sexta-feira, 17 de junho de 2011

IR À ESCOLA OU TER AULAS À PORTA DE CASA?

Ora aqui está uma pergunta que muita gente já fez, especialmente quem tem cão e gostaria de o ensinar. A tradição das aulas à porta de casa resultou originariamente de três factores: do aparecimento dos cães tidos como de utilidade, da ausência de treinadores civis e da competência relativa dos adestradores militares ou policiais, que nas horas de folga ou após o toque de ordem, treinavam e aplicavam aquilo que tinham aprendido nas Unidades, na sua maioria da Classe de Sargentos para baixo. Hoje já não são muitos os que andam por aí e somente alguns reformados insistem em andar de porta à porta, especialmente nas áreas mais nobres das cidades e perante o ladrar de algum cão, estratégia hoje seguida por adestradores civis de toda a casta e distinta proveniência. Os seus clientes são na sua maioria gente abastada que não tem tempo a perder com cães, dignatários a quem ousamos perguntar: se não têm tempo para eles, para quê desperdiçá-lo na sua aquisição? É evidente que o comodismo tem aqui uma importante palavra a dizer. Quer queiramos ou não, agrade ou não nos agrade a ideia, foram os treinadores militares que abriram as portas aos adestradores do presente. Oxalá os ultrapassem e honrem assim quem os antecedeu. Tentaremos, na medida do possível, avaliar estas duas opções imparcialmente e a partir dos três implicados directos no processo pedagógico (o cão, o dono e o adestrador), realçando as vantagens e desvantagens de cada uma delas. Comecemos pelo caso do ensino domiciliar. Dependendo da carga horária combinada e da qualidade do adestrador, o cão aprenderá mais rápido e sem maiores contratempos, porque o homem sabe ao que vai e o afastamento do cão em relação ao dono irá facilitar-lhe o trabalho. Assim, a celeridade laboral constitui-se numa vantagem, porque se poupa o cão, não se maça o dono e o adestrador trabalha a seu bel-prazer. Também o facto do treinador ir buscar o cão a casa, porque doutro modo dificilmente abandonaria as paredes domésticas, é uma vantagem para o animal, não sendo por isso de estranhar o apego de alguns cães à figura do seu adestrador, para espanto e tristeza dos seus proprietários. Se o cão se destinasse ao adestrador e não ao seu proprietário, certamente estaríamos na presença de um binómio eficaz, mas como não é esse o caso, pergunta-se: quanto tempo durarão as alterações e adaptações promovidas pelo treino, já que elas não são eternas e precisam de recapitulação ou reavivamento? Estará o dono incondicionalmente disposto a substituir o treinador ou só vestirá essa pele quando lhe der gozo ou for necessário, exactamente como faria com uma arma guardada num armário? O facto do proprietário não ter que se deslocar a lado nenhum e não ter de prescindir de algumas actividades ou obrigações, só por si, já é uma vantagem e mais que justifica a despesa com o adestrador. Com 2 ou 3 cães nesse regime, o adestrador duplicará o seu salário ou até poderá ultrapassar esse valor, fortuna de que se agradará e que irá levá-lo-á à procura de novos clientes.

