No dia em que os homens conseguirem compreender que a verdadeira liberdade está para além das regras que estipulam e que não observam, talvez venham a devolver a liberdade aos animais e a compreender os cães doutra forma, quando despojados do subjectivismo que alimenta o seu gozo individual, efémero e comezinho, que os tem ridicularizado e causado vítimas, advindo do tribalismo intrínseco que tem obstado à felicidade colectiva. A fraternidade continua a ser um ideal universal e o respeito pelos animais esvoaça sobre o coração de muito poucos. Os cães não esperam nenhum messias ou mahdi, não abrangem milagres e perdem-se pela experiência. Porém, continuam a revoltar-se diariamente de muitas formas, à boca calada e de acordo com o fardo de cada um deles, à revelia dos donos e prà além da sua compreensão, através de gritos sufocados que só alguns conseguem ouvir, abafados por detrás de muros que afastam os olhos e sustentam o politicamente correcto. Se a hipocrisia ainda grassa entre os homens, ela toma proporções gigantescas na relação com os cães, escravos dos seus desígnios e pau para toda a obra. E se para eles não houver vida vindoura, a sua redenção terá que acontecer aqui e agora, enquanto é tempo e antes que muitos deles pereçam. Valer aos cães é educar homens e isso jamais será uma tarefa fácil, porque a espécie dominante neste mundo continua em guerra consigo própria, ainda que os cães sempre tenham vindo a suavizar a sua existência, enquanto companheiros, terapeutas, serviçais, escravos e bodes expiatórios.
Ainda hoje e por mais estranho que nos pareça, a vida de muitos cães é comparável ao padecimento dos africanos no tempo dos navios negreiros, porque também se encontram acorrentados e privados da liberdade, dispensados da higiene e sujeitos a dieta imposta, abandonados a si mesmos e rotulados para determinado fim, por tempo indeterminado ou até que a morte lhes bata à porta. Com alguma dificuldade poderemos entender o recurso à corrente, quando esporadicamente, como subsídio pedagógico ou forma de castigo, consoante queiramos aumentar a territorialidade de um cão ou alcançar a sua submissão, muito embora hajam outros meios mais eficazes e menos violentos que preconizamos – os relativos à instituição binomial.
Trabalhar um cão e prendê-lo depois à corrente, é uma violência que não esconde o comodismo dos donos e que atenta contra os objectivos anteriores à prisão, desrespeitando em simultâneo o descanso, a ascensão social e a recompensa do animal, porque a corrente obriga-o à vigilância constante, afasta-o dos donos e não se constitui em prémio. O hábito de acorrentar cães, profundamente enraizado entre nós e a necessitar de proibição urgente, é anterior ao sedentarismo e remonta a hábitos nómadas que se perdem pelos confins dos tempos, continuados aqui pelos famigerados godos do oeste (visigodos) e pelos berberes que em 711 por cá entraram a convite. O pragmatismo germânico e a cultura semita, tanto da Berbéria quanto da Judeia, influencia até hoje o nosso modo de estar com os cães, porque para uns eram serviçais e para outros sinal de maldição, geralmente associados à destruição, à desgraça e à miséria, visões diferentes das encontradas entre os celtas e os alanos. Ainda hoje se pode ver nas armas do município de Alenquer o “cão dos alanos”, um caçador que era ao mesmo tempo um guardião, sem grilhões e imponente. O peso da cultura e a economia de sobrevivência condenaram o cão à corrente, como se houvesse nascido para ela ou dela resultasse o seu lugar.
Se há que acorrentar cães, e não vemos qualquer razão para tal, então que o façamos de modo menos lesivo para os animais. Antes de adiantarmos o modo, queremos manifestar a nossa preferência pelos canis, que segundo a nossa tradição, a da Acendura Brava, deverão ter uma área superior aos 10 m2, obedecer a regras específicas e não se constituírem em habitação permanente, flagelo ou degredo. Para minorar os malefícios causados pela corrente, tanto psicológicos quanto físicos, importa que ela tenha um comprimento de 3 m, seja de elo miúdo, rematada por um mosquetão e suspensa por uma argola num cabo aéreo de aço, numa extensão nunca inferior aos 5 metros, possibilitando em simultâneo a entrada para o habitáculo, o deitar do animal e a procura da sombra. O cabo aéreo evita os desaprumos e as feridas causadas pela prisão junto ao solo, dá maior liberdade de movimentos, sobrecarrega menos o cão e melhor subsidia o policiamento. Só aceitamos a permanência do cão na corrente excepcionalmente, quando o canil se encontra em construção ou por breves períodos, porque não queremos atentar contra o viver social do animal e reclamamos a sua presença ao nosso lado, mais-valia que se agiganta com o passar dos dias e viabiliza a cumplicidade interespécies, segredo para o nosso caminhar conjunto.
