terça-feira, 7 de setembro de 2010

Unidade de propósitos e comunhão de vida

Nenhum grupo de trabalho subsiste sem comunhão de vida e ninguém pode andar com um pé dentro e outro fora se quer chegar acompanhado. Os portugueses são tradicionalmente desunidos e independentes, resistem ao colectivo e enveredam por acções individuais, são mais tribais que universalistas e agem segundo a sua génese. A nação resultou duma desavença entre mãe e filho e todos os que por aqui passaram foram congregados à força. Uma das partes mais omissas da nossa história, particularmente ignorada por causa do nosso sentido europeu, também porque a história é escrita pelos vencedores, é a relativa às duas tribos berberes que ocuparam a Península Ibérica: os macemuda e os zenagas, de quem se calhar também herdámos a nossa cegueira individualista, tradicionalmente desunidos e constantemente em guerra uns com os outros. Largando o campo hipotético, uma coisa é certa: os portugueses são naturalmente desapegados, em cada um há uma sentença e só se congregam por imperativos. Quem andou pelos círculos da emigração sabe, por experiência própria, que é mais fácil obter apoio junto dos galegos do que próximo de alguns portugueses, porque o português tendencialmente abraça o estranho e despreza o seu igual, na ânsia de se camuflar e no esforço para ser aceite, o que acaba por denunciar um injustificado complexo de inferioridade, geralmente mais comum nas classes sociais menos favorecidas.

Contrariando essa propensão nacional e combatendo o actual viver quotidiano, isolado, fratricida e desinteressado, a Acendura apresenta-se como um projecto colectivo, de cariz familiar onde todos são bem vindos. A opção pelas aulas colectivas prende-se com esses propósitos, estabelecendo o discipulado, a paridade entre os binómios e a sua mais-valia enquanto agentes de ensino, tomando como ponto de partida a necessidade gregária humana e o viver social dos cães. Ainda que o desempenho cinotécnico seja o nosso objectivo, temos como meta principal, para além do seu apetrechamento, a recuperação dos donos nos aspectos anímico, cognitivo, físico, psicológico e social, mediante a comunhão de vida proposta ao redor dos cães. Por causa disso, nem tudo o que fazemos tem a ver com a canicultura ou com a cinotecnia, vai para além e procura o bem-estar dos homens que se tornaram condutores caninos. A extensão dos nossos horários e a escolha das nossas actividades, para além de aumentarem o quadro experimental dos cães e operarem assim o desenvolvimento do seu impulso ao conhecimento, oferecem ainda momentos raros de comunhão de vida para os seus líderes, através de jogos que propiciam o aparecimento do espírito de corpo e de acções que reforçam a dinâmica do grupo, o que favorece a unidade e o estabelecimento de vínculos afectivos entre os alunos, num espírito idêntico ao encontrado nos camaradas de armas ou nos companheiros de trincheira. Não queremos ninguém só, todos temos um caminhar comum, para além das diferenças e na defesa da fraternidade – os nossos cães só ganharão com isso!

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