As desvantagens do ensino domiciliar prendem-se com a não continuidade do processo educativo canino, com a ausência de recapitulação e com as motivações e despreparo do proprietário, já que voluntariamente cedeu a autoridade e espera tê-la de volta, muitas vezes sem nada contribuir para isso, porque não acompanhou os treinos, ignora os procedimentos e não sabe como fazer. Mesmo que ele tenha feito um processo de transição capaz, o desuso do cão remetê-lo-á para o esquecimento dos comandos. Dependendo da maior ou menor variação dos simulacros efectuada pelo treinador, assim o cão ficará melhor ou pior preparado para enfrentar os desafios a que irá estar sujeito. A somar a isto, o seu desempenho será menos seguro debaixo da nova liderança, porque a oportunidade e a entoação dos comandos são diferentes, os estímulos podem não ser satisfatórios e a cumplicidade não será certamente a mesma, factores por vezes responsáveis pela resistência às ordens e à pessoa do seu emissor, que uma vez instituídos levarão à inutilidade do cão. Raros são os casos em que o adestramento domiciliar se preocupa com a melhoria dos índices atléticos caninos e com a adequação dos seus ritmos vitais, porque a ênfase recai invariavelmente sobre a obediência e o seu desempenho. Normalmente a sociabilização efectuada é deficitária e encontra-se condicionada aos locais adjacentes à habitação. O facto do animal trabalhar desacompanhado (sem colegas de classe), também nada abona nesse sentido. Resumindo, as desvantagens do treino domiciliar prendem-se com a ”enxertia” do cão no dono, com os riscos daí advindos e com a periclitante liderança que o proprietário alcança, não raramente aquém do desejável, porque não foi objecto de instrução e o condicionamento do cão foi obra alheia.
As vantagens do ensino escolar, na vertente das aulas colectivas (também as há individuais), são imensas para os três implicados directos no adestramento de cada cão. Comecemos pela figura do seu proprietário, que mercê do treino e num ápice, passa de imediato a condutor, o que lhe garante à partida uma enorme vantagem e já vamos saber porquê. O dono vai adquirir no treino escolar os requisitos técnicos que lhe irão possibilitar o controlo objectivo do seu cão e alcançará assim a constituição binomial pelo exercício da liderança. Será confrontado com um conjunto de problemas que irá aprender a resolver, procederá à sua formação, aprenderá com os erros e com a perícia dos restantes condutores, que funcionarão também como seus agentes de ensino. Ganhará a experiência necessária para seu desempenho pelo concurso dos exercícios que lhe irão ser propostos, verá com os seus olhos as distintas fases ou etapas presentes no adestramento, melhorará os seus indíces atléticos, compreenderá finalmente que a alma do cão é a vontade do dono, que quase tudo na cinotecnia assenta sobre a investidura canina. Tomará conhecimento directo de cães doutras raças, doutras morfologias e de distintos perfis psicológicos, quer pela observação quer pela condução, libertando-se desse modo de possíveis traumas, medos ou antipatias, o que futuramente lhe possibilitará ensinar outro cão sem maiores dificuldades (autonomia). Irá ser agraciado com aulas teóricas e será convidado para actividades no exterior em diversos ecossistemas diferenciados. Compreenderá e praticará o reforço positivo, subsídio inescusável para o alcance da cumplicidade. Ficará ciente da importância da respiração, da entoação dos comandos e da postura prà melhor prestação canina. Sempre terá ao seu lado a ajuda preciosa do adestrador e a solidariedade dos outros condutores, elementos que apostarão no seu sucesso. A imensidade das vantagens não se esgota aqui, mas fiquemos com a mais importante: o homem ganha um companheiro!
Se as vantagens para o dono, agora transformado em condutor, são inúmeras, o mesmo se poderá dizer das alcançadas pelo cão, porque verá recompensado o seu esforço e sempre procurará aprovação. Como cada vantagem aqui adiantada daria um texto, somente as enumeraremos e outras haverão, tão ou mais importantes, que deixaremos pra depois. O cão alcançará na escola a familiarização e a sociabilização necessárias para a sua coabitação harmoniosa na sociedade (entre iguais, com os humanos e com os outros animais), aprenderá regras de higiene e de comportamento, chegará ao cumprimento pronto e imediato das ordens e verá fortalecido o seu carácter. Graças à presença de outros cães, que lhe servirão de mestres, porque os cães também aprendem pela observação, o seu processo de aprendizagem tornar-se-á mais natural e menos artificial, pautado por uma competitividade saudável que ele não desprezará. Com a musculação virá a melhoria dos ritmos vitais, o aumento da resistência e da velocidade, vantagens advindas do prévio fortalecimento e correcção dos aprumos. O currículo escolar irá possibilitar-lhe o ensino continuado, a reciclagem dos códigos, o reavivamento das ordens e a constância de desafios. Também irá assimilar, compreender e praticar distintos modos e tipos de condução de acordo o seu aproveitamento e propensão natural. Na escola desnudarão o seu potencial e aproveitá-lo-ão, indicando-lhe uma carreira ou serviço da qual se agradará, por merecer o seu aprovo e estar ao seu alcance. Sempre caminhará e evoluirá com o dono ao lado e darão assim continuidade aos vínculos afectivos domésticos, onde o amor será selado com base na recompensa e usado para a salvaguarda do animal. Em síntese, o cão ganha um líder do seu agrado!
Se um centro de treino canino é uma escola para o dono e uma academia para o cão, para o adestrador será uma faculdade, um lugar de estudo, trabalho, investigação, reflexão, sapiência, experiência, erudição, reciclagem e realização. É a escola que faz o treinador e não o inverso, porque é ela que o forma e capacita, desnuda as suas competências e congrega pessoas e cães à sua volta. Sem o saber e a experiência que ela oferece, qualquer treinador de porta à porta pode ser confundido com um vulgar mendigo ou intruso. As desvantagens do ensino escolar são diminutas quando comparadas com os seus benefícios. Todavia, devido a natureza do seu currículo, o ensino escolar é mais moroso, obriga ao empenhamento e disponibilidade dos donos e pode tornar-se num vício, tanto prós condutores como prós cães. Deste mal, felizmente, nos queixamos também nós!

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