterido.
A opção pelos seis anos de idade, ao contrário dos treze de então, acontece mais por culpa nossa do que pela incapacidade dos infantes, porque necessitaríamos de mais tempo, melhor preparação, novidade de estratégias e todo um conjunto de alterações nada fáceis, ligadas a aspectos lúdicos, a jogos específicos e ao particular do desenvolvimento infantil (físico, emocional, cognitivo e social). Normalmente aos seis anos de idade, as crianças já aprenderam, graças ao seu desenvolvimento psicológico, algumas regras e padrões de comportamento social, já conseguem discernir o certo do errado, tendem à racionalização e já adquiriram o conceito de melhor amigo, condições que muito nos ajudam e que levarão à nossa aceitação, que irão facilitar o seu sucesso entre nós e que complementarão o nosso esforço e objectivos, desenvolvidos a seu favor pelo contributo dos cães. Nomes como: Bernardo Braga, Bernardo Fialho, Eduardo Pardal, Francisco Marques, Inês Forte, Joana Moura, João Ramos, Maria Duarte, Mafalda Braga, Mariana Paiva da Silva, Miguel Antunes, Pedro Forte, Pedro Tomé e Rodrigo Coito (a lista é quase interminável), são testemunho vivo desta nossa preocupação e todos eles vieram a ser ou são excelentes condutores. Ainda recentemente e de modo imprevisto, fomos surpreendidos por um homem barbado e bem constituído que, sempre qualquer cerimónia, nos beijou e disse: “ Eu sou o…, não se lembram de mim? Andei aqui quando tinha oito anos e o meu cão chamava-se Gorky!” O rapaz tinha agora 28! Algumas das crianças do passado já têm filhos nas nossas fileiras de hoje, o que constitui para nós um motivo de orgulho e espelha a nossa disponibilidade para servir. De todos somos gratos, porque nos deixaram ser seus barqueiros e viajaram connosco um importante trecho das suas vidas, momentos únicos que guardamos com rara felicidade. Jamais nos esqueceremos deles!
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