Descansaremos no dia em que a corrente for abolida e vier a ser espólio num museu dedicado ao nosso passado etnográfico, quando já ninguém se lembrar dela e ignorar para que serviu. Até lá, continuaremos a esclarecer e a aconselhar, a pregar contra a evocação do navio negreiro fantasma, diariamente reinventado em cada cão acorrentado.
Ainda hoje e por mais estranho que nos pareça, a vida de muitos cães é comparável ao padecimento dos africanos no tempo dos navios negreiros, porque também se encontram acorrentados e privados da liberdade, dispensados da higiene e sujeitos a dieta imposta, abandonados a si mesmos e rotulados para determinado fim, por tempo indeterminado ou até que a morte lhes bata à porta. Com alguma dificuldade poderemos entender o recurso à corrente, quando esporadicamente, como subsídio pedagógico ou forma de castigo, consoante queiramos aumentar a territorialidade de um cão ou alcançar a sua submissão, muito embora hajam outros meios mais eficazes e menos violentos que preconizamos – os relativos à instituição binomial.
Trabalhar um cão e prendê-lo depois à corrente, é uma violência que não esconde o comodismo dos donos e que atenta contra os objectivos anteriores à prisão, desrespeitando em simultâneo o descanso, a ascensão social e a recompensa do animal, porque a corrente obriga-o à vigilância constante, afasta-o dos donos e não se constitui em prémio. O hábito de acorrentar cães, profundamente enraizado entre nós e a necessitar de proibição urgente, é anterior ao sedentarismo e remonta a hábitos nómadas que se perdem pelos confins dos tempos, continuados aqui pelos famigerados godos do oeste (visigodos) e pelos berberes que em 711 por cá entraram a convite. O pragmatismo germânico e a cultura semita, tanto da Berbéria quanto da Judeia, influencia até hoje o nosso modo de estar com os cães, porque para uns eram serviçais e para outros sinal de maldição, geralmente associados à destruição, à desgraça e à miséria, visões diferentes das encontradas entre os celtas e os alanos. Ainda hoje se pode ver nas armas do município de Alenquer o “cão dos alanos”, um caçador que era ao mesmo tempo um guardião, sem grilhões e imponente. O peso da cultura e a economia de sobrevivência condenaram o cão à corrente, como se houvesse nascido para ela ou dela resultasse o seu lugar.
Se há que acorrentar cães, e não vemos qualquer razão para tal, então que o façamos de modo menos lesivo para os animais. Antes de adiantarmos o modo, queremos manifestar a nossa preferência pelos canis, que segundo a nossa tradição, a da Acendura Brava, deverão ter uma área superior aos 10 m2, obedecer a regras específicas e não se constituírem em habitação permanente, flagelo ou degredo. Para minorar os malefícios causados pela corrente, tanto psicológicos quanto físicos, importa que ela tenha um comprimento de 3 m, seja de elo miúdo, rematada por um mosquetão e suspensa por uma argola num cabo aéreo de aço, numa extensão nunca inferior aos 5 metros, possibilitando em simultâneo a entrada para o habitáculo, o deitar do animal e a procura da sombra. O cabo aéreo evita os desaprumos e as feridas causadas pela prisão junto ao solo, dá maior liberdade de movimentos, sobrecarrega menos o cão e melhor subsidia o policiamento. Só aceitamos a permanência do cão na corrente excepcionalmente, quando o canil se encontra em construção ou por breves períodos, porque não queremos atentar contra o viver social do animal e reclamamos a sua presença ao nosso lado, mais-valia que se agiganta com o passar dos dias e viabiliza a cumplicidade interespécies, segredo para o nosso caminhar conjunto.
Descansaremos no dia em que a corrente for abolida e vier a ser espólio num museu dedicado ao nosso passado etnográfico, quando já ninguém se lembrar dela e ignorar para que serviu. Até lá, continuaremos a esclarecer e a aconselhar, a pregar contra a evocação do navio negreiro fantasma, diariamente reinventado em cada cão acorrentado.
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